O som dos talheres a bater nos pratos de porcelana era irritantemente ritmado. Mel tentava manter um sorriso discreto enquanto ouvia, pela terceira vez naquela noite, a mãe de Dário contar a história da primeira vez que viu o filho usar gravata. Era um jantar de família, mas sentia-se como se estivesse num teatro — e ela, claramente, não era a estrela principal, mas apenas uma peça no cenário montado.
A mesa estava impecável, decorada com flores brancas e taças de cristal. O ambiente exalava sofisticação, mas faltava-lhe alma. A conversa era feita de elogios forçados, risadas contidas e expectativas não ditas. Dário, sentado ao seu lado, mantinha a mão repousada no encosto da cadeira dela. Um gesto que parecia carinhoso, mas que a prendia como uma algema. — Mel, querida — disse a mãe de Dário, inclinando-se para ela —, espero que estejas a cuidar bem do meu filho. Ele merece o melhor. Mel forçou um sorriso. Quis responder que estava a fazer o melhor que podia, mas as palavras pareceram fracas. — Estamos a preparar tudo com muito carinho — respondeu, evitando o olhar de Dário, que a fitava como quem lê entrelinhas. — E os teus pais, minha querida? Ainda estão em Inhambane? — Sim, vêm para Maputo em agosto, a tempo do casamento. — Ótimo. É importante que todos estejam presentes num dia tão especial. Dário apertou-lhe a mão de leve por baixo da mesa. Era o tipo de gesto que, aos olhos dos outros, parecia doce. Mas ela conhecia-o. Era um aviso. "Mantém a postura. Sê perfeita." Durante todo o jantar, Mel lutava contra as memórias frescas do dia anterior. O olhar de Alessandro, a voz rouca, a forma como os dedos dele tocaram os dela — tudo parecia uma fantasia. E, no entanto, fora tão real. Mais real do que tudo à sua volta naquela sala. — Amor, conta à minha mãe sobre os convites — pediu Dário, sorrindo com aquele ar de dono do mundo que tanto o caracterizava. Mel respirou fundo. — Já estão quase prontos. Escolhemos um papel artesanal com detalhes em relevo. Só falta confirmar a gráfica. — Boa menina — elogiou a futura sogra, com um sorriso orgulhoso. Mel sentiu-se como uma criança a receber uma estrela dourada por bom comportamento. O elogio, longe de a animar, apertou-lhe o peito. Queria gritar. Fugir. Perguntar por que ninguém ali a via de verdade. — E os padrinhos? Já decidiram? Dário respondeu por ela. — Ainda estamos a fechar. Mas quero o Tomás e o Rui do meu lado. Mel ainda está indecisa com as madrinhas. — Estás a demorar muito, Mel — comentou a mãe dele, com um tom suave, mas afiado. — Já devias saber quem são as tuas amigas mais chegadas. Mel sorriu de forma mecânica. Luna seria a sua madrinha, claro. Mas até isso parecia pouco importante quando tudo à sua volta se desmoronava em silêncio. No carro, a caminho de casa, o silêncio pesava mais do que qualquer conversa. Dário mantinha os olhos fixos na estrada, as mãos firmes no volante. — Estavas estranha hoje — disse, finalmente. — Estou cansada. Muito trabalho, muita pressão com os preparativos... — Tu escolheste este casamento, Mel. Ninguém te obrigou. Ela não respondeu. Porque ele tinha razão. Mas, ao mesmo tempo, estava profundamente enganado. Ela não o escolheu — escolheu agradar. Escolheu fazer o que era esperado. — Queres parar para um café? — ele perguntou, talvez tentando amenizar. — Não. Só quero chegar a casa. Dário assentiu, o maxilar tenso. Mel sabia que ele não lidava bem com recusas, mas naquele momento não lhe importava. Ao chegar a casa, retirou os sapatos assim que entrou. Caminhou descalça até ao quarto, ignorando o toque do telemóvel. Só depois, ao verificar, viu uma mensagem de um número desconhecido: > “Hoje comecei outro desenho. Acho que vais gostar. – A.” O coração dela bateu mais rápido. Era como se alguém tivesse acendido uma chama no meio da escuridão. Ela não respondeu. Mas ficou ali, deitada, a olhar para o ecrã iluminado, com um sorriso leve a nascer nos lábios. E, pela primeira vez em muito tempo, adormeceu a pensar em possibilidades — e não em obrigações.