A noite havia caído sobre a cidade quando Maximiliano conduziu Valentina através de uma
porta oculta em seu apartamento. Desceram por uma escadaria de metal que levava a um subsolo que ela jamais soubera que existia. O ar era mais frio ali, carregado de uma tensão que fazia seus nervos se eriçarem. - O que é este lugar? - perguntou, sua voz ecoando pelas paredes de concreto. - O coração do nosso império, - respondeu ele, digitando um código complexo numa porta de aço. - Onde as decisões reais são tomadas. A porta se abriu revelando um complexo subterrâneo sofisticado. Dezenas de monitores mostravam feeds de câmeras espalhadas pela cidade, mapas digitais pulsavam com pontos de luz, e pessoas trabalhavam silenciosamente em computadores de última geração. - Bem-vinda ao centro de comando dos Blackwood, - anunciou Maximiliano, sua voz carregada de orgulho sombrio. Valentina caminhou lentamente pelo ambiente, absorvendo cada detalhe. Era como entrar no quartel-general de uma operação militar - ou criminal. - Quantas pessoas sabem sobre este lugar? - Apenas a família e nossos operadores mais confiáveis. Pessoas que juraram lealdade eterna aos Blackwood. - E o que acontece com quem quebra essa lealdade? O silêncio que se seguiu foi intenso. Maximiliano não precisou responder - a resposta estava nos olhos dele, fria e definitiva. - Maximiliano! - Uma voz familiar ecoou pelo espaço. Lorenzo Blackwood emergiu de uma sala lateral, acompanhado por três homens que Valentina não reconheceu. Todos vestiam ternos caros, mas havia algo em seus olhos - uma dureza que sugeria que eram muito mais do que simples empresários. - Pai, - cumprimentou Maximiliano. - Valentina, estes são nossos... parceiros de negócios. - Viktor Kozlov, apresentou-se um homem alto de sotaque eslavo, beijando a mão dela. - Ouvi muito sobre a futura Sra. Blackwood. - Giuseppe Torrino, - disse um italiano de meia-idade, seus olhos a avaliando com interesse profissional. - É uma honra. E este é Chen Wei, - completou Lorenzo, indicando um asiático elegante que apenas inclinou a cabeça respeitosamente. - Eles representam nossos interesses internacionais, - explicou Maximiliano. China respectivamente. Rússia, Itália e Valentina não era ingênua. Reconhecia os nomes dos países como centros de atividades... questionáveis. - Que tipo de interesses? - Diversos, respondeu Viktor com um sorriso que não chegou aos olhos. exportação, consultoria em segurança. - Importação, - Consultoria em segurança, repetiu ela lentamente. - Entre outras coisas, acrescentou Giuseppe. - Sua família tem uma reputação impressionante, Srta. Moreira. Muito impressionante mesmo. Minha família? - Valentina franziu a testa. - Eu não tenho família. Sou órfã. O silêncio que se seguiu foi carregado de tensão. Os três homens trocaram olhares significativos com Lorenzo e Maximiliano. - Querida, - disse Lorenzo suavemente, - Talvez seja hora de você conhecer a verdade. - Do que vocês estão falando? - O coração dela começou a bater mais rápido. Maximiliano se aproximou, seu rosto sério. - Valentina, você não é órfã. Pelo menos, não da forma que acredita. - Isso é impossível. Meus pais morreram num acidente de carro quando eu tinha dezesseis anos. - Seus pais adotivos, - corrigiu Lorenzo gentilmente. - Seus verdadeiros pais... bem, essa é uma história mais complexa. Chen Wei se adiantou, segurando uma pasta. - Srta. Moreira, seu verdadeiro nome é Valentina Rosetti. Filha de Marco Rosetti. O nome a atingiu como um raio. Mesmo sem conhecer a história completa, havia algo familiar e aterrorizante nele. - Marco Rosetti era o chefe da família mais poderosa desta cidade, - continuou Chen. - Até quinze anos atrás, quando foi... removido do poder. - Removido por quem? - perguntou, embora já soubesse a resposta. - Por nós, - admitiu Lorenzo sem rodeios. - Marco estava se tornando imprudente, chamando atenção desnecessária para nossas operações. Tivemos que tomar medidas. - Vocês o mataram, - disse ela, a voz saindo como um sussurro. - Eliminamos uma ameaça à estabilidade, - corrigiu Maximiliano. Valentina se afastou, o choque a deixando tonta. - E garantimos que sua filha crescesse em segurança, longe desse mundo. - Vocês mataram meu pai verdadeiro e depois… depois… - Depois nos apaixonamos, - completou Maximiliano, aproximando-se novamente. - Isso não foi planejado, Valentina. Foi