Anita “Furacão” — um apelido que ela odeia, dado pelos alunos da comunidade onde ensina. Para ela, é apenas uma brincadeira sem graça. Para o delegado Henrique Macedo, é um presságio. Frio, metódico e implacável, Macedo sempre acreditou que podia controlar tudo: o crime, as pessoas… e os próprios sentimentos. Até conhecer Anita. Com o rosto doce e o jeito atrapalhado, ela parecia inofensiva — mas bastou um encontrão e um olhar para ele perceber que aquela mulher seria o seu maior erro. Obcecado, ele passa a vigiá-la, estudá-la, querer entender por que o caos dela o fascina tanto. Só que Anita, com seus sorrisos desajeitados e segredos bem guardados, tem o poder de quebrar tudo o que ele construiu — inclusive o coração que ele jurava não ter. E quando o destino coloca os dois frente a frente, entre investigações perigosas e uma atração impossível de conter, Macedo descobre que o amor pode ser tão devastador quanto um crime perfeito.
Leer másHenrique Narrando
O som insistente do meu celular vibrando contra a mesa de cabeceira foi o que me tirou do sono. Demorei um instante para processar onde estava — o livro de autoajuda aberto sobre o peito servia como lembrete irônico daquele esforço inútil para aprender a “relaxar”. Nada daquilo funcionava comigo. Levantei devagar, cumprindo um ritual quase sagrado. O ambiente tinha que estar em ordem — sempre. Um espaço bagunçado significava uma mente bagunçada, e eu não começaria um dia assim, especialmente hoje. Hoje era o dia. O Mendes se aposentava e eu assumia o comando da delegacia. Décadas de serviço, noites mal dormidas e sangue frio me trouxeram até aqui. Não tinha glamour, nem holofotes, só o peso do dever e a responsabilidade. Olhei meu reflexo no espelho. A barba estava um caos, denunciando o cansaço dos últimos dias. Vaidade nunca foi meu forte, mas sei que aparência importa — principalmente para quem carrega um distintivo. Peguei a navalha e tratei do que dava. Não ficou perfeito, mas era o suficiente. Para um policial acostumado a lidar com feridas, aparar pelos era bagatela. Na cozinha, preparei meu café do jeito que gosto: forte e sem açúcar. Gosto de controlar ao menos isso no meu dia. Nem sei o nome da diarista que vem duas vezes por semana. Gente demais em casa sempre me incomodou. Sou metódico, para alguns sou obsessivo — para mim chamo de ordem. E em meio ao caos policial, ordem é sobrevivência. Moro na Vila Olímpia, apartamento pequeno, moderno e silencioso, um bunker contra o barulho do mundo.Terminei o café, lavei a caneca, ajeitei a bancada. Detesto deixar rastros — não só no serviço, mas na vida.Peguei celular, chaves e segui para a delegacia. Entrei direto na sala do Mendes, que hoje seria minha. Bati e ouvi sua voz firme: — Entre. Lá dentro, estavam Marcelo Rocha e Adriana Paiva. Dois amigos que já tinham saído da delegacia e agora estavam na civil. Cumprimentei os dois com um meio sorriso: — Bom dia, Rocha. Paiva.— Pronto para ser chefe? — Marcelo perguntou, com seu jeito brincalhão. — Pronto. Ansioso, mas pronto — admiti, olhando para Mendes — Ele assentiu. — Quando assumi, estava no mesmo lugar que você. Ansioso e com medo de não ter pulso firme o bastante — Marcelo riu. — Mendes teve 30 anos de serviço e ainda está de pé. Foi chefe de respeito. Tenho orgulho de ter servido com ele no E.I.E. — Adriana sorriu discretamente. Marcelo abraçou Mendes, deu tapinhas nas costas, dizendo mais com o gesto que com palavras. — Vou sentir sua falta, velho. — apertou a mão dele antes de sair.Adriana também desejou sorte — Mendes agradeceu e anunciou reunião para repassar ordens. Tudo protocolar, dentro do padrão. Após saírem, acertamos detalhes do cargo e os nomes que precisaria monitorar. Quando o comunicado oficial chegou, fui cercado por cumprimentos. Palmas, sorrisos, tapinhas nas costas. Alguns sinceros, outros por conveniência. Aceitei tudo com educação. Respeito se conquista com ação, não festejos. Dispensei a equipe e convoquei Ivan Barbosa, meu subdelegado novo. Queria resolver a burocracia logo: funções, relatórios, hierarquia. Cada coisa em seu lugar desde o primeiro dia. Ivan já sabia minha fama: rígido, exigente, difícil. Pode ser. Mas após duas semanas de trabalho, ele entendeu que meu “gênio forte” era profissionalismo. Não arrogância — método. Passo