O vestido não era branco. Era nude, frio, sem vida. Como o olhar dele.
Lorena estava parada diante do espelho antigo do salão, enquanto o mundo lá fora parecia girar em câmera lenta. Seu reflexo mostrava uma mulher que ela mal reconhecia: lábios pintados demais, olhos que escondiam lágrimas secas e um corpo vestido para agradar aos outros — não a si mesma. — Está na hora — disse a governanta, com a voz baixa, quase solidária. Quase. Lorena respirou fundo, como quem mergulha antes de afundar. Cada passo que dava em direção à porta era uma renúncia. Aos sonhos. A qualquer possibilidade de amor que ela já tivesse imaginado. E tudo por causa de uma dívida. Seu pai adotivo, dono de uma das maiores redes de construção civil do país, tinha vendido parte da alma da empresa para manter as aparências. E quando as paredes começaram a ruir, a solução veio com um preço alto: o casamento com o homem que podia salvar tudo. Dante Navarro. CEO do Grupo Navarro, um império construído à base de decisões calculadas, contratos impecáveis e promessas quebradas. Um homem que sorria com os olhos, mas só quando estava vencendo. E que agora, por alguma razão que ela ainda não entendia, queria uma esposa de fachada. — Você só precisa sorrir. Ele não espera mais que isso — dissera sua madrasta, horas antes, como se o casamento fosse uma apresentação teatral. Lorena entrou na sala de cerimônia com os olhos fixos à frente. Dante estava lá, parado, elegante demais com seu terno cinza-chumbo. Alto, imponente, com um olhar de aço que parecia atravessar o corpo dela como uma lâmina. Não havia emoção em seu rosto. Nem um leve levantar de sobrancelha. Nada. Eles trocaram votos em silêncio. Apenas o padre falava. E o mundo parecia congelado no tempo. Quando ele deslizou o anel em seu dedo, Lorena percebeu o quanto a aliança era pesada. Como se simbolizasse não a união, mas uma troca de favores. A recepção foi rápida, discreta, calculada. — Vamos sair pelos fundos — Dante disse, ao seu ouvido, logo após cumprimentar os últimos convidados. Sua voz era grave, firme, sem espaço para discussão. No carro, o silêncio entre eles era ensurdecedor. Lorena observava a cidade pela janela como quem vê o mundo pela última vez. Já ele, mexia no celular, resolvendo algo que parecia mais importante do que a presença dela. Só quando o carro estacionou na frente de um prédio luxuoso, ela percebeu que não voltaria para casa. Nunca mais. — Este é seu novo endereço — ele disse, abrindo a porta do carro para ela. — Não vamos... para a lua de mel? — arriscou perguntar, sabendo o quão ridícula parecia a pergunta. — Isso não faz parte do acordo, Lorena. Eu tenho uma viagem de negócios amanhã cedo. Você ficará aqui com tudo de que precisa. Funcionários, segurança, cartões. A assessoria vai te orientar. — Então é isso? Um acordo? Como se eu fosse uma aquisição? Ele a olhou pela primeira vez naquela noite com algo parecido com um sorriso nos lábios. Mas era cínico. Ferino. — Isso é exatamente o que você é. Uma aquisição estratégica. As palavras dele doeram mais do que ela esperava. Talvez porque, lá no fundo, uma parte dela ainda quisesse acreditar que poderia haver algo além. Que um homem tão poderoso talvez escondesse alguma fagulha de humanidade. Lorena entrou no apartamento com passos pesados. O lugar era lindo, moderno, frio como ele. Tudo em tons neutros, como se sentimentos fossem proibidos ali dentro. No quarto, havia uma única rosa branca sobre a cama. Sem cartão. Ela riu, amarga. As horas seguintes foram um borrão. Tirar o vestido, lavar o rosto, trancar a porta. Chorar em silêncio. Lembrar das promessas que ninguém fez. E, por fim, adormecer abraçada a um travesseiro que não cheirava a nada. Na manhã seguinte, acordou com a campainha. Vestiu o robe correndo, imaginando que fosse alguém da assessoria. Mas quando abriu a porta, um envelope preto escorregou por debaixo da madeira. Não havia ninguém no corredor. Lorena pegou o envelope com cuidado. Era simples, sem remetente. Dentro, apenas uma folha com letras recortadas de revista: *Você não o conhece. Mas ele sabe tudo sobre você. Cuidado com Dante Navarro." O sangue dela gelou. — Na mesma hora, o celular vibrou. Era uma mensagem. Dante Navarro: Não saia de casa hoje. Por sua segurança. Lorena sentiu a pele arrepiar. Como ele sabia? E, mais importante... De quem ela precisava se proteger? O Jogo Começa A carta ainda tremia em suas mãos, como se estivesse viva, tentando contar-lhe algo que ela não sabia, algo que estava fora do alcance da razão. Lorena olhou para o celular, com a mensagem de Dante ainda aberta na tela. A ordem era clara: "Não saia de casa hoje. Por sua segurança." Ela respirou fundo, tentando manter a calma, mas as palavras ecoavam em sua mente. Por sua segurança. Quem estava atrás dela? O que Dante não havia lhe contado? Tudo parecia uma intrincada teia de mentiras