destino. - Destino? - Sua voz subiu uma oitava. - Você chama de destino me seduzir depois de matar meu pai? - Eu não sabia quem você era quando nos conhecemos, - insistiu ele. - A descoberta da sua verdadeira identidade foi tão chocante para mim quanto está sendo para você. - Quando descobriu? - Há três dias, - admitiu relutantemente. - Quando ordenei a investigação completa sobre seu passado. Valentina sentiu suas pernas fraquejarem. Maximiliano se moveu para ampará-la, mas ela se afastou violentamente. - Não me toque! - Valentina, você precisa entender... - Entender o quê? Que estou grávida do filho do homem que assassinou meu pai? Que estou apaixonada pelo meu inimigo mortal? - Você herdou muito dele. A inteligência, a determinação, o instinto para o poder.- disse Viktor suavemente. - É por isso que você se sentiu atraída por este mundo, - acrescentou Giuseppe. - Por que não fugiu quando descobriu quem éramos. Está no seu DNA. - Vocês estão loucos, - murmurou ela, mas havia uma parte dela - uma parte escura e perturbadora que reconhecia a verdade naquelas palavras. - Seu pai era um homem poderoso, - disse Lorenzo. - Mas também era imprudente. Você tem o potencial de ser tudo que ele foi e mais. - Ao lado do homem que o matou. - Depressa ela retrucou. - Ao lado do homem que a ama mais do que a própria vida, - corrigiu Maximiliano, sua voz carregada de emoção genuína. Ao lado do pai do seu filho. Valentina colocou as mãos no ventre, protegendo instintivamente a vida que crescia ali. - Que tipo de criança nascerá desta união? Filho de inimigos mortais? - Uma criança que unificará dois impérios, - respondeu Chen. - Que terá o poder dos Blackwood e o sangue dos Rosetti. A combinação mais poderosa que já existiu nesta cidade. - É por isso que alguns dos nossos inimigos querem impedir este nascimento, - acrescentou Lorenzo. - Sabem que essa criança representará uma ameaça sem precedentes aos seus próprios interesses. A cabeça de Valentina estava girando. Informações demais, revelações demais, implicações demais para processar de uma vez. - Preciso sair daqui, - disse, dirigindo-se para a saída. - Valentina, espere, - chamou Maximiliano. - Não! - virou-se para encará-lo, lágrimas correndo pelo rosto. - Preciso de tempo para pensar. Preciso… - Você precisa aceitar quem você realmente é, - interrompeu ele. - A filha de Marco Rosetti. A futura esposa de Maximiliano Blackwood. A mãe do próximo imperador desta cidade. - E se eu não quiser ser nada disso? - Então você estará negando sua própria natureza, - respondeu Lorenzo. - E naturezas negadas têm o hábito de se manifestar de formas... destrutivas. Valentina olhou ao redor da sala, para os monitores mostrando o controle sobre a cidade, para os homens que representavam poder internacional, para a família que havia destruído a sua mas agora oferecia uma nova. - O casamento ainda acontecerá? - perguntou finalmente. - Se você quiser, - respondeu Maximiliano. - Mas agora sabe exatamente com quem está se casando. E quem você realmente é. - E nosso filho? - Será criado para ser um rei, - disse Lorenzo com convicção absoluta. - Ou uma rainha, se for menina. Valentina fechou os olhos, sentindo o peso da decisão que precisava tomar. Quando os abriu novamente, havia algo diferente neles, uma resolução fria que não estava lá antes. - Então que seja, - disse simplesmente. - Mas se vamos fazer isso, fazemos do meu jeito também. Não serei apenas uma esposa troféu carregando um herdeiro. Serei uma parceira de verdade. O sorriso que se espalhou pelo rosto de Maximiliano foi genuinamente admirativo. - Eu não esperaria menos da filha de Marco Rosetti. - E eu não esperaria menos da futura matriarca dos Blackwood, - acrescentou Adriana, que havia aparecido silenciosamente na entrada da sala. Valentina se virou, surpresa. - Há quanto tempo você está aí? - Tempo suficiente, - respondeu Adriana, aproximando-se com elegância predatória. - E devo dizer que estou impressionada com como você está lidando com... essas revelações. - Você sabia, não é? Desde o início. - Suspeitava, - admitiu Adriana. - Havia algo familiar em você. Algo que me lembrava de alguém que conheci há muito tempo. - Meu pai? - Sua mãe, na verdade. - Adriana parou diante dela, estudando seu rosto. - Isabella Rosetti era uma mulher extraordinária. Bela, inteligente, absolutamente