Capítulo 2

Anita Narrando

Aí, Senhor... que barulho irritante é esse? Droga, meu despertador maldito. Me estiquei toda, ainda de olhos fechados, tateando no escuro até encontrar o celular.

Desliguei o alarme e soltei um suspiro cansado. Segunda-feira de novo. O corpo pedia mais sono, mas a vida não dava trégua.

Franzi o cenho ao lembrar do motivo da minha insônia. Os vizinhos da casa ao lado decidiram fazer uma festa de domingo, e o volume do som parecia um convite para uma rave no meu próprio quarto.

“Bem-vinda ao bairro”, pensei meio irônica, já acostumada com o caos e o barulho.

Sentei na cama e passei as mãos no rosto, tentando espantar o sono que insistia em me abraçar. Quando resolvi levantar, é claro que tropecei nos lençóis e fui direto para o chão.

— Ai, Anita, caramba! — murmurei para mim mesma. — Será que um dia paro de ser tão desastrada? Me levantei rápido, ajeitando o pijama meio amassado, e fui ao banheiro checar se não tinha aberto a testa no tombo.

O reflexo no espelho mostrou apenas um rosto amassado, mas inteirinho. Suspirei aliviada e entrei no chuveiro. O banho foi rápido — o suficiente para espantar o sono e lembrar que eu tinha uma filha para acordar e uma escola para enfrentar.

Depois, escolhi uma roupa simples: confortável, mas arrumadinha, e fiz uma maquiagem leve — aquele tipo que mal se percebe, mas que me ajudava a encarar o dia. Segui até o quarto de Chun-hee, que dormia tranquilamente. Encostei com delicadeza a mão no ombro dela.

— Vamos, princesa... já são seis horas. Hora de levantar para o colégio.Ela murmurou meio sonolenta, com o rosto enfiado no travesseiro:

— Tá bem, mamãe... só mais um pouquinho.Sorri para aquela preguiça da minha pequena e me aproximei para enchê-la de beijinhos na bochecha.

— Vou acordar essa princesa com beijos, porque é assim que as princesas de verdade acordam!Ela riu, se contorcendo.

— Ai, mamãe!

— Pronto! Agora que a princesa preguiçosa acordou, bora pro banho? — perguntei, e ela pulou da cama animada.

— Vamos!

Enquanto me seguia, disse lembrando:

— Mãe, não esquece que hoje tem aula de balé com a Ana Laura e a Michelle!

Ah, o balé. As Segundas e quartas, às quatro da tarde. Era o momento favorito dela, e confesso, o mais cansativo para mim. Eu a levava e esperava até o fim da aula, para depois voltarmos juntas para casa. Era um daqueles momentos de paz na correria da vida.

Mas as coisas tinham mudado. Suspirei fundo enquanto penteava seu cabelo e tomei coragem para contar uma novidade.

— Filha... a mamãe vai precisar trabalhar também à tarde agora.

Ela ficou me olhando confusa.

— Então... eu não vou mais para a dança?

— Vai sim, meu amor. Só que a mamãe não poderá te levar.

Conversei com a vizinha Sulamita, e ela conseguiu uma moça para te acompanhar. A menina se chama Aline, tem vinte anos, é super simpática e vai cuidar bem de você, tá?

Chun-hee ficou em silêncio por um momento. Depois assentiu, baixando a cabeça. Aquilo doeu mais em mim do que eu esperava. Beijei sua testa e forcei um sorriso.

— Obrigada, meu anjinho. Agora vamos descer, que eu ainda preciso falar com a dona Sula antes de ir para o colégio.

Ajudei-a a se vestir e descemos. O cheiro delicioso de café e panquecas recém-feitas inundava a casa. Sorri aconchegada por aquele aroma.

— Bom dia, Martina! Já levantada, hein? A senhora, com o avental amarrado na cintura, sorriu largo.

— Ah, menina, sabe como é... Na minha idade não consigo mais ficar na cama depois das cinco. Parece que a cama tem espinhos! — riu alto.