a passo, sem espaço para dúvidas. Ele nunca quis invadir meu espaço, só seguir o ritmo que eu demandei. Discreto, falava pouco e agia muito. Disse que eu parecia o irmão mais velho dele. Não quis saber mais. Não crio laços para não me distrair. Enquanto seguíamos para minha sala, Raquel Pacheco e seu parceiro Estêvão apareceram no corredor. Tinham acabado de voltar de missão. Sabiam da troca de comando e vieram cumprimentar: — Parabéns, chefe — disse Raquel com meio sorriso, respeitando, mas sem se curvar. — Obrigado, sargento. — disse, sentando. — Imagino que não vieram só dar parabéns. Raquel trocou um olhar rápido com Estêvão. — Temos relatório novo da comunidade Madalena — Suspirei fundo. — Já esperava. Esse sempre foi o ponto fraco do Mendes — Raquel confirmou. — Ele segurou controle por um tempo, com uma trégua. Mas agora os traficantes cresceram novamente. — Viraram erva daninha — completou Estêvão, frustrado. Raquel abriu a pasta e detalhou: — Infiltramos e detectamos três líderes de facção recentes. Dois irmãos gêmeos: Marco e Pedro — Valet e Coringa. O terceiro é inimigo deles: David, o Pivô. — Disputa por território? — perguntei. — Exato. Dois homens do Pivô foram executados pelos gêmeos. A comunidade está aterrorizada. — Cruzei braços. — Vamos montar um plano e cortar essa ameaça pela raiz. Essa gente já sofreu demais — Raquel sorriu. — Sabíamos que pensaria assim. Boa sorte, delegado. — E saiu com Estêvão — Ficamos eu e Ivan. Passei pendências e avisei que me afastaria para planejar a operação. Ele ouviu, anotando tudo. Gosto de gente que age mais que fala. Convoquei E.I.E. para reunião. Expliquei a situação, selecionei snipers, táticos, sargentos frios o suficiente para encarar o inferno sem tremores. A missão para invadir Madalena não seria moleza, mas nunca busquei o caminho fácil. Equipe dispensada, voltei ao circuito de sempre: atendimento, despachos, ordens, investigações atrasadas. A rotina virou borrão. Olhei no relógio: passava das seis e meia. Hora de entregar o plantão ao Ivan. Peguei o paletó, pensei outra vez na barba que prometi aparar. Era banal, mas após encarar um dia inteiro de papéis e criminosos, cuidar de mim soava como disciplina. Fui à barbearia de sempre, onde o barbeiro fazia o serviço rápido e sem conversa. Fechei os olhos, deixei a navalha trabalhar. No espelho, o reflexo me agradou. Paguei e saí. Ainda cedo. Decidi jantar no bar-restaurante onde costumava ir: comida simples, música ambiente e o silêncio necessário para pensar. O que eu não sabia era que aquela noite... tinha planos diferentes para mim. Os acontecimentos que se seguiram mudariam minha rotina — e talvez a rota da minha vida.Narrado por Anita Assim que saí da sala do delegado junto com Raquel, ela me olhou com curiosidade e perguntou: — Agora me conta, de verdade, o que aconteceu?Antes que eu pudesse responder, Alberto apareceu e interceptou a conversa: — Professora, já terminou seu depoimento? — Sim, finalmente! — respondi aliviada. — E o que eles falaram? — Garantiram que vão resolver tudo e que não preciso me preocupar. — Disseram o mesmo para mim, mas só amanhã vão me informar onde está meu irmão. Estou com medo por ele, professora... — ele falou triste. — Acalme-se, Alberto. Tenho certeza de que a polícia vai resgatá-lo. — É tudo que mais desejo, não só por ele, mas principalmente por minha mãe! Ele se virou e viu Raquel, então a apresentei como minha prima. Ela pegou a mão dele com simpatia: — Muito prazer, Alberto! Ele sorriu e comentou: — Incrível, professora, como vocês são tão diferentes... Mas claro, seu pai era coreano, né? — Exatamente! — respondi a ele sorrindo. A
Narrado por Henrique Quando Anita entrou na sala do delegado, Ivan olhou para mim. Sabia que não era necessário eu acompanhá-la, mas ainda assim entrei. Ao notar o olhar intenso e fascinado de Ivan para Anita, não me arrependi da minha decisão. Ele estava claramente encantado com sua meiguice, e eu sabia que só não tinha tentado algo com ela por estar em serviço e por acreditar que ela fosse menor — afinal, conhecia o garanhão que era meu parceiro. Ele pediu que Anita se sentasse, e era perceptível o modo diferenciado com que a tratava: — Hã... cadê os seus pais, princesa? — perguntou, esbanjando uma descontração quase provocativa. Anita revirou os olhos e entregou sua identidade. Ivan fez a mesma cara boba que todos faziam ao ver que aquela pequena mulher não era uma adolescente, como se pensava à primeira vista. Depois, ele olhou para mim, e eu levantei a sobrancelha zombeteiro, querendo dizer silenciosamente: "Seu pervertido sem vergonha, mesmo achando que ela era pratica
