Narrado por Henrique
Ao chegar ao meu bairro, e descer do carro, de repente, uma garota inesperadamente esbarrou em mim e quase caiu. Só não caiu porque a segurei. — Ei, cuidado, garotinha, não olha por onde anda não?! — disse firme, olhando para ela. Era uma jovem oriental, linda e de olhar marcante. Ao tocá-la, estranhei não sentir aquele incômodo chato que normalmente sinto ao tocar alguém. Quando olhei nos seus olhos amendoados, vi medo e um pouco de admiração. Pensei comigo mesmo: “será que estou ficando louco?” Sabia que as garotas da idade dela costumavam ser malucas, mas a maioria tinha medo de mim. Irritado, segurei seus braços e perguntei: — Garota, para onde está indo com tanta pressa? Está sozinha? Fala a minha língua? Ela não respondeu, apenas se desvencilhou e saiu correndo. Surpreso, achei que devia estar assustada. Tentei chamá-la: — Ei, espera, garotinha, para onde está indo? Mas ela não me ouviu e seguiu correndo. Pensei em ir atrás, mas desisti. Não conseguiria alcançá-la. “Por mil demônios, essa é boa! — Ao invés de me agradecer por tê-la segurado e não lhe deixar cair, saiu correndo. Vai ver que ela realmente não fala a minha língua!” pensei. Lembrei do tamanho pequeno e frágil dela, e pensei que a coisinha pequena parecia um chaveirinho. Sorri mordendo os lábios ao lembrar o olhar de admiração que me lançara. Logo me repreendi: — Que isso, Henrique? Ela é só uma adolescente. Vai pensar nela assim? Tá louco? Sua pressa parecia coisa da idade, mas depois de um tempo parado, olhei novamente para a esquina por onde ela havia dobrado, sentindo um pressentimento estranho, sem conseguir explicar. Mantendo a impressão incômoda de que algo não estava certo. Segui pela mesma esquina, mas não a avistei. Era como se tivesse evaporado. Porém, aborrecido comigo mesmo, sacudi a cabeça para afastar os pensamentos e entrei no restaurante que eu já conhecia muito bem — um lugar com boa comida e pouco movimento no bairro. O restaurante estava praticamente vazio, só dois homens conversavam com César, o garçom. Sentei numa mesa afastada da entrada e notei quando César foi atender os homens. Fiz meu pedido rápido, como de costume, e ele logo se prontificou para trazê-lo. Um dos homens que estava conversando com ele sentou-se um pouco mais à frente, o outro eu não entendi porque, entrou na cozinha com ele, minutos depois voltou e sentou ao lado do parceiro. Então me encarou, foi só naquele instante, que notei o quanto eles eram mal encarados. Meu instinto despertou com força ao sentir o olhar ameaçador de um deles. Disfarcei, coloquei os óculos de leitura e comecei a fingir que estava analisando relatórios no meu tablet, tentando não demonstrar o que sentia. De repente, ouvi um som parecido com um miado. Estranhei e pensei: — Tem gatos aqui? Foi quando lembrei que sou altamente alérgico a pelos de gatos desde pequeno. Levantei a toalha da mesa e, quando olhei por baixo, tive uma enorme surpresa. Franzi o cenho surpreso notar que não havia nenhum gato por ali, mas sim a mesma garota da rua, visivelmente assustada. Com um gesto firme, ela me fez sinal para que fizesse silêncio e baixasse rapidamente a toalha da mesa, apontando discretamente para os dois homens sentados à minha frente. Foi então que entendi: eles eram os verdadeiros motivos da fuga dela. Baixei a toalha novamente e voltei a fingir estar concentrado na leitura. Peguei o celular e disquei para Ivan com rapidez. — Fala, parceiro! — falou animado, mas sua voz mudou rapidamente ao ouvir o meu tom sóbrio, que percebeu a urgência. — Ivan, restaurante Fratelli, imediatamente. Dois suspeitos possivelmente ligados a um caso de sequestro! Sem hesitar, ele respondeu com profissionalismo: — Ok, Macedo! Estamos a caminho! Enquanto desligava, monitorava os dois homens com um olhar afiado. Eles pareciam perfeitamente inofensivos, sentados ali como se apenas desfrutassem de um jantar entre