Leonardo olhou pela janela enquanto a chuva fina começava a cair, desenhando linhas brilhantes no vidro. O som suave das gotas misturava-se ao murmúrio distante da cidade, criando uma trilha sonora inesperadamente calma para o turbilhão dentro dele.
— Sabe — começou Lorena, mexendo distraidamente no colar que usava, — às vezes eu penso que a gente se perde porque espera demais das coisas, das pessoas, da vida. Ele virou o rosto, os olhos procurando os dela. Um lampejo de dúvida, misturado a uma vontade contida, apareceu em seu olhar. — Esperar demais... — repetiu, como se fosse algo estranho, quase proibido. — Pois é — ela sorriu, sem perder o ritmo, — a gente quer que tudo seja perfeito, que as respostas estejam sempre claras, que as emoções sejam simples de entender. Mas não é assim. Leonardo ficou em silêncio, engolindo a vontade de discordar, ou talvez de concordar demais. — E você? — ele perguntou, desviando o olhar para a mesa — Como você faz pra não se perder no meio de tudo isso? Lorena deu um suspiro, olhando para o teto do café, como se buscasse a resposta no espaço entre eles. — Eu não sei se consigo evitar me perder — respondeu com honestidade — Mas aprendi a aceitar que me perder faz parte. Que não tem problema a gente ficar confuso, inseguro... É normal. — Confuso eu tô o tempo todo — ele admitiu, com um sorriso meio torto — Mas aceitar, isso é difícil. Ela apoiou os cotovelos na mesa, aproximando-se um pouco. — Aceitar não é fácil, nunca é. É mais fácil fugir, fingir que está tudo bem, ou se agarrar a algo que dê segurança. Eu fiz isso por muito tempo. Leonardo encarou o rosto dela, tentando captar aquela sinceridade que parecia soltar faíscas no ar. — E o que mudou? — perguntou ele. — Eu comecei a parar de lutar contra as minhas dúvidas — respondeu Lorena, com um brilho diferente nos olhos — Parei de achar que eu precisava controlar tudo. Foi quando percebi que, talvez, a gente só precisa aprender a conviver com o que não entende. A chuva aumentou, batendo forte agora no vidro, quase como se fosse um convite para aquele momento ser mais intenso. — Você acredita que a gente pode mudar? — perguntou Leonardo, de repente vulnerável — Que pode deixar pra trás esse medo de não saber o que vem depois? — Eu acho que sim — disse Lorena, pegando a mão dele com delicadeza — Mas mudança não é mágica. É um processo, cheio de tropeços, dúvidas e recomeços. Não acontece de um dia pro outro. Ele apertou a mão dela, sentindo um calor estranho, uma mistura de esperança e medo. — E se eu não for capaz? Se eu continuar me perdendo? — Então você vai continuar tentando — respondeu Lorena, sorrindo com um misto de ternura e desafio — E, no fim, isso é o que importa. Não o quanto você sabe ou entende, mas o quanto você está disposto a seguir, mesmo sem garantia. O silêncio que veio depois não foi vazio. Era o espaço onde os dois respiravam, sentindo a presença um do outro, sem precisar de mais. — Obrigado por estar aqui — disse Leonardo baixinho, quase um segredo. — Eu que agradeço por deixar eu estar — respondeu Lorena, apertando a mão dele mais uma vez. Fora do café, a chuva começava a dar uma trégua, e lá fora, a cidade parecia menos confusa, pelo menos por um instante. Dentro deles, algo pequeno e tímido começava a florescer, a promessa de um caminho que, apesar de incerto, valia a pena ser trilhado. O silêncio entre eles não era mais um vazio, mas um espaço carregado de possibilidades. Ela olhou para fora da janela, onde a cidade seguia seu ritmo indiferente, e depois voltou o olhar para ele, como se enxergasse além do que as palavras poderiam revelar. — Você já pensou que talvez a resposta não esteja em procurar algo, mas em aceitar o que aparece? — disse, quase como um sussurro. Ele hesitou, os dedos entrelaçados ao redor da xícara fria. Aquela ideia era tão simples, e ainda assim, parecia revolucionária para alguém acostumado a controlar tudo ao redor. — Aceitar o que aparece... — repetiu baixinho, como se fosse um mantra. Ela sorriu, uma mistura de ternura e coragem. — Exato. Às vezes, insistimos tanto em entender que acabamos perdendo o que está bem na nossa frente. O olhar dele se suavizou, e pela primeira vez, a tensão que carregava parecia ceder espaço