Narrado por Henrique Vi que ainda confiava só em mim naquele momento e sorri, tentando passar segurança: — Pode confiar no meu amigo. Ela balançou a cabeça e seguiu os policiais, lançando olhares para mim até se aproximar do carro. De repente, ela correu de volta e perguntou desesperada: — Por favor, senhor, onde está Alberto? Eles estavam atrás dele também!Olhei para ela e, meio aborrecido, perguntei: — Alberto? É seu namorado? Antes que respondesse, o celular dela tocou. Pegou com nervosismo e disse: — Alberto, onde está? Ele informou a rua onde conseguiu despistar os perseguidores e que estava perto dali. Ela sorriu e pediu para ele ir até ela, mas não falou sobre a polícia presente. — Pode dispensar seus amigos policiais? — perguntou. — Por que você não vai mais depor? — perguntei irritado. — Sim, vou. Mas Alberto, que está envolvido nessa confusão, pode não querer vir se vir a polícia lá. Preciso convencê-lo antes. — Você disse aluno? — perguntei, surpreso. — Sim, d
Narrado por Henrique Ao chegar ao meu bairro, e descer do carro, de repente, uma garota inesperadamente esbarrou em mim e quase caiu. Só não caiu porque a segurei.— Ei, cuidado, garotinha, não olha por onde anda não?! — disse firme, olhando para ela. Era uma jovem oriental, linda e de olhar marcante. Ao tocá-la, estranhei não sentir aquele incômodo chato que normalmente sinto ao tocar alguém. Quando olhei nos seus olhos amendoados, vi medo e um pouco de admiração. Pensei comigo mesmo: “será que estou ficando louco?”Sabia que as garotas da idade dela costumavam ser malucas, mas a maioria tinha medo de mim. Irritado, segurei seus braços e perguntei:— Garota, para onde está indo com tanta pressa? Está sozinha? Fala a minha língua?Ela não respondeu, apenas se desvencilhou e saiu correndo. Surpreso, achei que devia estar assustada. Tentei chamá-la:— Ei, espera, garotinha, para onde está indo?Mas ela não me ouviu e seguiu correndo. Pensei em ir atrás, mas desisti. Não conseguiria a
Sabia que tinha que fazer algo, principalmente ao ver o rosto machucado de Alberto e ouvir sua voz chorosa enquanto implorava para os homens que o seguravam pelos braços: — Por favor, não façam isso, eu só queria que ele o soltasse. Eu juro que vamos pagar a dívida! Um deles respondeu friamente: — O teu problema é saber demais, e o patrão não suporta xeretas. E o pior, dentro do santuário dele. Você não devia ter pedido para vir aqui, em sua casa. Esse é o seu fim e o da pessoa que você tanto quis proteger. Agora vem com a gente! Alberto tentou resistir, gritando: — Não, não! Vocês não podem fazer isso comigo! Mas um dos homens, quando não viu ninguém por perto, levantou a camisa, mostrou a arma no coldre, percebi que Alberto se calou imediatamente por medo. Um deles puxou Alberto pelo braço, e o outro seguia atrás. Aproveitando o escuro, corri por trás dos arbustos, subi numa árvore com agilidade. Ser pequena sempre me ajuda um pouco. A ação parecia loucura, mas só p
Narrado por Anita Todos começaram a cochichar em simultâneo ao verem uma professora aparentemente tão jovem que mais parecia uma das alunas. Notei também o quão vermelho Alberto ficou e percebi que seus colegas começaram a tirar brincadeiras com ele, o deixando ainda mais envergonhado. Por isso, eu continuei: — Sim, sou professora, e gostaria muito de me dar bem com todos vocês. Afinal, este é meu primeiro ano aqui. Então, vamos começar: gostaria de perguntar o nome e a idade de cada um, tá ok? Uma das adolescentes levantou a mão e eu dei-lhe a palavra: — Hã... qual é o seu nome mesmo? — Patrícia Martins, tenho 14 anos — respondeu ela — Mas me desculpe perguntar, como vamos acreditar que você é mesmo professora? Parece tão jovem, até mais jovem que eu, pode ser uma aluna fazendo piada da nossa cara. Se for realmente nossa professora, tem como provar? — Patrícia, entendo sua dúvida. Sei que aparento ser muito jovem, mas é só aparência mesmo, e sobre mim o que posso dizer..
Último capítulo