Alice Montenegro sempre viveu cercada pelo luxo. Filha de diplomatas, ela cresceu viajando pelo mundo, hospedando-se nos melhores hotéis e jantando com a elite. Mas nem toda a sofisticação do mundo conseguiu salvá-la de um bloqueio criativo terrível. Escritora de romances best-sellers, Alice não consegue escrever uma única linha há meses. Determinada a mudar isso, ela toma uma decisão radical: troca sua vida glamourosa por uma casinha no interior, onde acredita que o sossego e a simplicidade vão ajudá-la a reencontrar sua inspiração. Mas a realidade do campo é bem diferente do que ela imaginava. Entre galinhas rebeldes, internet lenta e um vizinho irritantemente charmoso—e totalmente cético sobre sua nova vida—, Alice logo percebe que escrever pode ser mais fácil do que sobreviver ao dia a dia rural. No entanto, enquanto tenta lidar com os desafios de sua nova rotina, ela descobre que talvez o amor—e não apenas a escrita—precise de um recomeço. Será que Alice vai encontrar seu final feliz longe dos holofotes? Ou vai perceber que algumas histórias merecem ser vividas antes de serem escritas? enemies to lovers / ele se apaixona primeiro / grumpy e grumpy
Ler maisFrustrada.
Irritada.Com ódio.Gritei, enterrando o rosto no travesseiro.
O som abafado não foi suficiente para expressar toda a minha revolta, então rolei na cama e arremessei o travesseiro contra a parede. Claro que ele caiu no chão de um jeito pateticamente inofensivo, o que só me deixou ainda mais irritada.
— Como eu pude ser tão burra?! — esbravejei, sentando na cama e bagunçando ainda mais o cabelo que já estava um caos.
Respirei fundo, tentando me acalmar. Contar até dez? Esquece. Se contar até dez funcionasse, eu já estaria zen igual um monge tibetano. Mas não. Eu estava a um passo de tacar o celular na parede e me autoexilar em uma montanha distante, longe da sociedade e dos idiotas que habitam nela.
Levantei de um pulo, marchando pelo quarto como um animal enjaulado. Cada passo ecoava minha fúria.
O motivo? Simples. Eu tinha passado dias, semanas, meses construindo uma ilusão. Alimentando uma esperança idiota baseada em nada mais que mensagens bonitinhas, emojis fofos e promessas vazias. Como se um "bom dia, princesa" fosse suficiente para me convencer de que ele era diferente.
Spoiler: não era.
Peguei o celular e encarei a última mensagem. A m*****a mensagem que me fez surtar. Três palavrinhas que detonaram minha paciência:
"Foi mal, Alice."
Sério? Foi mal? FOI MAL?!
Eu podia estar exagerando? Talvez. Mas e daí? Eu tinha todo o direito de surtar. De chorar. De quebrar alguma coisa — ainda que fosse apenas minha dignidade.
Suspirei, jogando o celular na cama e me deixando cair ao lado dele. Abracei um travesseiro, encarando o teto. Talvez fosse hora de aceitar a realidade: príncipes encantados só existiam nos contos de fadas. E eu? Bem, eu estava vivendo um belo de um conto do vigarista.
E o pior de tudo? Eu não conseguia escrever uma linha sequer há mais de três meses.
Uma escritora que não escreve? Era minha sentença de morte!
Já consigo enxergar meu futuro. Alice Montenegro decaiu depois do sucesso do best-seller Amor Sob Contrato, e pra completar, levou um chute na bunda por mensagem de texto.
Em alguns meses, minha editora iria me dispensar, meu nome ia sumir das prateleiras e eu ia acabar escrevendo resenhas fakes de vibradores na internet para pagar as contas. No Twitter, meu nome viraria um daqueles exemplos tristes de "onde foi parar aquela autora mesmo?". E, para fechar com chave de ouro, meu ex provavelmente apareceria feliz e apaixonado no I*******m, enquanto eu afogava minha tristeza em um pote de sorvete.
Lindo. Perfeito. Era oficial: minha vida estava indo ladeira abaixo sem freio.
— O que você está sapateando aí, menina? — Marta, a governanta da casa, apareceu no meu quarto.
— Meu fim está próximo, Martinha — caí de volta na cama.
Marta deu uma risadinha.
— Você está enfurnada nessa casa há dias, vai dar uma volta.
— Pra onde? — murmurei, enfiando a cara no travesseiro. — Para o bar mais próximo e me afogar em uma boa e velha dose de tequila?