Olhei para Chun-hee e brinquei: — Igualzinha a você, né, preguiçosa?

Rimos as duas, e por um momento, a carga da rotina pareceu mais leve.

Peguei uma xícara de café enquanto observava minha filha rindo com Martina. Pequenos momentos como aqueles me lembravam por que eu aguentava tanta coisa.

Mas no fundo, sabia que aquela segunda-feira seria só o começo de uma nova maratona.

Contei para Martina sobre a babá que viria ficar com Chun-hee até eu chegar, e ela aceitou de bom grado. Foi um alívio, para ela, porque não dava para cuidar da pequena e trabalhar na casa ao mesmo tempo. Martina sempre fazia o que podia para ajudar, mesmo com pouco, e isso me emocionava.

Batidas na porta nos interromperam, e Martina foi atender. Chun-hee, com os olhinhos ainda apertados pelo sono, pediu com voz manhosa:

— Mamãe, eu quero cereal!

Assentiu sorrindo e fui direto para a despensa. Nada. Revirei tudo e aí lembrei: no dia anterior, Martina tinha colocado o cereal no alto do armário. Alto demais para meu metro e cinquenta e quatro! Mas minha teimosia falou mais alto, então arrastei uma cadeira e subi. Assim que fiquei em pé, senti a cadeira pender para o lado. Só não cai porque Martina e Sulamita correram para me segurar.

— Anita! O que faz em cima dessa bendita cadeira?! — ralhou Martina, séria, mãos na cintura.

Peguei o cereal com sorriso amarelo.

— Estava pegando para a Chun-hee!

— Por que não pediu para mim, mulher? Quando digo que você mesma se mete em confusão, você não acredita! — disse, cruzando os braços.

Desci da cadeira com cara de inocente, mas sabia que ela tinha razão. Não era a primeira vez que me metia em confusão digna de novela.

Lembro bem do dia em que meu lenço ficou preso na máquina de xerox do colégio. Não me pergunte como. Para tentar soltar, acabei de quatro em frente àquela coisa arcaica — e justo naquele momento, o professor Carlos apareceu e ainda teve coragem de dizer:

— Não imagina a bela visão que está me proporcionando daqui, Anita! Quase morri de vergonha.

Também teve a vez que derrubei o diretor Batista com uma trombada. Eu estava atrasada para buscar Chun-hee e não o vi vindo. Caímos os dois no chão. Os alunos riram tanto que eu quis sumir. Só não levei advertência porque me desculpei dez vezes e expliquei a correria.

Mas nada superou o "incêndio acidental". Eu, animada, batendo palmas para comemorar a entrada da mini escola de samba do colégio, bati justo no cigarro do pai de um aluno. O cigarro caiu num carro alegórico e... pronto: fogo. Desde então, ganhei o apelido de professora Anita Furacão. Um apelido que me persegue até hoje e que, sinceramente, detesto.

Depois de rir lembrando dessas trapalhadas, despedi-me das meninas. Sulamita avisou que Aline buscaria Chun-hee no colégio, e Martina me alertou sobre os boatos do morro.

— Dizem que dois novos traficantes querem tomar o comando do Pivô — sussurrou, olhando para os lados. — São cruéis... já mataram alguns homens dele.

Arregalei os olhos.

— Meu Deus, Martina... isso é assustador!

— É, querida. Por isso, se cuide. Eu vou ficar aqui orando por você e sua filha. Nada de mal vai acontecer, tá bem? — fez o sinal da cruz na minha testa e na da Chun-hee.

Abracei as duas e saí de mãos dadas com minha pequena. Chun-hee acenou, sorrindo:

— Tchau, Tina!

Martina respondeu com seu sorriso de mãe emprestada, e eu segui para o ponto de ônibus, sentindo um calorzinho no peito.

Eu não tinha muito, mas tinha o essencial: uma filha maravilhosa, pessoas boas ao meu redor e uma coragem que, embora vacilante às vezes, nunca me deixava desistir.

A vida podia ser difícil... mas eu era teimosa demais para acreditar que ainda ia dar certo.

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