Angelina da Costa
O dia mal tinha clareado e eu já estava de pé.
A cozinha exalava cheiro de alho dourando na panela.
O arroz no fogo, o frango temperado na véspera, o feijão de ontem esquentando devagar. Era o meu jeito de calar os pensamentos, ocupando as mãos, preenchendo o silêncio da casa, fingindo que a cabeça não estava fervendo desde a ligação com Saulo na madrugada.
Mas estava.
Eu não dormi direito. E pior, acordei decidida. Mais do que nunca, eu queria que Raul soubesse que os limites agora eram reais.
Quando ouvi os passos dele descendo a escada do prédio, fui até a porta com as chaves na mão. Já estava arrumada, de cabelo preso, rosto lavado e uma coragem que eu ainda não tinha.
Abri a porta antes mesmo que ele se aproximasse.
- Bom dia! - falei, firme, quase fria.
Raul vinha distraído, descendo com pressa, como sempre. Parou no meio do caminho e me encarou.
Os olhos dele já traziam aquele velho julgamento, como se sempre soubesse o que eu estava pensando.
- Bom dia... a