A noite estava sufocante, mesmo com o ar-condicionado do salão de festas funcionando a todo vapor. Vestidos longos, joias reluzentes e sorrisos falsos se espalhavam pelo ambiente como perfume barato disfarçando podridão. Eu me sentia deslocada, mesmo com a maquiagem impecável e o vestido preto justo que minha mãe insistiu para que eu usasse. O leilão beneficente era organizado por um dos maiores nomes da cidade — um evento onde empresários lavavam reputações e políticos se faziam de santos. E, aparentemente, também era onde a máfia mostrava os dentes usando terno e gravata. — Mantenha a postura — minha mãe sussurrou entre os dentes, sorrindo para uma socialite do outro lado do salão. — Você está sendo observada. Eu já sabia disso. Desde que cheguei, senti o olhar dele. Um homem alto, de presença imponente, terno cinza escuro sob medida e um sorriso que não tocava os olhos. Ele me estudava como se eu fosse mais uma peça valiosa a ser leiloada naquela noite. Dante estava a poucos
O prédio da OAB estava lotado. Gente por todos os lados, nervos à flor da pele, canetas estalando entre dedos trêmulos, suspiros profundos. Eu respirei fundo antes de entrar na sala, a mão repousando instintivamente sobre minha barriga, ainda discreta, mas cada dia mais real. Era o nosso bebê. Meu e do Dante.Apesar do nervosismo natural da prova, meu coração estava em paz. Não tinha recebido mais nenhuma ameaça desde a carta. Dante estava mais presente do que nunca. Queria que eu me mudasse com ele, dizia que queria nossa família segura. E por mais que eu ainda estivesse tentando conciliar minha antiga vida com a nova, já não conseguia me imaginar sem ele.A prova foi cansativa, mas fluiu. Respondi questão por questão com precisão. Quando finalmente entreguei a folha e deixei a sala, senti o alívio escorrer pelos ombros como água morna. Era o fim de uma etapa.Saí do prédio e segui pela calçada, procurando meu celular na bolsa. Foi quando senti uma sombra se aproximar rápido demais.
POV: DanteEla disse que me ligaria depois da prova.Era o combinado. Eu até brinquei que queria ser o primeiro a ouvir ela gritar “fui muito bem”. Mas o tempo passou, e nada.Primeiro foi uma hora. Depois duas. Mandei mensagem. Esperei. Liguei. Caixa postal direto.A inquietação começou como um nó no estômago, apertando aos poucos, até virar uma dor afiada no peito. Helena não era do tipo que sumia. Ainda mais agora, com um bebê crescendo dentro dela.Saí da boate sem dizer nada a ninguém, direto pro carro. Liguei o motor com força e dirigi até a faculdade de Direito. O estacionamento estava quase vazio quando estacionei. Desci do carro como um animal em alerta, olhando em todas as direções.Foi quando vi uma moça recolhendo folhetos na entrada.— Com licença — chamei, a voz mais áspera do que queria. — Você viu uma loira, magra, de olhos claros, saindo da prova hoje? Helena Damasceno?Ela me olhou, hesitante.— A maioria saiu por volta das três… Por quê? Aconteceu alguma coisa?— To
HelenaO cativeiro tinha cheiro de mofo, e a luz fluorescente piscando no teto fazia o tempo parecer em câmera lenta. As cordas machucavam meus pulsos e o pano sujo em volta da boca impedia qualquer grito mais forte. A barriga começava a pesar. Não fisicamente. Psicologicamente.Eu estava com medo. Por mim. Pelo bebê.Mel caminhava de um lado pro outro, os saltos estalando no chão como chicotes. Ela murmurava palavras desconexas. Falava de amor, de destino, de como Dante e ela estavam ligados por algo que eu jamais entenderia.— Você não faz ideia do que é amar alguém tanto a ponto de destruir tudo — ela disse, ajoelhando-se na minha frente. — Eu tentei ser boazinha. Mas você apareceu e estragou tudo. Agora… agora ele vai ver.Arthur estava atrás dela, nervoso. Suado. O revólver trêmulo nas mãos.— Isso tá indo longe demais, Mel. Não era pra ser assim. Só queríamos que ela fosse embora. Só… só pra ela sumir da vida dele, entende?— Cala a boca, Arthur! — ela gritou. — Você queria ela!