para algo mais leve. — E se eu não estiver pronto para isso? — perguntou, sem disfarçar o medo. — Ninguém nasce pronto — respondeu ela, firme. — A coragem não é a ausência do medo, mas seguir adiante apesar dele. O barulho distante da rua invadiu o pequeno espaço do café, mas ali dentro, o tempo parecia desacelerar. — Então, o que você sugere que eu faça? — ele perguntou, buscando apoio. Ela inclinou o corpo para frente, como se confidenciasse um segredo. — Comece pequeno. Dê passos que façam sentido para você, mesmo que pareçam insignificantes. Não precisa resolver tudo hoje. Ele respirou fundo, sentindo o peso diminuir, mesmo que só um pouco. — Talvez eu possa tentar isso — murmurou, sem saber se estava mais aliviado ou assustado. — Isso já é um começo — disse, e o sorriso dela agora era cheio de esperança. Por alguns instantes, não precisaram de mais nada além daquela troca silenciosa. O calor da bebida e a presença mútua bastavam para criar um espaço onde o impossível começava a parecer possível. — Sabe — ela continuou, olhando para ele com um brilho nos olhos —, a vida é cheia de curvas, e às vezes, é no caminho torto que encontramos as melhores vistas. Ele riu baixinho, sentindo o coração menos apertado. — Eu preciso aprender a apreciar essas curvas, então. — E eu estarei aqui para isso — respondeu, segurando a mão dele com delicadeza. O café, a cidade, os pensamentos confusos — tudo parecia se alinhar em um momento único, onde o medo dava lugar à vontade de tentar. O céu cinza começava a escurecer quando eles saíram da pequena livraria onde tinham passado a tarde entre livros e conversas. As ruas da cidade estavam molhadas pela chuva que caíra mais cedo, o cheiro de terra molhada misturava-se ao ar fresco da noite. — Você já percebeu como a gente vive tentando controlar tudo? — Clarice falou baixinho, olhando para as poças refletindo as luzes dos postes. — Como se o mundo fosse um quebra-cabeça que a gente pudesse montar perfeitamente. Leonardo respirou fundo, sentindo o vento fresco no rosto. — É, e a gente se cobra tanto, como se fosse errado não ter todas as respostas. Mas a verdade é que nem sei se quero elas todas. Às vezes, o que eu mais desejo é um pouco de paz no meio desse caos. Ela sorriu, um sorriso leve, quase triste. — A paz está mais em aceitar que o caos faz parte, não em fugir dele. A gente acha que precisa saber exatamente pra onde vai, mas às vezes o melhor caminho é deixar os passos guiarem a gente. O silêncio caiu entre eles, confortável, como um abraço silencioso. — Eu tenho medo, Clarice — confessou ele, finalmente — medo de me perder, de ficar preso num labirinto que eu mesmo construí. — E se eu te dissesse que se perder pode ser o jeito mais bonito de se encontrar? — Ela tocou sua mão, suave. — A gente não precisa ter medo do que não entende. Só precisa estar disposto a sentir. Leonardo olhou nos olhos dela, sentindo a sinceridade e a coragem daquele olhar. Por um instante, tudo pareceu claro, como se o mundo tivesse parado para lhes dar espaço. — Então vamos nos perder juntos — disse ele, com um sorriso tímido, mas cheio de esperança. Clarice riu, leve, e apertou a mão dele com carinho. — Isso. E talvez, no meio desse caminho, a gente encontre algo que nem sabia que procurava. Eles seguiram caminhando, lado a lado, enquanto a cidade pulsava ao redor deles. Não havia promessas, nem certezas — só a vontade de estar ali, vivendo aquele instante, descobrindo, juntos, o que significava realmente caminhar sem mapa. Enquanto as luzes da cidade começavam a ganhar vida, eles pararam diante de uma pequena praça iluminada por lampiões amarelados, cujas sombras dançavam nas pedras antigas do chão. — Sabe — Clarice começou, olhando para o céu que já se tingia de um azul profundo —, às vezes penso que a gente carrega tantos medos que esquecemos de olhar para o que está bem na nossa frente. Ele segurou a mão dela com mais firmeza, sentindo a energia daquele momento. — Talvez a gente tenha medo de ser vulnerável. De mostrar quem realmente somos, sem máscaras. Ela assentiu, os olhos brilhando com uma mistura de coragem e delicadeza. — É difícil, mas eu quero tentar. Quero deixar as paredes caírem, mesmo que o vento lá fora pareça ameaçador.