Henrique estava no tapete da sala, sem camisa, terminando a última série de flexões. O suor escorria-lhe pela têmpora, e o peito arfava em ritmo controlado. Ele não fazia questão de academias luxuosas, não tinha estabilidade para manter uma rotina assim, pois mudava de cidade constantemente. Seu corpo definido era resultado de disciplina e de um certo orgulho pessoal em manter a aparência perfeita. Aparência era, afinal, a principal ferramenta de seu "trabalho".
Quando se ergueu e passou a toalha no rosto, olhou ao redor do pequeno apartamento de aluguel. Não tinha muito além de um sofá gasto, uma televisão grande que havia conseguido em um golpe anterior, e uma mesa onde repousava uma garrafa de uísque caro.
Sorriu sozinho, satisfeito.
A lembrança da noite anterior ainda estava fresca. A mulher do bar era elegante, bonita e cheirava a dinheiro (Na verdade cheirava a dior, mas isso é o que ele chamava de cheirar a dinheiro). Sua aparência era totalmente o tipo de Henrique, alta, cabelo preto longo, corpo escultural, olhos verdes e umas pernas que hipnotizariam qualquer um. Era raro cruzar com uma dessas. A maioria das vezes, seus alvos eram turistas ou mulheres mais velhas e vulneráveis em busca de companhia. Mas aquela… ah, aquela havia sido um verdadeiro presente. A maneira como o beijara ainda lhe provocava arrepios. Até se sentia um pouco arrependido por não ter saido só depois de desfrutar do corpo dela, mas não tinha certeza se ela passaria a noite, teve a impressão de que era ocupada e sairia logo depois de transar com ele.
Henrique não se enganava, parte da sua excitação vinha do risco. Quanto mais inteligente a vítima, maior o prazer de vencê-la no jogo. Poucos minutos depois de conversar com Isadora, chegou a conclusão de que era o alvo mais esperto que cruzou seu caminho. Ainda assim... ele saiu vencedor.
Enquanto tomava banho, deixou a água fria escorrer pelos ombros e pensou no que faria com o resto do dia. Podia sair para "trabalhar" novamente, rondar alguns bares, observar e escolher outro alvo. Mas o golpe da noite anterior havia sido generoso. A mulher tinha uns bons dólares na carteira, além de um cartão de crédito que ele não ousaria usar por tempo demais, mas que ainda podia render alguma coisa. E o celular… o celular fora vendido naquela mesma manhã a um receptador que pagava em dinheiro vivo. Um lucro rápido e limpo.
— Hoje é dia de compras — murmurou para si mesmo, satisfeito com a decisão. — Ganhei um bônus ontem.
Saiu do banheiro, vestindo uma calça jeans escura e uma camiseta justa que valorizava o físico, não estava saindo para caçar, mas as vezes as presas caiam em sua frente, então sempre estava preparado. Penteou os cabelos úmidos com os dedos, passou perfume e parou diante do espelho. O reflexo lhe devolveu um homem bonito, sedutor, capaz de enganar qualquer uma. Henrique sorriu, convencido de que o mundo estava, mais uma vez, a seus pés.
Foi até a porta, pegou as chaves, já planejando quais lojas visitaria. Talvez uma nova jaqueta de couro, ou um relógio de boa qualidade, precisava manter o estilo atualizado, afinal.
Mas quando girou a maçaneta e abriu a porta, o choque o paralisou.
Dois homens de terno preto, largos nos ombros e com olhares frios, estavam diante dele. Um deles empurrou a porta de volta com força, e o outro avançou, rápido como uma sombra.
— Senhor Henrique, não é? — perguntou o mais alto, com a voz grave.
O coração dele disparou. Ninguém o chamava pelo nome verdadeiro. Nunca. Sempre usava outros nomes. Anthony, Marco, Lucas, Pietro… qualquer coisa menos Henrique.
— Acho que vocês estão confundindo… — começou, tentando recuar.
Mas não teve chance. O segundo homem agarrou seu braço, torcendo-o para trás com força suficiente para arrancar-lhe um grunhido.