POV: DanteO cheiro de sangue era algo que eu aprendi a ignorar ao longo dos anos. Mas o dela… o dela me dilacerava.Helena estava deitada na maca, pálida, frágil, com tubos saindo do nariz e agulhas cravadas nas veias como se estivessem tentando costurar a vida de volta nela. A bala tinha atingido seu abdômen, perto demais do bebê. Quase demais.Meu peito doía de um jeito que eu não sabia que era possível. Não de um jeito físico. Era como se meu coração tivesse sido arrancado e jogado ao chão, batendo contra o mármore frio da realidade.Arthur estava morto. E eu não me arrependia.Mel tinha fugido — a vadia covarde. Mas isso era problema pra depois. Agora, tudo que importava era ela.Helena.A mulher que eu deveria ter protegido desde o primeiro segundo. Que eu deveria ter tirado daquele inferno muito antes de tudo dar errado. Agora, ela lutava pra sobreviver… e era por minha causa.Eu afastei os médicos quando tentei entrar na sala de cirurgia, mas Léo me segurou pelos ombros. Pela
POV: HelenaA claridade branca do hospital queimava meus olhos, mas era um alívio saber que ainda podia senti-la. Minha barriga doía, e um peso morno repousava sobre ela — o curativo, talvez. Estava viva. Meu bebê também.Mas a lembrança do tiro, do desespero, do rosto do Dante gritando meu nome… aquilo ainda me atravessava como uma lâmina.Ouvi passos. Respiração contida. Meu coração acelerou.— Helena?A voz dele. Rouca, ferida, quebrada. Mas inconfundível.Abri os olhos devagar, e lá estava ele. Dante. Com os olhos marejados, o maxilar travado e as mãos cerradas como se estivesse segurando o próprio mundo para não desmoronar. Ele parecia cansado, sujo de sangue seco — o meu? — e com uma sombra de culpa cobrindo seu rosto.— Você voltou — sussurrei, a voz fraca.Ele se aproximou da cama, sentando ao meu lado com cuidado. Seus dedos tocaram os meus, com uma delicadeza que me desmontou.— Eu nunca fui embora, Helena. Eu… — ele respirou fundo — eu achei que te perderia. E isso me destr
Cinco dias haviam se passado desde que Dante me tirou daquele cativeiro. Desde que eu quase morri com uma bala atravessando meu corpo. Desde que ele disse que me amava, pela primeira vez, com a voz embargada e os olhos molhados. Desde que ele me levou pra casa dele — agora, nossa casa.Dessa vez, eu não estava apenas de visita. Não era mais a garota que se perdia no mundo perigoso de Dante por impulso. Eu fazia parte dele. Da vida dele. E carregava, dentro de mim, o nosso filho.O carro me deixou na porta da mansão. A fachada imponente não me intimidava mais. Era como se tudo ao redor tivesse sido transformado com o tempo. Talvez por ele. Talvez por nós dois. Respirei fundo antes de girar a maçaneta.Assim que entrei, fui recebida por uma mulher mais velha, de uniforme branco impecável, que sorriu gentilmente.— Bem-vinda, senhorita Helena. O senhor Dante nos avisou da sua chegada.— Só… Helena, por favor. E obrigada — respondi, sorrindo de volta.Mais dois funcionários vieram me ajud
POV: HelenaEu estava sentada à mesa, observando as velas dançando na luz suave do jantar. Salvatore Bellini, sempre imponente e seguro, estava à minha frente, como se estivesse me analisando. Sua casa, grande e luxuosa, exalava riqueza, mas também uma certa frieza. Ele não era como Dante, que, apesar de sua dureza, tinha algo de calor humano escondido sob aquela fachada. Salvatore, ao contrário, sempre parecia distante, quase calculista.A conversa estava fluindo lentamente, e eu tentava me manter concentrada nas palavras que ele dizia.— Helena, — ele começou, depois de dar um gole de vinho tinto — sei que você tem um futuro brilhante pela frente, mas há algo que eu quero te oferecer.Pisquei, desconcertada. Eu não esperava uma proposta tão direta.— O que quer dizer? — perguntei, tentando disfarçar o nervosismo.Salvatore sorriu de forma sutil.— Como advogada da nossa família. Não nos envolvemos só com os negócios escusos, Helena. Temos algumas operações legais, muito lucrativas,