A porta rangeu suavemente ao ser aberta, revelando Dante emoldurado pela luz fria do corredor. Seus olhos, antes ocultos pelas sombras, fixaram-se nos de Lorena com uma intensidade que a fez recuar um passo. Ele não sorria, não demonstrava surpresa por ela ter atendido. Apenas a estudava, como se tentasse decifrar cada linha em seu rosto. O traje preto acentuava sua figura imponente, e a pasta que ele segurava parecia quase uma extensão de seu poder.
— Lorena — a voz dele era grave, mais uma constatação do que uma saudação. — Pensei que não sairia de casa. A ironia era palpável, mas Lorena se recusou a demonstrar fraqueza. Ergueu o queixo, mesmo com o coração batendo descompassado. — E eu pensei que estaria em uma viagem de negócios. Dante entrou, fechando a porta atrás de si com um clique seco que ecoou no silêncio do apartamento. Ele jogou a pasta sobre o aparador e afrouxou a gravata com um gesto rápido e preciso. — Planos mudam. Especialmente quando há variáveis inesperadas. — Variáveis inesperadas? — Lorena cruzou os braços, sentindo um arrepio percorrer sua espinha. — Você se refere a uma carta de ameaça? Ou a uma reunião secreta com pessoas que parecem saber mais sobre minha vida do que eu mesma? Ele a encarou, e por um instante, a rigidez em seu semblante pareceu vacilar. — Você recebeu a carta. Não era uma pergunta, mas Lorena assentiu. — E um aviso. De você. E depois de outra pessoa, dizendo para eu não confiar em você. Parece que estou bem informada sobre a minha própria segurança. — A voz dela carregava uma ponta de sarcasmo que ela não esperava ter. Dante deu alguns passos em sua direção, e Lorena recuou até sentir a parede fria às suas costas. Ele parou a poucos centímetros dela, a proximidade sufocante. Seus olhos, cinzentos como chumbo, varreram o rosto dela, buscando algo. — A carta era uma armadilha, Lorena. Não deve ter chegado até você. — Mas chegou. E a mensagem, Dante? Você sabia sobre ela. Por que não me contou? Ele suspirou, um som quase inaudível. — Há coisas que não posso te contar. Ainda. — Coisas? Estou casada com você! Parte de um ‘acordo estratégico’, como você mesmo disse. Como posso ser uma peça no seu tabuleiro se não sei as regras do jogo? — A indignação ferveu dentro dela, misturando-se ao medo. — Aqueles homens lá embaixo... o que eles queriam? Dante desviou o olhar para a rosa branca sobre a cama. — Eles são... interessados em certos aspectos dos meus negócios. E do nosso casamento. — Interessados? — Lorena soltou uma risada amarga. — Pareceram mais com abutres prontos para o ataque. Eles disseram que você está em guerra, Dante. E que eu estou no centro disso. É verdade? Ele finalmente a fitou de novo, e desta vez, havia algo diferente em seus olhos. Não era frieza, mas uma sombra de cansaço, talvez até um lampejo de vulnerabilidade. — Sim, Lorena. É verdade. A confissão a atingiu com a força de um soco. — Guerra? Com quem? E por quê? O que eu tenho a ver com isso? — Você é a chave, Lorena. — Ele disse, a voz baixa, quase um sussurro. — A peça que eles precisam para me atingir. Por isso o casamento. Por isso a segurança. Por isso o isolamento. — Isolamento? Você me jogou aqui como um objeto e esperava que eu ficasse quietinha? Enquanto sua vida desmorona e a minha é arrastada junto? — As palavras jorraram, incontroláveis. — Quem era a mulher que ligou? Ela disse para eu fugir de você. O maxilar de Dante se contraiu. — A ligação... é complicado. Há muitas pessoas envolvidas. Pessoas que se beneficiariam da nossa separação. Pessoas que querem ver a Navarro em ruínas. — A Navarro? — Lorena franziu o cenho. — Meu pai adotivo... ele tem uma rede de construção civil. A dívida... — É um fragmento do problema. O Grupo Navarro é muito mais do que você imagina. É um império que se estende por diversos setores, Lorena. E estamos sob ataque. Um ataque silencioso, mas letal. — Ele deu um passo atrás, afastando-se um pouco dela. — Sua família se tornou um peão nesse jogo muito antes de você saber. A dívida era a isca perfeita para trazê-la para perto de mim. Para protegê-la. Ou para usá-la, dependendo de como você vê. — Usar... para quê? Aqueles homens disseram que você não quer ‘o que’, mas ‘quem’. O que isso significa? — Ela sentia a cabeça girar, tentando conectar os pontos de um quebra-cabeça macabro. Dante hesitou. O silêncio se estendeu, tenso, enquanto o olhar dele se fixava em um ponto distante da sala. Finalmente, ele voltou a encará-la. — Eles querem o que você representa, Lorena. Uma linha de sucessão. Uma linhagem. Algo que, aparentemente, eu não tenho. Lorena piscou, confusa. — Linhagem? Do que você está falando? — Minha família tem uma história... peculiar. Um segredo. Um legado que, para alguns, vale mais que a própria vida. — Ele