— Vai nos acompanhar — disse o segurança, sem espaço para negociação. — Agora.
Henrique tentou lutar, mas logo percebeu que não adiantava. Aqueles dois não eram policiais. Não estavam ali para cumprir protocolo. Mas a forma como o imobilizaram, sem qualquer hesitação, indicava treinamento. Foram contratados para "dar cabo" dele?
— Eu… eu não sei o que vocês querem. Se é dinheiro, eu posso…
— Cala a boca. — A voz do mais alto cortou o ar com irritação.
Henrique engoliu em seco. Foi empurrado pelo corredor do prédio, com as mãos presas firmemente atrás das costas, até o carro preto que aguardava do lado de fora. As janelas escuras e a postura dos homens não deixavam dúvidas de que aquilo não era um sequestro comum.
Ele foi jogado no banco de trás, entre os dois seguranças. O veículo arrancou em silêncio, deslizando pelas ruas da cidade.
No trajeto, Henrique tentou de tudo para saber do que se tratava aquela situação.
— O que eu fiz? Vocês não podem me levar assim! Tenho direitos! — reclamou, mas recebeu apenas um olhar gélido em resposta.
— Se eu fiz alguma coisa, a gente pode resolver. Eu tenho amigos… contatos… podemos conversar. — Na verdade ele estava blefando, mas aqueles homens não precisavam saber disso.
Mesmo com o blefe tudo que recebeu foi silêncio absoluto.
Ele engoliu a saliva, sentia-se cada vez mais nervoso. Tentava imaginar qual dos seus golpes recentes poderia ter dado errado. Talvez alguma vítima tivesse ligações maiores do que aparentava. Talvez alguém tivesse rastreado algum celular antes que ele fosse vendido.
Mas nada justificava aquele nível de organização. Aqueles homens não pareciam interessados em negociação. Pareciam estar apenas cumprindo ordens. Henrique se perguntou se havia aplicado um golpe em alguma criminosa ou agente da lei.
O carro seguiu em direção a uma região mais nobre da cidade. Quanto mais se aproximavam, mais o estômago de Henrique se revirava. O nervosismo deu lugar a um medo genuíno.
O veículo atravessou portões automáticos altos e estacionou em frente a uma mansão luxuosa, iluminada por refletores discretos no jardim. O tipo de lugar onde ele nunca ousaria colocar os pés, nem mesmo para pegar um peixe grande.
Os seguranças o arrastaram para fora e o conduziram até a entrada principal. As portas se abriram sem que fosse necessário bater. Um terceiro homem os aguardava, igualmente vestido de preto, que apenas fez um gesto para que prosseguissem.
Henrique foi levado até uma sala ampla, decorada com móveis de design moderno, tapetes importados e quadros caros nas paredes. O contraste com seu apartamento miserável quase lhe tirou o fôlego, se não fosse pela situação, estaria observando o lugar com mais atenção.
— Sentado. — Um dos homens empurrou-o para o sofá.
Ele caiu, tentando recuperar a postura.
— Posso saber o que está acontecendo? — perguntou, mas foi ignorado.
Os dois seguranças permaneceram de pé, um de cada lado da sala, vigilantes como estátuas e então o tempo começou a se arrastar. Minutos se transformaram em horas. Henrique se revirava no sofá, inquieto. Tentou conversar mais de uma vez, mas as respostas eram sempre as mesmas: silêncio. Cada tic-tac do relógio na parede parecia um martelo em sua cabeça. O medo já não era apenas um aperto no estômago; era um veneno que corria em suas veias.
“Quem me pegou? Quem está por trás disso? Onde foi que eu errei?” — repetia mentalmente, tentando lembrar cada rosto das últimas semanas.
Até que, finalmente, a porta se abriu.
O som dos saltos ecoou pelo piso de mármore, firme e inconfundível. Henrique ergueu os olhos e, no mesmo instante, o sangue gelou em suas veias.
Isadora Monteiro.
Naquele momento, diante da mulher que exalava poder, Henrique entendeu que havia escolhido a vítima errada.
E que talvez nunca mais houvesse outra vítima depois daquela.