letal quando necessário. - Ela também foi... eliminada? - Ela morreu protegendo você, - disse Lorenzo suavemente. - Quando atacamos a mansão Rosetti, ela lutou como uma leoa para dar tempo de você escapar. - Escapar para onde? - Para a família que a criou. - explicou Maximiliano. - Os Moreira eram aliados distantes dos Rosetti. Pessoas boas que aceitaram criá-la como filha própria, sem fazer perguntas. E eles sabiam? - Sabiam que você precisava de proteção. Sabiam que havia pessoas perigosas que poderiam machucá-la se descobrissem sua verdadeira identidade. - Valentina sentiu as lágrimas brotarem novamente. - O acidente de carro... - Então eles morreram por minha causa? - Não foi acidente, - confirmou Chen Wei gentilmente. - Inimigos dos Rosetti finalmente descobriram onde você estava. Os Moreira morreram protegendo seu segredo até o fim. - Quantas pessoas morreram por minha causa? - sussurrou ela. - Não por sua causa, - corrigiu Maximiliano firmemente. - Por causa de uma guerra que começou antes de você nascer. Uma guerra entre famílias que disputavam o controle desta cidade. - Uma guerra que agora pode terminar, - acrescentou Viktor. - Com a união das duas linhagens mais poderosas. - Ou pode se intensificar, - disse Giuseppe. - Há facções que prefeririam ver ambas as famílias destruídas a permitir essa união. - É por isso que a segurança foi intensificada, - explicou Lorenzo. - É por isso que o casamento deve acontecer rapidamente. Cada dia que passa é um dia a mais para nossos inimigos planejarem. Valentina caminhou até um dos monitores, observando as imagens da cidade que pulsava lá fora. Milhões de pessoas vivendo suas vidas, completamente alheias ao fato de que seu destino estava sendo decidido num subsolo por um grupo de pessoas que operava nas sombras. - Se eu aceitar isso, - disse lentamente, - se me casar com você e criar nosso filho neste mundo, quero garantias. - Que tipo de garantias? - perguntou Maximiliano. - Primeiro, quero acesso total a todas as operações. Nada de me manter na ignorância para minha própria proteção. - Concedido, - respondeu ele sem hesitação. - Segundo, quero voz ativa nas decisões que afetam nossa família. Não serei uma esposa decorativa. - Também concedido. - E terceiro, - ela se virou para encará-los, - quero os nomes de todos os responsáveis pela morte dos meus pais adotivos. Todos. O silêncio que se seguiu foi carregado de tensão. Finalmente, Lorenzo falou: - Valentina, vingança é um caminho perigoso... - Não vingança, - corrigiu ela, sua voz ganhando uma dureza que surpreendeu a todos. - Justiça. Eles mataram pessoas inocentes. Pessoas que me amaram e protegeram. Isso não pode ficar impune. Maximiliano se aproximou, seus olhos brilhando com algo que parecia orgulho sombrio. - E o que você faria com esses nomes? - O que vocês fariam, - respondeu ela simplesmente. - com inimigos que ameaçam a família? - O que os Blackwood sempre fazem. - Adriana respondeu. - Você se tornará uma de nós completamente. Uma vez que você cruzar essa linha, não há volta. Valentina olhou ao redor da sala mais uma vez - para os monitores de vigilância, para os homens perigosos, para a família que havia destruído a sua mas agora oferecia poder e proteção. Quando falou, sua voz estava firme e fria: - Eu já sou uma de vocês. O sangue Rosetti em minhas veias, o filho Blackwood em meu ventre... Nasci para este mundo, apenas não sabia disso. - Então seja bem-vinda à família, - disse Lorenzo com um sorriso aprovador. - E bem-vinda ao seu verdadeiro destino, - acrescentou Maximiliano, puxando-a para seus braços. Quando ele a beijou, foi diferente de todos os beijos anteriores. Não era apenas desejo ou possessividade, era reconhecimento. O reconhecimento de que ela não era mais a arquiteta ingênua que havia entrado em seu escritório semanas atrás. Era Valentina Rosetti Blackwood, filha de um império, esposa de outro, e mãe do futuro. - Agora, - disse ela quando se separaram, - me mostrem tudo. Cada operação, cada aliado, cada inimigo. Se vou ser rainha deste reino sombrio, preciso conhecer cada canto dele. - Com prazer, - respondeu Maximiliano, e pela primeira vez desde que se conheceram, Valentina sentiu que eram verdadeiramente iguais. A transformação estava completa. A arquiteta havia morrido, e em seu lugar nascera algo muito mais perigoso, uma Blackwood de verdade.