Sim, Lorena iria descobrir. Mais cedo ou mais tarde. E quando isso acontecesse, ele teria que escolher. Não entre o amor e o trabalho, como dizem nos romances — isso era superficial demais. A escolha seria entre continuar mentindo... ou se despir de vez da frieza que o protegia.
Mas havia um problema: Leonardo não sabia mais quem era sem essa armadura. E talvez, só talvez, Lorena fosse a única capaz de mostrar isso a ele. O som suave da chuva no vidro da janela parecia tentar acalmar os pensamentos tumultuados de Leonardo. Ele estava ali, sentado à mesa, com as mãos repousadas sobre o café que já esfriava, os olhos fixos em um ponto qualquer, tentando juntar os pedaços dispersos de sua vida. Cada respiração parecia pesada, como se o peso de uma escolha iminente se tornasse mais insuportável a cada segundo. O telefone vibrou sobre a mesa, quebrando o silêncio que o envolvia. Era uma mensagem de Lorena. Ela simplesmente escreveu: "Eu preciso falar com você." Leonardo sentiu uma onda de nervosismo crescer em seu peito. Não precisava de mais nada. Sabia exatamente o que aquilo significava. Ela sabia. E ele também sabia que não havia como fugir dessa verdade. Lentamente, ele pegou o celular, apagando a tela com um gesto cansado. Ele não estava pronto para o que viria, mas era tarde demais para voltar atrás. Levantou-se da cadeira e, sem um plano claro, saiu do apartamento, indo em direção ao lugar onde as palavras não ditas precisavam ser finalmente confrontadas. Na cafeteria onde se encontrariam, Lorena já estava lá, sentada em uma mesa no canto, olhando fixamente para o café que havia pedido. Seus olhos não estavam na bebida, mas no vazio que se formava entre ela e o homem que sempre a havia evitado de tantas maneiras. Quando Leonardo entrou, Lorena levantou o olhar e, por um breve momento, seus olhos se encontraram, como se o tempo tivesse se suspendido, mas logo ela voltou a desviar. Um sorriso forçado apareceu nos lábios dela, mas ele percebeu que não era o sorriso habitual. Havia um peso nas suas feições que ele não sabia como decifrar. — Eu sabia que viria — Lorena disse com a voz suave, mas tensa. Leonardo sentou-se, sentindo o desconforto tomar conta de seu corpo. Ele não sabia como iniciar. Como começar a desatar os nós que ele mesmo havia dado, com tanto cuidado, durante tanto tempo? — Lorena... — ele começou, mas foi interrompido. — Não precisa dizer nada. Eu... já sei — ela falou, agora sem olhar diretamente para ele. A voz dela estava mais firme do que ele esperava. — Você não me enganou, Leonardo. Eu vi a verdade em seus olhos antes mesmo de entender o que estava acontecendo. Aquelas palavras caíram como pedras sobre ele. Não porque ele estivesse surpreso, mas porque, de algum modo, ele desejava que ela não soubesse. Que ela permanecesse naquela bolha de ilusão que ele havia cuidadosamente criado. — Eu nunca quis te machucar, Lorena — ele respondeu, sentindo uma ponta de frustração na voz. Ela olhou para ele, agora com uma intensidade que o fez se encolher um pouco na cadeira. — Mas foi o que você fez. Não é? — Ela inclinou-se ligeiramente à frente, a mão segurando o café com mais força do que o necessário. — Você mentiu o tempo inteiro. Não foi só sobre o trabalho ou o que você fez ou deixou de fazer. Foi sobre quem você é. Ou quem você acha que é. E agora... agora você está perdido, não é? Leonardo tentou responder, mas as palavras pareciam engasgar. Ele queria sair daquela situação. Queria retomar o controle, mas o que ele mais temia estava ali, exposto: a verdade. Uma verdade que ele nunca soubera como encarar. — Lorena, eu... — ele parou, tomando fôlego. — Eu vivi assim porque era mais fácil. Não sabia como ser outra coisa. Não sabia como ser quem você merecia que eu fosse. Isso... isso me assustava. E você... você foi a única que chegou tão perto de tudo o que eu estava tentando esconder. Ela olhou para ele, os olhos suavemente apertados, não mais de raiva, mas de uma compreensão profunda que o desconcertou ainda mais. — Não foi o medo do que você poderia ser, Leonardo — ela disse, sua