O noivo

O relógio no pulso de Mel parecia mais pesado a cada dia que passava. Ela ainda não conseguira tirar da cabeça o encontro com Alessandro, mas sabia que precisava se concentrar no que realmente importava: o casamento.

Ao chegar em casa, encontrou Dário na sala, observando atentamente um relatório financeiro no tablet. Estava de camisa branca e calças cinzentas, impecavelmente passado, como sempre. Ele levantou os olhos, forçou um sorriso, mas algo no seu olhar a fazia sentir-se avaliada. Amada? Talvez. Mas sempre como se fosse um projeto a ser melhorado.

— Como foi a reunião hoje? — perguntou ele, os olhos ainda fixos no ecrã.

— Foi... tranquilo — respondeu Mel, tentando disfarçar o turbilhão dentro de si. O contraste entre a leveza do encontro com Alessandro e a rigidez daquela casa criava um ruído constante na sua cabeça.

— Quero que revises os preparativos do casamento até ao fim da semana. Não podemos mais perder tempo com detalhes pequenos, Mel. Preciso de tudo perfeito.

Ela assentiu em silêncio. “Preciso”. A palavra soou mais como uma ordem do que um pedido. Nos últimos meses, “nós” tornara-se “eu preciso” quando se tratava de decisões do casamento. Dário queria um evento grandioso, digno da sua reputação. E Mel, perdida entre o que queria e o que era esperado, seguia a corrente, mesmo sentindo-se cada vez mais afogada.

— Claro, Dário. Vou cuidar disso — respondeu, a voz baixa.

Ela virou-se, caminhando em direção ao quarto. Mas antes de sair, ele voltou a falar:

— Mel, antes que me esqueça, vais ao jantar com os meus pais amanhã, certo? Tenho que dar a impressão de que estamos bem, que somos uma família sólida.

Ela parou. As palavras ecoaram como uma sentença. “Dar a impressão”. Nada sobre partilhar uma noite agradável, ou sobre estarem juntos. Era tudo aparência. 

— Sim, vou — respondeu, num fio de voz.

Ele apenas voltou ao seu trabalho, como se a conversa tivesse terminado. Mel seguiu para o quarto, sentindo-se pequena. Largou a pasta sobre a cama e olhou-se ao espelho. Tinha olheiras. A expressão cansada. Onde estava a mulher que antes sonhava com um amor verdadeiro?

Abriu o roupeiro. O vestido de noiva ainda estava lá, envolto em plástico, pendurado como um símbolo de tudo o que deveria ser perfeito. Aproximou-se e tocou o tecido com a ponta dos dedos. Era lindo, claro. Mas ela não sentia nada. Não havia magia. Apenas obrigações.

Sentou-se na cama e fechou os olhos. E lá estava ele de novo — Alessandro. Os olhos intensos, a voz rouca, os dedos manchados de carvão. Lembrou-se da sensação que teve ao tocar na mão dele. Foi como acordar de um longo sono. Sentir-se vista. Sentir-se viva.

O telemóvel vibrou. Uma mensagem de Luna:

“Amiga, estás viva? Precisamos conversar. Algo me diz que tu não estás bem.”

Mel hesitou. Luna era sua melhor amiga desde o tempo da universidade. Sabia ler os silêncios dela melhor do que ninguém.

“Jantar amanhã com os pais do Dário. Mas podemos almoçar? Preciso mesmo de ti.”

A resposta veio em segundos:

“Claro. Amanhã às 13h no Café Acácia. E quero detalhes.”

Mel sorriu, pela primeira vez naquele dia. Luna seria o seu porto seguro. Precisava de alguém que não estivesse preso a listas de convidados, provas de bolo e expectativas irreais. Alguém que a lembrasse de quem ela era — ou costumava ser.

Antes de dormir, sentou-se junto à janela e abriu o bloco de notas do telemóvel. Começou a escrever. Não sabia bem o quê — pensamentos soltos, fragmentos de sentimentos. E no meio das palavras, sem perceber, escreveu:

“Será possível viver em dois mundos ao mesmo tempo? Um de segurança e aparência. Outro de paixão e verdade.”

Salvou o texto e apagou a luz. Mas demorou a adormecer. Porque, lá no fundo, sabia que aquela pergunta ia acompanhá-la nos dias que viriam. E que, mais cedo ou mais tarde, teria de escolher.

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