amigos. Porém, notei que por baixo das jaquetas escondiam armas nas cinturas, uma ameaça perigosa e concreta. “Malditos” — pensei. — Como pude ser tão cego? Estão atrás daquela garota, provavelmente para sequestrá-la. “Tráfico humano?” Seja o que for, vou descobrir logo. A tensão aumentou quando a garota deu um espirro alto o suficiente para atrair a atenção dos homens, que claramente perderam a paciência com aquele jogo de gato e rato. Levantaram-se, e um deles apontou a arma para mim enquanto o outro levantou a toalha e puxou o cabelo da garota, com violência puxando ela debaixo da mesa. — Pegamos você, sua vadiazinha! Vai pagar pelo que fez aos nossos companheiros! — ele ameaçou, enquanto ela chorava de dor. Mantive a calma e falei, firme: — O que vocês são para essa garota? O homem sorriu debochado, ignorando César e os atendentes que de repente apareceram no salão. — Ela é minha namorada e isso é só uma briguinha de casal. Mas isso não interessa a você. Agora, com licença, vamos resolver nossas diferenças, não é, amor? Ele apertava forte o cabelo dela, que lacrimejava dolorida, enquanto seu parceiro mantinha a arma apontada para mim e para os outros clientes. — Larguem a garota agora! — ordenei, com voz firme. — E se eu não largar, o que fará? — desafiou. — Isso! — respondi, puxando minha arma e atirando na mão dele, que caiu em agonia. As pessoas no restaurante se esconderam atrás do balcão. A garota, ágil, chutou a arma para baixo do balcão, e alguém a pegou. Quando o homem tentou sacar sua arma, engatilhei novamente a minha e disse: — Solte o cabelo da moça e mãos para cima, está preso por tentativa de sequestro! Mostrei meu distintivo. Ele resmungou: — Maldição, um maldito policial! — disse com dor o homem que eu havia atirado. O outro que segurava a garota não vendo outra opção, soltou os cabelos dela e levantou as mãos. — Não só um policial, ele é um maldito delegado! — disse, olhando para o parceiro. Nesse momento, ouvi a sirene da polícia se aproximando. A garota correu para perto de mim e me abraçou, chorando. Falei com ela com carinho, sem tirar os olhos do homem e seu cúmplice. Logo Santos e seu parceiro entraram armados, algemaram o homem sem muita resistência. Eles ficaram surpresos ao verem o abraço entre mim e a garota, mas nada disseram. Meireles, com humor, comentou: — Nossa chefe não deixou nada para a gente?Respondi sério: — O trabalho de vocês será levar esses lixos para a delegacia.Enquanto os guiava até a saída, Santos perguntou: — De que eles são acusados?— Tentativa de sequestro — respondi. — Tentativa de sequestro? Contra quem? — Esta moça — apontei para ela, que ainda estava com olhos marejados. O policial olhou para ela e perguntou: — Ela fala nossa língua? Precisaremos do depoimento dela, senhor, e da presença dos pais. Percebi que havia esquecido desse detalhe. Aproximei-me dela e perguntei: — Está tudo bem, garotinha? Fala a minha língua? — Sim, estou bem — respondeu firme. — E falo português, sou brasileira. Sou adulta, posso depor sem meus pais. Ela abriu a mochila com mãos trêmulas, mostrando a identidade. Foi como um choque para todos os policiais especialmente para mim a comprovação da idade dela. — Trinta anos? — perguntei surpreso. — Oficialmente ainda não, só em setembro — disse, envergonhada. Sorri para ela e ela me retribuiu o sorriso meigo. Algo dentro de mim aqueceu com aquela troca simples. Avisamos aos presentes que também precisaríamos de seus depoimentos, e alguns do restaurante decidiram colaborar. Segurei delicadamente seu queixo e falei calmamente: — Senhorita Jeong, por favor, siga os policiais até o 16º distrito para seu depoimento com meu amigo Ivan, tudo bem? Ela franziu o cenho, ainda nervosa, e perguntou: — Pensei que o depoimento seria com o senhor, não é o delegado? — Sou delegado, mas há troca de plantão. Também farei meu depoimento, pois estava à paisana quando tudo aconteceu — expliquei.