As Sombras da Linagem

Dante estreitou os olhos, a admiração se transformando em algo próximo de um reconhecimento. A faísca de desafio nos olhos de Lorena não passou despercebida.

— Você está certa — ele disse, a voz mais suave do que antes, mas ainda carregada de autoridade. — Não há tempo para rodeios. Se você quer saber as regras do jogo, é hora de começar a descobrir.

Ele indicou o sofá de couro, e Lorena, ainda tensa, sentou-se na ponta, os olhos fixos nele. Dante, por sua vez, foi até o bar, serviu-se de um uísque e ofereceu a ela.

— Para os nervos — ele murmurou, estendendo-lhe o copo.

Lorena hesitou, mas aceitou. O líquido âmbar cintilou na penumbra.

— O Grupo Navarro — Dante começou, voltando a se sentar à sua frente, a pasta em seu colo —, não é apenas uma construtora. É um conglomerado com raízes profundas que remontam a séculos. Minha família, os Navarro, tem sido guardiã de um legado que muitos cobiçam.

Lorena sorveu um gole do uísque, o calor queimando sua garganta.

— Que legado? Que tipo de segredo poderia ser tão valioso a ponto de causar uma 'guerra'?

Dante pousou a pasta no centro da mesa de centro, abrindo-a para revelar pilhas de documentos e um tablet.

— Nossa linhagem possui um conhecimento único. Uma forma de tecnologia, se assim podemos chamar, que foi desenvolvida ao longo de gerações. É algo que pode revolucionar indústrias inteiras, desde energia até medicina. — Ele gesticulou para o tablet. — Imagens, esquemas, fórmulas. Tudo está aqui. E é por isso que somos um alvo.

— Tecnologia? — Lorena franziu o cenho. — Mas... meu pai sempre me falou de construções, investimentos imobiliários. Nada disso.

— Porque o que ele sabia era apenas a ponta do iceberg, Lorena — Dante explicou. — A família adotiva de seu pai era uma ramificação menor, encarregada de manter as aparências públicas do Grupo. O verdadeiro coração da Navarro sempre esteve oculto, protegido. E a dívida do seu pai foi apenas uma forma de testar sua lealdade e, de certa forma, prepará-lo para um papel maior, mesmo que ele não soubesse a extensão total.

— Então, meu pai era... um peão também? — A voz de Lorena carregava um misto de tristeza e raiva. — E eu sou a peça principal porque 'represento uma linha de sucessão'?

Dante assentiu, seus olhos cinzentos fixos nela.

— Exato. A linhagem Navarro é complexa. Há uma condição genética rara que se manifesta em alguns membros da família, conferindo uma aptidão inata para manipular e desenvolver essa tecnologia. É um traço recessivo, e nem todos os Navarro o possuem. A cada geração, a busca por um herdeiro com essa característica se torna mais crítica.

— E eu tenho essa... essa coisa? — Lorena sentiu um arrepio. — Por que eu? Eu sou apenas a filha de um empresário de construtora falido!

— Seu sangue, Lorena — Dante disse, a voz grave. — Sua mãe biológica era uma Navarro de uma linha direta. Uma linha que se acreditava extinta. Seu pai adotivo, ao casar-se com ela, inseriu-se na órbita da família principal. Eles o monitoraram. E quando descobriram sua existência, souberam que você poderia ser a chave para garantir a continuidade da linhagem.

Lorena estava atordoada. Sua vida inteira, uma farsa. Um plano elaborado antes mesmo de ela ter consciência.

— Então... meu casamento com você... é para produzir um herdeiro que possa ter essa 'condição genética rara'?

— Precisamente — Dante confirmou, sem rodeios. — Os inimigos da Navarro, por sua vez, são grupos rivais que buscam controlar essa tecnologia. Eles querem o conhecimento para seus próprios fins, e não hesitarão em usar de qualquer meio para obtê-lo. Eles acreditam que, sem um sucessor com o 'dom', a Navarro se tornará vulnerável. E é aí que você entra.

— A mulher que me ligou — Lorena ponderou. — Ela disse para eu fugir de você. Ela é uma dessas pessoas?

— Pode ser — Dante admitiu. — Ou pode ser alguém que pensa que está te ajudando, mas na verdade está te usando como isca. O objetivo deles é te tirar da minha proteção. Se você estivesse sozinha, seria um alvo fácil. A carta, a ligação, os homens lá embaixo... tudo faz parte de uma estratégia para desestabilizar nossa posição. Para quebrar nossa aliança antes mesmo que ela se solidifique.

— Então, meu pai está em perigo por minha causa? — A preocupação cortou o nó em sua garganta.

