Comandar uma empresa era algo que eu jamais imaginei quando sentava num café qualquer com currículo em mãos e contas no bolso. Mas ali estava eu: diretora-executiva de uma das empresas de investimentos imobiliários pertencentes ao império Torres. Aos olhos do mundo, eu era poderosa, influente, realizada. Mas a verdade… a verdade é que minha alma estava cansada.
Não era o trabalho que me destruía. Era o que vinha depois dele. Meu casamento. Leonardo, meu marido, o homem que um dia me tirou do anonimato com promessas de mundo, agora parecia fazer questão de me manter calada e esquecida dentro da nossa mansão de luxo. Quando aparecia em casa, era tarde. Trazia no corpo o cheiro de perfume doce demais para ser meu, e nos olhos, a ausência de quem está longe… mesmo estando ali. Mas naquela semana, minha maior preocupação era outra. Eu odiava dirigir. Sempre odiei. Só de imaginar encarar o trânsito de São Paulo, o caos, o estresse, já sentia meu corpo inteiro travar. E depois de meu motorista anterior pedir demissão, alegando que "minha agenda era exigente demais", fiquei em apuros. — Não tem ninguém competente nessa cidade? — reclamei, batendo o currículo de mais um candidato sobre a mesa. Já havia entrevistado sete homens. Todos arrogantes, despreparados ou mal-educados. Um chegou atrasado. Outro me chamou de "princesa" como se isso fosse aceitável em uma entrevista profissional. — Próximo — murmurei, quase perdendo a paciência. Foi então que a porta se abriu e ele entrou. Henry Rodrigues. A primeira coisa que notei foram os olhos. Castanhos, intensos, com uma calma rara que desarmava. Em seguida, o porte. Alto, cerca de 1,85m. Corpo forte, definido, mas com uma elegância discreta. Usava uma camisa preta simples, jeans escuros e sapatos limpos. Tudo nele era sóbrio, contido… até o perfume, amadeirado, sutil, masculino. Ele me fitou sem desviar os olhos. E ao contrário dos outros, não sorriu de forma exagerada nem me avaliou com aquele olhar de desejo disfarçado de respeito. — Boa tarde, senhora Macedo. Sou Henry Rodrigues. Vim pela vaga de motorista. Sua voz era grave, firme, mas serena. Aquele tipo de voz que parece segurar o mundo nos ombros. — Sente-se — disse, tentando manter a compostura, mesmo sentindo meu coração acelerar sem explicação. Fiz perguntas técnicas. Verifiquei sua experiência — seis anos dirigindo para executivos, histórico limpo, discreto, educado. Ele respondia tudo com clareza e honestidade. Nenhuma tentativa de bajulação. Mas o que me prendeu, de verdade, foi o modo como ele me olhava. Como se já soubesse o que eu escondia atrás da maquiagem cara e da postura impecável. Como se conseguisse ver a mulher exausta, ferida, tentando manter de pé o castelo que desmoronava por dentro. — Está contratado — disse, antes mesmo de terminar a entrevista. Ele arqueou uma sobrancelha, surpreso. — Não quer fazer um teste de direção? — Já fiz — respondi, levantando-me. — Seu currículo, sua postura e sua discrição são suficientes para mim. Começa amanhã às sete da manhã. Seja pontual. Ele assentiu, educado, e se levantou. Ao sair da sala, por um instante, nossos olhos se cruzaram novamente. E eu senti. Senti o calor subir do estômago para o peito. Mas desviei o olhar. Não era hora. Não era lugar. Não era certo. Voltei para casa naquela noite carregando nas costas o peso de mais um dia fingindo. E assim que entrei em meu quarto, senti algo errado. Havia perfume no ar. Não o meu. A porta do closet estava entreaberta. Ouvi risos abafados. Meus pés congelaram no chão. Mas minha alma... minha alma já sabia. Empurrei a porta com força. Lá estava ela. Deitada na minha cama, vestindo a camisa do meu marido, sorrindo como quem sabe que venceu. E Leonardo, meio nu, rindo com ela, até me ver parada ali, em choque. — Que porra é essa, Helena?! — ele explodiu, como se eu fosse a intrusa. A outra mulher gritou, tentando se cobrir. Eu não disse nada. Só observei. O coração parecia esmagado por dentro do peito. — Saia daqui — murmurei, tentando manter a dignidade. — Você poderia bater antes de entrar no nosso quarto! — ele vociferou, como se o errado fosse eu. — Nosso quarto? Você trouxe uma mulher pra nossa cama, Leonardo. — E o que você esperava? Você vive ocupada, se metendo em negócios que eu permiti você comandar. Esqueceu que só está onde está por minha causa? O tapa não foi físico, mas doeu mais. — Eu estou onde estou porque eu mereço. E se você me ajudou, foi porque viu em mim o que mais ninguém viu: potencial. Ou foi só vaidade? Ele se aproximou, os olhos cheios de desprezo. — Não se engane, Helena. Você é bonita, sim. Mas não passa de uma mulher que se agarrou ao homem certo. Não se iluda achando que isso te torna especial. Engoli o choro. Engoli o orgulho. Engoli tudo. Porque havia muito em jogo. Meus pais, idosos, dependiam da ajuda financeira que Leonardo oferecia. Meus dois irmãos, Davi e Bruno, estavam tentando abrir um negócio de importação, e Leonardo era o investidor principal. Sem ele, tudo ruía. Tudo. E eu não podia permitir que minha dor pessoal destruísse minha família. Então fui para o bar da mansão. Sim, havia um. Copos de cristal, garrafas caríssimas que eu nunca havia tocado. Até aquela noite. Servi-me de uísque. Um, dois, três copos. A garganta queimava, mas anestesiava. Sentei na poltrona da varanda, de frente para o jardim perfeitamente iluminado, mas que agora me parecia morto. Um cenário de novela, com uma protagonista triste. Olhei para as mãos. Tremiam. Não de raiva — de cansaço. Eu não era a mulher que ele amava. Nunca fui. E talvez ele nunca tenha amado ninguém além de si mesmo. Mas havia algo diferente agora. Algo novo, que surgira naquela sala da empresa naquela tarde. O olhar de Henry. A firmeza. A gentileza. A ausência de julgamento. A presença silenciosa. Pela primeira vez em muito tempo, me senti... vista. Talvez eu estivesse me iludindo. Talvez fosse só carência. Mas mesmo assim, por mais errado que parecesse, naquela noite, de olhos fechados e coração quebrado, foi o rosto dele que me veio à mente. Henry Rodrigues.