Mundo ficciónIniciar sesiónDARINA, 12 ANOS.
A vida me puxa pra dentro, como uma correnteza. Eu tento, juro que tento, mas sempre sou arrastada de volta. Tem dias que parece que o mundo tá desabando sobre mim, e eu fico ali, no meio da sujeira, tentando entender. O que está acontecendo? Por que tudo é tão difícil? A minha mãe sempre diz que “a vida é dura, mas é nossa”. Ela diz isso com aquela cara cansada, os olhos sem brilho, como se as palavras saíssem de dentro dela sem querer, como se nem ela acreditasse nelas mais. Eu, com meus doze anos, não tenho muita coisa pra comparar. Só sei que as coisas são ruins. E eu me pergunto, sempre me pergunto, por que não posso ser uma criança normal? Por que não posso correr na rua sem medo de bomba estourando? Por que a casa da gente é sempre cheia de furo e não tem comida suficiente, enquanto outras crianças têm brinquedo, têm casa bonita, têm tudo? Eu olhei pro céu outro dia, com aquela fumaça que nunca sai de cima da cidade. O céu tava tão cinza, o sol quase não aparecia. Aí pensei: Se Deus fez esse mundo, eu não queria ser Ele. Eu não queria ser o ser que olha tudo isso e fica calado. Eu não queria ser o ser que vê a gente sofrendo e não faz nada. Eu não queria ter o poder de criar o mundo, porque, se fosse eu, com certeza, ele não seria assim. Ele não seria tão cheio de dor. Eu sei que minha mãe vai me dizer que Deus está em tudo, que Ele ajuda quem sofre, que Ele é bom. Mas eu não sei mais se eu acredito nisso. Como pode ser bom alguém que vê tanta gente morrendo e não faz nada? Eu olho pra minha mãe e vejo a tristeza nela. Ela sempre diz que é por nós que ela luta, mas, no fundo, eu sei que ela já não tem forças. A guerra tá aí, todo dia, e as ruas são apenas um reflexo disso. Eu sei que ela tem medo. E eu tenho também. Quando a bomba explode, eu corro, mas não sei pra onde. Quando a noite chega, não dá pra dormir. A cidade é uma sombra que nunca me deixa. Eu fico com a sensação de que nada vai mudar, que não importa o quanto a gente queira, o quanto a gente sofra. Eu vejo o quanto minha mãe sofre, o quanto ela perde a esperança. Eu entendo agora que, quando as coisas se tornam ruins demais, até a gente desiste de acreditar. Eu vejo ela olhando pro chão, com os olhos vazios, como se já tivesse se acostumado com isso tudo. E eu, com os meus doze anos, tento ser forte. Tento ser o pilar, mesmo sem saber como. Tento olhar pra ela e não mostrar o medo, mas o medo tá lá. O medo de perder tudo. O medo de não ter mais ninguém. O medo de continuar nesse mundo que parece ter sido feito só pra machucar. Eu tento entender o que é esse Deus que todo mundo fala. Será que Ele se importa com a gente? Será que Ele olha pros nossos olhos e sente algo? Porque, se eu fosse Ele, eu não queria ver tanto sofrimento. Eu não queria ser esse Deus. Meu coração, com certeza, teria partido muitas vezes. (...) Quando conheci Eliyahu, foi como se em meio a tempestade, as nuvens escuras tivessem sido afastadas, pelo sol. Como se a cada momento por, a cidade ganhasse, cores, sons e vibrações. Antes de o conhecer, eu não tinha motivos para sorrir ou ser feliz. Mas, desde o momento que eu conheci, era como se ele disse. "Seja apenas criança, Darina." Minha mãe sempre me perguntava, o que eu tanto fazia na casa dele. — Jogo, cartas, damas, xadrez, janto, estudo e depois durmo. No início ela ficou raciosa, mas estranhamente não disse que eu não devia encontrá-lo. Como se ela o conhecesse. Depois de um tempinho, ela baixou a guarda, e começou a ficar mais relaxada por eu ficar na casa dele. Com o Mike, o Zack, o Luke e o Patrick. Então depois pude voltar a escola. E é como se a minha vida, estivesse a começar a ser perfeita. Como se finalmente minha vida, voltasse a estar nos trilhos. Eu podia ignorar o facto da minha mãe ser prostituta, podia ignorar o facto de que minha irmã apareceu com uma criança de 5 anos. Isto era um facto isolado, enquanto eu podia ir ao apartamento de Eliyahu. Estava tudo bem. Está tudo tão perfeito, que eu comecei a sentir-me verdadeiramente feliz. A existência de Deus ou não, tornou-se irrelevante, diante de todas as emoções que eu vinha sentindo. Estava tudo realmente bem. Eu estava me abrindo ao mundo. Consegues enxergar melhor, isto até o dia que Eliyahu disse que estava indo embora e nunca mais ia voltar. Eu senti como se o tapete estivesse sendo arrancado de mim, senti como se o chão estivesse se abrindo e o abismo estivesse me engolindo. Chorei agarrada às suas roupas, eu queria que ele sentisse o desespero dentro de mim. Queria que ele não fosse embora. Queria que não me abandonasse. Que não me deixasse sozinha. Ele me deu o mundo e agora estava tirando-o de mim, da mesma fora que me deu. — O que acontece para você voltar para casa cedo?— são 14h, eu saiu da escola às 12h e normalmente fico na casa de Eliyahu até a meia noite e só depois volto para casa.— Darina, porque esra chorando? — Mãe, ele foi embora.— corri para abraçar.— Ele disse que nunca mais vai voltar. Ele foi embora mãe. — Oh... minha pequenina. Eu sinto muito. — Eu não queria que ele fosse embora. Essa era a primeira vez que eu chorava na minha mãe, por algo que me doía. O facto dele estar indo embora, dói tanto em mim, que não consigo esconder debaixo de uma imagem estóica. — Darina, eu não te contei antes porque não achava que seria relevante, não pensei que ia se apegar tanto a ele. Ou que ele mesmo te contar. Mas, aquele homem é filho do parkan, da Bratva. Ele não é um homem qualquer, se ele veio para cá, ele veio porque tinha um objectivo, recuperar a cidade. E agora que sua missão foi cumprida ele está indo embora. Ele ter gostado de você, foi uma um intervalo no meio do percurso. Aquele homem está em um universo completamente diferente do meu. — Eu não quero que seja assim!— disse chorando. Mas dentro de mim, eu já estava me conformado. Eu não tenho nada, e enquanto não tiver nada. Nada vai doer. Tudo vai passar.