— Para tomar um ar! — ela retrucou, puxando as cortinas e me cegando temporariamente com a luz do dia. — Parece um morcego, menina. Precisa ver gente, se mexer, fazer alguma coisa que não envolva reclamar e comer besteira.
Bufei, me sentando de qualquer jeito.
— Mas reclamar e comer besteira são os pilares da minha existência neste momento.
Marta cruzou os braços, me encarando como se fosse minha mãe.
— Levanta. Vai tomar um banho, colocar uma roupa decente e sair. Nem que seja para andar na rua e olhar a vida alheia. Você precisa de inspiração, não precisa?
Suspirei dramaticamente, mas ela estava certa. Talvez o universo não fosse me enviar um sinal divino enquanto eu estivesse largada na cama com migalhas de biscoito na roupa. Quem sabe, sair um pouco não fosse uma ideia tão ruim assim.
*
Andei pelas ruas movimentadas de São Paulo sem um destino definido. O sol quente batia no meu rosto, e o cheiro de café fresco das padarias me fez pensar que talvez a vida ainda tivesse pequenos prazeres a oferecer.
Foi então que parei em frente a uma floricultura. Um daqueles lugares que costumava ignorar, mas que, naquele momento, me fez refletir.
Nos meus livros, minhas protagonistas sempre ganhavam flores. Sempre havia um gesto romântico, um buquê deixado na porta, um vaso colorido na mesa da cozinha. Mas na vida real? A única flor que eu já tinha ganhado foi um arranjo do meu ex quando ele esqueceu nosso aniversário e tentou se redimir.
Ridículo.
Entrei na loja, determinada. O cheiro das flores misturava notas doces e terrosas, e me fez sentir algo que eu não sentia há um tempo: carinho por mim mesma. Escolhi um buquê de girassóis, vibrantes e alegres, como se fossem pequenos raios de sol em forma de planta.
— Para presente? — a atendente perguntou, embalando as flores com delicadeza.
Sorri.
— Sim. Para mim mesma.
Talvez eu não tivesse um romance digno de livro naquele momento, mas isso não significava que eu não pudesse me tratar como uma protagonista.
Segurei o buquê e continuei caminhando, observando os detalhes da cidade ao meu redor. Pessoas apressadas, carros buzinando, crianças correndo de mãos dadas com os pais. Tudo tão cheio de vida e ao mesmo tempo tão distante de mim.
Sentei-me em um banco na pracinha próxima e encarei as flores em meu colo. Tentei transformar aquele momento em algo inspirador, imaginar uma história, um romance novo. Mas nada fluía. Nenhuma ideia fazia sentido. Tudo parecia forçado, clichê, vazio.
Suspirei, frustrada. Talvez o problema não fosse a falta de ideias. Talvez o problema fosse eu.
Balancei a cabeça. Como eu podia escrever sobre sentimentos, emoções intensas e gestos grandiosos, se eu mesma estava presa em uma bolha de exaustão e bloqueio criativo?
Talvez eu precise sentir alguma coisa nova. Talvez precisasse sair da minha cabeça, viver alguma coisa que não envolvesse apenas ficção.
Mas como? Essa era a questão.
Na manhã seguinte, acordei cedo. O céu ainda estava azul-acinzentado, o barulho dos carros começava a surgir lá embaixo, e Martinha já estava no batente, resmungando que eu precisava “voltar a comer feito gente”.Depois de um café apressado, sentei na mesa da sala com o manuscrito antigo diante de mim. O tal livro que a editora queria. A obra que eu havia deixado pela metade antes de fugir para Monte Verde com a cabeça cheia e o coração cansado.Li as primeiras páginas em silêncio, mas logo comecei a franzir a testa. Era como se outra pessoa tivesse escrito aquilo. As palavras estavam ali, bem organizadas, mas faltava alma. Faltava verdade.Peguei uma caneta. Suspirei. E comecei.A protagonista, antes fria e distante, ganhou rugas de humanidade. Eu dei a ela uma vizinha excêntrica e acolhedora — com olhos brilhantes, uma risada fácil e um dom quase mágico de aparecer sempre quando era mais necessário. O nome dela? Gertrudes, claro. Porque ninguém nunca será como Dona Ge, mas eu podia
Enquanto Martinha resmungava sobre e ter aparecido sem aviso prévio e esquentava o leite, aproveitei pra contar sobre Monte Verde.Falei sobre o chalé que parecia ter saído de um filme, da vista cheia de verde que me fazia respirar fundo de verdade. Das galinhas d’angola que gritavam “tô fraca” o dia inteiro, da Giselda que havia criado um laço muito estranho de ódio e amor comigo, e que eu secretamente adotei como minha companheira espiritual.— Teve um dia que tentei consertar a tomada do quarto — continuei, rindo. — Achei que estava arrasando, toda independente. Quase queimei os dedos e fiquei com um cheiro de fio queimado no cabelo por dois dias.Martinha arregalou os olhos.