voz suave, mas carregada de significado. — Foi o medo de descobrir que a sua armadura não estava te protegendo de nada. Ela estava te aprisionando. E você estava preso nela, sem saber como se libertar. Ele fechou os olhos por um momento, como se estivesse buscando o caminho de volta para uma versão de si mesmo que havia perdido faz tempo. Cada palavra de Lorena era como uma chave, e cada chave parecia abrir uma nova porta de arrependimento, de dor, mas também de esperança. — Eu não sei como agir agora, Lorena. Eu... — Ele suspirou. — Eu não sei quem sou sem a minha armadura. E a ideia de perder isso... me faz querer voltar ao passado, onde tudo parecia mais simples. Lorena olhou para ele, e agora não havia mais ressentimento em seus olhos. Havia algo mais profundo, algo que ele não soubera reconhecer até aquele momento. — Não se trata do passado, Leonardo. Não se trata de ser quem você foi ou quem você acha que deve ser. Se trata de se permitir ser quem você realmente é. E você não precisa fazer isso sozinho. Ele a olhou, surpreso com a calma dela. Como ela podia falar assim, como se entendesse tudo o que ele estava sentindo? — Eu não posso te dar o que você espera de mim, Lorena. Eu não sei como ser a pessoa que você precisa — ele disse, quase sem querer. A frustração era evidente em sua voz, mas também havia algo mais, algo mais vulnerável. Lorena sorriu, e dessa vez o sorriso não era forçado. Era genuíno, acolhedor. — Você não precisa ser nada além do que é, Leonardo. A escolha que você tem é simples. Você pode continuar se escondendo atrás da sua armadura... ou pode se libertar. Eu não estou pedindo para você ser perfeito. Só estou pedindo que você seja real. Leonardo sentiu uma leveza que nunca imaginara sentir. Como se, ao dizer essas palavras, Lorena tivesse quebrado o feitiço que o mantinha prisioneiro da sua própria mentira. — E se eu não souber como? — ele perguntou, com a voz baixa, quase sem esperança. Lorena tocou sua mão suavemente, um gesto simples, mas que carregava uma intensidade que ele não sabia como interpretar. — Então eu estarei aqui. Juntos, talvez possamos descobrir. O que importa é o que você escolhe fazer agora. Silêncio. A chuva continuava lá fora, mas dentro deles algo se acendia. Uma possibilidade. Uma escolha. E talvez, só talvez, fosse exatamente isso que ele precisasse: não mais a proteção de uma armadura, mas a coragem de ser vulnerável, de ser verdadeiro, sem medo de ser quem ele realmente era. Leonardo ainda estava em silêncio, processando as palavras de Lorena. Algo em seu interior estava se movendo, mas ele não conseguia dizer exatamente o que era. Um turbilhão de emoções misturadas — medo, alívio, incerteza — tudo parecia girar ao seu redor, desafiando-o a tomar uma decisão. Ele sentiu o peso das últimas semanas, meses talvez, de se esconder atrás de um papel que ele não sabia mais se conseguia interpretar. Lorena permaneceu em silêncio também, como se aguardasse que ele encontrasse a coragem para falar. O olhar dela estava calmo, mas penetrante, como se já soubesse mais sobre ele do que ele mesmo. — Eu nunca entendi você de verdade, Lorena. Disse ele, finalmente quebrando o silêncio. Sua voz estava mais suave, mais introspectiva. — Sempre achei que sabia, mas sempre tive medo de me aprofundar. E tinha medo do que eu poderia encontrar, ou do que você poderia ver em mim. Ela não desviou o olhar. Ao contrário, seu olhar se tornou ainda mais firme. — Eu não queria que você me entendesse de uma forma superficial, Leonardo. Não me importava com a sua armadura, nem com as suas mentiras. O que eu queria era que você fosse capaz de se ver. Que você olhasse para dentro de si e encontrasse algo real. Algo que não fosse uma construção de proteção ou de defesa. Porque, no final, o que você me mostrou... era um reflexo de você mesmo, mas não o verdadeiro. Ele engoliu em seco, sentindo como se fosse desmascarado em cada palavra que ela dizia. As defesas que ele havia erguido por tanto tempo pareciam desmoronar, peça por peça, e ele não sabia se estava preparado para isso.