caminhou até a janela, observando a cidade iluminada, mas seus olhos pareciam ver além. — Para manter o controle, preciso de um herdeiro. Um Navarro. E você é a pessoa perfeita para me dar isso. As palavras caíram sobre ela como pedras. — Um herdeiro? Você está dizendo... que tudo isso é para que eu tenha um filho seu? — A indignação agora era pura repulsa. — Um casamento de fachada para uma herança? Isso é insano! — Não é insano, Lorena. É necessário. Para a minha sobrevivência e, consequentemente, para a sua. — Ele se virou para encará-la, e a frieza habitual retornou aos seus olhos. — Eles não querem apenas a Navarro. Querem o sangue. E a única maneira de evitar que eles consigam é assegurando que eu tenha um sucessor legítimo. — E o que acontece se eu me recusar? Você me aprisiona aqui? Me força a isso? — A voz dela tremia, mas ela se recusava a ceder. — Não. Você é inteligente o suficiente para entender as consequências. Eles não vão hesitar em eliminá-lo se não houver um futuro para a linhagem. E você seria a primeira vítima. — Ele se aproximou novamente, mas desta vez, havia uma estranha intensidade em seu olhar que a fez hesitar. — Eu não estou te forçando, Lorena. Estou te dando uma escolha. Entre a vida e a morte. A sua vida. E a de seu pai, inclusive. Eles são impiedosos. A menção de seu pai a atingiu como um choque elétrico. — Meu pai? Eles iriam machucá-lo? — E a sua madrasta. E qualquer um que você se importe. Eles não brincam. É por isso que você está aqui. Porque aqui, sob a minha proteção, você tem uma chance. — Ele estendeu a mão, e por um breve momento, Lorena pensou que ele a tocaria. Mas ele apenas apontou para o envelope preto em cima do aparador. — A carta. A ligação. Tudo isso foi para testar minha segurança. Para ver se eu estava te protegendo adequadamente. Eles queriam que você fugisse. Para fora do meu alcance. Para que pudessem pegá-la. Lorena olhou para o envelope, para a rosa, para o rosto frio de Dante. Era um pesadelo. Uma conspiração complexa que a havia engolido por inteiro. O casamento não era um sacrifício por uma dívida. Era um escudo. Ou uma gaiola. Ela ainda não sabia qual. — Então... sou sua garantia? — A voz dela era um sussurro. — Você é o futuro, Lorena. — A resposta dele foi quase cruel em sua objetividade. — E o presente. Pelo menos até que eu possa te garantir segurança de outra forma. — E o que você espera que eu faça agora? Que eu sorria, como disse minha madrasta? Que eu finja que sou a esposa feliz, enquanto sou uma refém em um jogo de poder? — As palavras de sua madrasta ecoaram em sua mente. Ele não espera mais do que isso. E, sinceramente, você não tem mais nada a oferecer. A raiva a invadiu. — É isso que você quer? Uma incubadora? Dante permaneceu em silêncio por um momento, seus olhos impenetráveis. — Eu quero que você esteja segura, Lorena. E que este casamento seja o que ele precisa ser para ambos sobrevivermos a isso. Eu não pedi por isso. Mas estou fazendo o que é preciso para proteger o que é meu. E agora, você é minha. A possessividade na voz dele a assustou mais do que qualquer ameaça. Ela sentiu um arrepio. Aquele homem não a amava, não a desejava. Mas a reivindicava como propriedade. “Você não o conhece. Mas ele sabe tudo sobre você.” As palavras da carta voltaram à sua mente. E, olhando para Dante, ela percebeu a terrível verdade: ele realmente sabia. Tudo. E ela, por sua vez, não sabia nada sobre ele. Lorena se afastou da parede, sentindo uma nova determinação florescer em seu peito, misturada ao medo. Se ela era uma peça no tabuleiro dele, então ela aprenderia as regras. E se o jogo era sobre sobrevivência, ela não seria um peão fácil de ser derrubado. — E se eu não cooperar, Dante? — ela perguntou, a voz mais firme do que esperava. — E se eu não quiser ser seu ‘futuro’? Ele a encarou por um longo momento, e um canto de seu lábio se ergueu, quase um sorriso, mas sem alegria. — Então, Lorena, o jogo fica muito mais perigoso para você. E para todos que você ama. Ele não estava ameaçando-a. Estava apenas declarando um fato. A realidade brutal de sua nova vida. Lorena respirou fundo. O apartamento, antes um refúgio, agora parecia uma prisão dourada. Mas ela não seria uma prisioneira passiva. — Dante — ela disse, sua voz baixa e controlada. — Diga-me tudo. Eu quero saber cada detalhe dessa ‘guerra’. Cada inimigo. Cada plano. Se eu sou sua ‘aquisição estratégica’, então você vai me treinar para ser a melhor delas. Ele a observou por um instante, uma faísca de surpresa cintilando em seus olhos. — Você tem mais coragem do que imaginei, Lorena. — Ainda não viu nada, Dante. — Ela o desafiou, mesmo sentindo as pernas bambas. O jogo havia começado de verdade. E ela não seria apenas uma espectadora. — Agora, onde começamos?