O sol ainda não tinha nascido direito quando comecei a arrumar minha mala. Cada dobra de roupa parecia carregar um pouco da minha ansiedade — e da certeza de que aquele era um passo necessário, mesmo que custasse um pedaço do meu coração.Dona Gertrudes apareceu na cozinha com uma cesta de pão fresco e um olhar cheio de carinho.— Vai com calma, menina. Não precisa correr. Vai resolver o que tem que resolver, mas aqui tem sempre um cantinho guardado pra você — disse, com um sorriso doce.Aquele gesto simples me trouxe conforto, e por um momento a vontade de ficar quase venceu.Zeca apareceu na porta do chalé, com o olhar quieto, como sempre. Não disse nada, só deixou um pacote p
Fiquei parada ali, com o cheiro do bolo se misturando ao nó na garganta. O barulho das galinhas d’angola lá fora parecia até zombar da minha indecisão. “Tô fraca”, elas gritavam. Eu também, minhas amigas. Eu também.— Vai querer outra fatia? — a voz de Dona Gertrudes cortou o ar, suave, mas firme.Me virei devagar. Ela estava encostada na pia, braços cruzados, um sorrisinho sapeca no canto dos lábios. Olhar de quem tinha assistido o filme inteiro com pipoca na mão.— A senhora viu isso, né? Ele nem me deixou falar!— Só vi dois jovens inteligentes tropeçando nos próprios sentimentos como dois pintinhos tontos. Nada demais.Revirei os olhos, sentando de novo.— E então? O que a senhora acha que eu devo fazer?Ela pegou um pano e começou a secar uma caneca que nem estava molhada.— Ah, Alice… vocês, jovens de hoje, adoram complicar o que é simples. Parece que se não doer, não vale. Quer um conselho? — Pausou, erguendo a sobrancelha. — Não vou dar.Arregalei os olhos.— Como assim não va
Acordei com o som mais característico de Monte Verde: o grito esganiçado e insistente das galinhas d’angola. Era como se elas tivessem feito um coral desafinado para lembrar todo mundo que o dia tinha começado — gostando ou não.— Tô fraca! Tô fraca! — gritavam elas pelo quintal, com um desespero que parecia cômico, mas... completamente compreensível.Abri a janela e observei uma delas, meio descabelada, se é que galinha pode ser descabelada, andando de um lado para o outro com ares de quem já tinha desistido da vida cinco vezes só naquela manhã — e mesmo assim seguia firme, marchando como uma soldada cansada.— Adoro essas galinhas d’angola — murmurei sorrindo, sentindo Zeca abraçar minha cintura por trás de mim e depositar um beijo no meu ombro. — Ficam gritando "tô fraca" o dia todo, mas continuam andando e seguindo, porque não tem mais o que fazer. Me identifico.Espreguicei os braços e falei continuei:— Eu vivo dizendo "não aguento mais", e continuo aguentando dia após dia. Duas
O sol já começava a se esconder atrás das montanhas quando me sentei na varanda com o caderno no colo e uma caneca de chá nas mãos. A brisa de Monte Verde era diferente no fim da tarde — tinha cheiro de terra úmida e alguma coisa que lembrava saudade. As palavras finalmente voltavam a me visitar, aos poucos. Não em enxurradas, como antes, mas em gotas pacientes, como a chuva fina que amolece o solo seco.Ouvi passos na trilha de pedra. Não precisei levantar os olhos para saber quem era.— Achei que você não fosse se despedir — falei, ainda encarando o papel em branco.— E perder a chance de tomar um chá ruim na sua varanda? — ele respondeu, com aquele sorriso torto de sempre.Levantei o olhar. Lucas estava ali, com a mochila pendurada num ombro, os cabelos bagunçados e o olhar leve — mais leve do que nos últimos dias.— Estou voltando pra São Paulo amanhã — disse, se encostando no batente da varanda. — Vim agradecer. Por tudo. E... esclarecer o que talvez tenha ficado mal entendido.F
Último capítulo