— Todos que você ama, Lorena — Dante afirmou. — Eles são implacáveis. Não veem limites. É por isso que o isolamento é necessário. Para mantê-los seguros, e para mantê-la viva.

Lorena apertou o copo de uísque.

— E você? O que você ganha com isso? Além da sobrevivência, claro.

Dante a encarou, e por um momento, ela viu um brilho de algo indescritível em seus olhos.

— Eu ganho o controle da Navarro. O direito de proteger o que é da minha família. E de impedir que essa tecnologia caia em mãos erradas. É um fardo que aceito, Lorena. Não por poder, mas por responsabilidade.

Ele pegou o tablet da pasta e o deslizou para ela.

— Este tablet contém informações cruciais sobre a organização, os inimigos e as medidas de segurança que estamos implementando. Há também um tutorial básico sobre a 'tecnologia' para que você comece a entender o que está em jogo. Não é um material fácil, mas você disse que queria aprender as regras. Este é o seu primeiro passo.

Lorena hesitou antes de pegar o tablet. A tela fria e o peso do aparelho em suas mãos pareciam simbolizar o peso da nova realidade.

— E os homens lá embaixo? Aqueles 'abutres', como eu os chamei?

— Eles são líderes de facções menores, mas influentes, dentro do universo de negócios que a Navarro domina. Estão testando os limites, procurando brechas. Querem ver se o casamento é uma fachada frágil, ou se é uma fortaleza. A cada dia que você permanece aqui, sob a minha proteção, e a cada sinal de que nosso acordo é sólido, a pressão deles diminui.

— Então, eu sou a 'mulher troféu' que eles precisam ver para se convencerem? — O sarcasmo em sua voz era evidente.

— Não — Dante respondeu, seu tom mais sério. — Você é a prova de que a linhagem Navarro tem um futuro. Que a Navarro não será extinta. E é por isso que eles estão desesperados para te eliminar ou te usar contra mim.

Lorena olhou para o tablet, depois para Dante. A ideia de ter um filho com ele, sob essas circunstâncias, era repulsiva. Mas a ameaça à sua família, à sua própria vida, era real. Ela respirou fundo, tentando afastar o pânico.

— Ok — ela disse, sua voz mais firme do que antes. — Entendi a situação. Entendi o porquê. Agora, preciso entender o como. Como vamos sobreviver a isso? Quais são os próximos passos? Eu não sou uma lutadora, Dante. Mas não sou uma vítima.

Um leve sorriso quase imperceptível tocou os lábios de Dante.

— Eu sei que não é. Você tem a coragem necessária. E inteligência. Vamos começar com este tablet. Ele é sua primeira ferramenta. Estude-o. Memorize as informações mais críticas. E amanhã, começaremos com algo mais prático.

Ele se levantou, caminhou até a janela e observou o panorama da cidade, agora pontilhado de luzes.

— Lorena, este não é um conto de fadas. Mas não é uma prisão se você não quiser que seja. É uma aliança. Para a sobrevivência. De ambos. E você terá que confiar em mim. Mesmo que não me entenda completamente agora.

Lorena segurou o tablet, sentindo o peso das informações que ele continha.

— Confiar em você? Você acabou de me dizer que sou um meio para um fim.

Dante se virou, a intensidade em seus olhos retornando.

— E você, Lorena, é um fim para a minha existência. Se eu falhar, você cairá comigo. Nosso destino está interligado. E por mais que isso pareça frio, é a mais pura verdade. O que você escolhe? Ser uma peça que se move aleatoriamente no tabuleiro, ou aprender a jogar e virar o jogo a nosso favor?

Ela pensou nas palavras de sua madrasta: "Ele não espera mais do que isso. E, sinceramente, você não tem mais nada a oferecer." A raiva a impulsionou. Ela tinha muito a oferecer. E não seria subestimada.

— Eu escolho aprender a jogar — Lorena declarou, seu queixo erguido. — E vou virar esse jogo. Mas você precisa ser transparente. Sem meias verdades. Sem segredos. Se sou sua 'aquisição estratégica', então você terá que me capacitar para ser a melhor.

Dante a observou por um longo momento, e o canto de seu lábio se ergueu novamente, desta vez, com um toque de aprovação.

— Começamos amanhã, então, Lorena. O treinamento será intenso. Você está pronta?

Lorena olhou para a rosa branca na cama, um símbolo de pureza e inocência que parecia tão distante agora. O uísque aquecia seu corpo, e uma nova onda de determinação a invadiu.

— Estou mais do que pronta, Dante. Me mostre o caminho.

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