e jogos. Com os dedos trêmulos, ela ligou o celular para tentar descobrir mais. Mas antes que pudesse verificar alguma coisa, o som da porta se abrindo a fez pular de susto. Ela se virou rapidamente, esperando ver o rosto impassível de Dante. Mas quem apareceu no corredor foi o segurança que ele tinha designado para vigiá-la. Um homem robusto, com cara de poucos amigos e expressão fechada. — Preciso que você me siga — ele disse, em tom autoritário. Lorena tentou esconder o pânico. Tudo parecia estar fugindo de seu controle. — O que está acontecendo? — perguntou, com a voz mais firme do que se sentia. — O senhor Navarro pediu para que eu acompanhasse você até o andar inferior. É uma medida de segurança, senhora. Ela queria perguntar por que, mas sabia que ele não daria explicações. Obedecer ou ser forçada a enfrentar ainda mais mistérios: essa parecia ser sua única opção. O elevador desceu lentamente, o som das cabines ecoando em sua mente. O segurança não falava, apenas a observava com uma expressão inexpressiva. O que ele sabia que ela não sabia? E por que tudo isso parecia tão calculado? Quando as portas se abriram, Lorena foi levada para uma área distinta do prédio, uma espécie de sala de conferências de vidro. O que mais a surpreendeu foi o número de pessoas presentes. E não eram funcionários de Dante. Eles tinham rostos estranhos, sérios, e todos pareciam estar esperando por ela. Um homem se levantou à sua frente. Alto, de terno preto, cabelo bem aparado e óculos escuros. Ele tinha algo de sinistro, como se estivesse ali para impor sua vontade e observar, sem se preocupar em esconder. — Senhora Andrade — ele disse, com uma leve reverência. Sua voz soava como se tivesse lido o script de um filme de espionagem. — Estamos aqui para... esclarecer alguns pontos. Lorena sentiu o medo invadir sua garganta, mas tentou se controlar. Nada parecia real. Nada fazia sentido. — O que querem de mim? — perguntou, finalmente. — A pergunta não é o que queremos de você, mas o que você ainda não sabe. O senhor Navarro foi claro em sua estratégia. Você se casou com ele por um motivo específico. Mas o que está por trás dessa decisão é bem mais complexo. Ela não entendia. Dante tinha sido claro. Tudo o que ela precisava fazer era ser a esposa, estar ao lado dele e manter a imagem de um casamento perfeito. Ele nunca falou sobre qualquer coisa além disso. Mas agora... — Então, vocês sabiam... sabiam que eu estava sendo observada? — ela balbuciou, a angústia crescendo. O homem de terno preto olhou para ela com um sorriso enigmático. — Não é sobre o que você sabe. É sobre o que você está prestes a descobrir. E antes que ela pudesse processar as palavras dele, a sala foi tomada por uma tensão palpável. Todos os olhos estavam fixos nela, aguardando sua reação. Lorena foi levada de volta ao apartamento, ainda em choque, sem entender a conversa que tivera. Ela estava dentro de um jogo, mas não sabia as regras. Dante, que até então parecia ser o maior enigma de sua vida, agora se tornava uma peça de um tabuleiro ainda maior. Quando entrou no apartamento, o som do celular vibrou novamente. Ela o pegou com rapidez, sentindo uma necessidade urgente de se conectar com a realidade. Mas não era uma mensagem de Dante. Era uma ligação perdida. E a identificação da chamada fazia seu coração disparar: “Desconhecido”. Lorena hesitou, mas a necessidade de respostas era maior. Quando tocou na tela, uma voz feminina a acolheu do outro lado. — Lorena... você não pode confiar em Dante. Ele está te colocando em perigo. E você precisa sair agora. O sangue de Lorena gelou. Ela se sentiu desconectada do mundo, como se fosse uma marionete sendo puxada por fios invisíveis. Quem era aquela mulher? Como ela sabia tanto sobre sua vida? — Quem está falando? — perguntou, mas a voz no outro lado apenas riu. — O que você descobrirá em breve mudará tudo. A pergunta é: você está pronta para enfrentar a verdade? Ou vai continuar com o conto de fadas que ele te contou? A ligação caiu antes que ela pudesse responder. Com a mente a mil e o coração acelerado, Lorena foi até a janela do apartamento e olhou para a cidade iluminada. Sentia-se presa, como se estivesse cercada por sombras que a vigiavam a cada passo. Mas havia algo dentro dela que não podia ignorar. Algo que a estava empurrando a ir além, a buscar a verdade. Ela se virou, decidida. O jogo havia começado. Lorena deu os primeiros passos em direção à porta. Mas antes que pudesse abri-la, o som de um carro parando em frente ao prédio a fez congelar. Ela correu até a janela e olhou para baixo. Dante estava ali. Ele desceu do carro com um olhar sombrio, seus olhos fixos no prédio, como se estivesse esperando por algo. Ou alguém. Lorena engoliu seco. O que ele queria? Por que ela tinha a sensação de que estava prestes a ser engolida por uma tempestade que não poderia controlar?