Dois dias após as revelações no subsolo, Valentina se encontrava num warehouse abandonado nos arredores da cidade.
O local cheirava a óleo e metal enferrujado, e o único som eram seus próprios passos ecoando no concreto frio. Maximiliano estava ao seu lado, tenso mas respeitoso de sua decisão. - Você tem certeza disso?- perguntou pela décima vez. - Pare de me perguntar isso, - respondeu ela, ajustando as luvas de couro que havia escolhido usar. - Você faria a mesma coisa se alguém tivesse matado Adriana e Lorenzo. - Sim, faria, - admitiu ele. - Mas eu fui criado neste mundo. Você... - Eu carrego o sangue dos Rosetti, - interrompeu, sua voz ganhando uma frieza que ainda a surpreendia. - E aparentemente, isso significa mais do que eu imaginava. Na frente deles, três homens estavam amarrados a cadeiras de metal. Eram os responsáveis pela morte dos Moreira - mercenários contratados por uma facção rival que havia descoberto a verdadeira identidade de Valentina anos atrás. O homem do meio, claramente o líder, ergueu a cabeça quando ela se aproximou. Seus olhos estavam inchados por espancamentos anteriores, mas ainda brilhavam com desafio. - Então você é a famosa filha perdida dos Rosetti, - disse com voz rouca. - Não parece grande coisa. Valentina parou diante dele, estudando seu rosto com curiosidade clínica. - Você conhecia meus pais? Os verdadeiros? - Conhecia Marco, cuspiu ele. - Arrogante filho da puta. Achava que era invencível. - E minha mãe? - Isabella? - O homem sorriu cruelmente. - Ela gritou muito quando morreu. Implorou pela vida da filhinha até o último suspiro. A raiva que explodiu dentro de Valentina foi como nada que já havia sentido. Era primitiva, visceral, consumindo toda racionalidade. Mas ao invés de perder o controle, sentiu uma frieza mortal se estabelecer em seus ossos. - E os Moreira? - perguntou com voz calma. - Eles também imploraram? - O velho tentou ser corajoso. Mas a mulher... ela chorou bonito quando percebeu que não ia ver a filhinha adotiva crescer. Maximiliano deu um passo à frente, mas Valentina o deteve com um gesto. Caminhou até uma mesa onde diversos instrumentos estavam dispostos. Ferramentas que Lorenzo havia explicado serem úteis para extrair informações. - Sabe o que é interessante? - disse, pegando uma lâmina fina e afiada. - Meus pais adotivos me deram tudo. Amor, educação, uma chance de vida normal. E vocês tiraram isso de mim. - Era só negócios, - murmurou o homem, mas pela primeira vez havia medo em sua voz. - Negócios, - repetiu ela, testando o fio da lâmina contra o próprio polegar. Uma gota de sangue apareceu. - Interessante como vocês sempre usam essa palavra para justificar horror. - Ela se aproximou novamente, a lâmina brilhando na luz fraca do warehouse. - Vou fazer uma pergunta simples. Quem ordenou a morte dos Moreira? Quem pagou vocês? - Vá se foder, princesa. A lâmina se moveu tão rápido que o homem nem teve tempo de reagir. Um corte superficial apareceu em sua bochecha, sangue escorrendo lentamente. - Resposta errada, - disse Valentina calmamente. - Jesus Cristo, - sussurrou um dos outros homens. - Ela é louca como o pai. - Não sou louca, - corrigiu ela, limpando a lâmina num pano. - Sou focada. Vou perguntar novamente: quem ordenou o assassinato? - Carmine Torretti, - gaguejou o terceiro homem, quebrando antes dos outros. - Foi Carmine Torretti. Ele descobriu onde você estava e queria eliminar qualquer chance de você voltar para reclamar a herança Rosetti. Valentina se virou para Maximiliano. - Conhece este nome? - Primo distante do Giuseppe, - respondeu ele, o rosto sombrio. - Lidera uma facção menor que sempre se opôs à nossa aliança com os italianos. - Onde posso encontrá-lo? - Valentina... - começou Maximiliano, mas ela o interrompeu com um olhar gelado. - Onde? - Tem um restaurante no centro da cidade. Usa como base de operações. Ela assentiu, voltando sua atenção para os prisioneiros. - Obrigada pela informação. Agora, sobre o pagamento pelas mortes dos Moreira... - Espera, espera! - gritou o líder. - Nós te dissemos o que queria saber! - Disseram. E eu aprecio a cooperação. - Valentina sorriu, mas não havia calor na expressão. - Infelizmente, isso não traz meus pais de volta. O que aconteceu nos minutos seguintes mudou Valentina para sempre. Não foi brutal ou sádico - foi eficiente, quase cirúrgico. Cada movimento calculado, cada corte preciso. Quando terminou, três homens estavam mortos e suas mãos estavam manchadas de sangue. Maximiliano se aproximou cautelosamente. - Como se sente? Valentina olhou para as próprias mãos, esperando sentir horror, nojo, arrependimento. Mas só havia uma satisfação fria e completa. - Sinto-me... completa, - admitiu, surpreendendo-se com a honestidade. - Como se uma parte de mim que estava adormecida finalmente tivesse despertado. - O sangue Rosetti, - murmurou ele, não sem admiração. - Seu pai teria ficado orgulhoso. - E agora? - perguntou ela, permitindo que ele a ajudasse a limpar as mãos. - Agora vamos atrás de Carmine Torretti. - Nós? - Maximiliano sorriu - um sorriso predatório que ela estava aprendendo a amar. - Você acha que eu perderia a oportunidade de ver minha futura esposa reivindicar sua herança? Além disso, seus olhos escureceram, - ele ameaçou o que é meu. Isso não fica impune. Duas horas depois, eles estavam sentados num café do outro lado da rua do restaurante de Carmine. Valentina havia trocado a roupa suja de sangue por um vestido elegante e discreto. Qualquer um que a visse pensaria que era apenas uma mulher bonita tomando café com o namorado. - Quantos homens ele tem? - perguntou, observando o movimento no restaurante. - Talvez dez, quinze no máximo, - respondeu Maximiliano. - Carmine sempre foi pequeno em comparação com as famílias principais. - E nossa equipe? - Vinte homens posicionados ao redor do quarteirão. Lorenzo coordenando da central, Marcus liderando a equipe tática. Valentina assentiu, sentindo uma excitação estranha correndo por suas veias. Era como se todo seu treinamento arquitetônico - a capacidade de visualizar estruturas, antecipar problemas, planejar soluções - estivesse sendo aplicado a algo completamente diferente mas igualmente satisfatório. - Ele sabe que estamos vindo? - perguntou. - Provavelmente suspeita. Carmine não é estúpido, apenas imprudente. - Bom. Quero que ele saiba. Quero que tenha tempo para se arrepender antes de morrer. Maximiliano a estudou com fascínio crescente. - Você realmente mudou, não é? - Não mudei, - corrigiu ela, colocando a mão sobre o ventre onde seu filho crescia. - Apenas me tornei quem sempre fui destinada a ser. - E quem é essa pessoa? Valentina sorriu, e pela primeira vez foi um sorriso genuinamente cruel. - A rainha que esta cidade merece. A mãe que criará o próximo imperador. A mulher que fará os inimigos dos Blackwood se arrependerem de terem nascido. - Eu te amo, disse ele simplesmente, e havia reverência em sua voz. - Eu sei, - respondeu ela, levantando-se. - Agora vamos terminar isso.