Entre dois Mundos
Entre dois Mundos
Por: Tawila SM
O Encontro

O som dos saltos de Mel ressoava nas calçadas de Maputo enquanto o sol se despedia por trás dos prédios, pintando o céu com tons de laranja e lilás. Cada passo seu ecoava como se marcasse o compasso de uma vida cuidadosamente coreografada. Vestia um elegante vestido azul-marinho, justo no corpo, combinando com a pasta de couro onde guardava os convites do casamento. O cabelo preso num coque baixo e o perfume discreto completavam o visual de mulher decidida. Mas dentro dela, algo estava longe de estar em ordem.

Tinha acabado de sair de mais uma reunião sobre o casamento com Dário. A lista de convidados estava quase fechada, os contratos com os fornecedores assinados, e o local escolhido. Tudo parecia caminhar como esperado, mas Mel não sentia o calor da felicidade. Em vez disso, sentia um vazio crescente, como se estivesse a viver a vida de outra pessoa — alguém que apenas representava o papel da noiva perfeita.

Ao dobrar a esquina do Parque dos Continuadores, um murmúrio chamou a sua atenção. Havia uma pequena multidão reunida em volta de algo no chão. Primeiro hesitou, mas o tédio da tarde e a vontade de respirar algo diferente a fizeram atravessar a rua.

Aproximou-se com passos lentos. No centro da roda de pessoas, um homem desenhava diretamente na calçada com pedaços de carvão. Os traços que saíam de suas mãos eram intensos, quase vivos, formando o rosto de uma mulher com expressão de angústia e desejo. Era arte crua, sem filtros — e, de alguma forma, Mel sentiu que aquele desenho falava dela.

O artista era jovem, mas os olhos revelavam uma alma antiga. As mãos sujas de carvão moviam-se com precisão, e o olhar firme parecia atravessar qualquer um que se aproximasse. O cabelo castanho-escuro caía levemente sobre a testa, e havia algo nos ombros largos e postura confiante que o tornavam impossível de ignorar.

Quando levantou o rosto e os olhares se cruzaram, Mel sentiu o tempo parar por um segundo.

— Gostas de arte? — perguntou ele, a voz rouca, segura, com um leve sotaque que ela não conseguiu identificar. Tinha o tipo de voz que não se esquece facilmente.

Mel hesitou. Estava ali por impulso, mas algo naquele homem a desarmava por completo.

— Gosto... especialmente da que me obriga a parar — respondeu, quase sem pensar.

Ele sorriu, não com arrogância, mas com uma serenidade provocadora, como se já a conhecesse de algum sonho.

— Chamo-me Alessandro.

Ele estendeu a mão suja de carvão, sem vergonha, sem filtros. A palma aberta diante dela parecia um convite — não só para um cumprimento, mas para um mundo desconhecido.

Mel olhou para a mão dele, depois para a sua. O anel de noivado brilhava discretamente no dedo anelar, lembrando-a de Dário, o homem que a esperava com expectativas e listas, com segurança e promessas. Lembrou-se do vestido branco guardado num armário, das flores escolhidas, dos votos que ainda nem conseguira escrever.

Mas naquele instante, tudo isso parecia distante. Frio. Artificial.

Ela estendeu a mão, tocando a dele. Foi um gesto simples, mas carregado de electricidade. O toque foi quente, firme, e pareceu durar mais do que devia.

— Mel — disse, e o seu nome soou diferente ao sair dos próprios lábios.

— É um nome bonito. Combina contigo.

Ela sorriu, apesar de si mesma. Alessandro voltou a baixar os olhos para o desenho, mas continuou a falar.

— Sabes o que me inspirou hoje? A sensação de estar preso num mundo... enquanto se sonha com outro.

Mel sentiu o estômago revirar. Era como se ele tivesse lido a alma dela.

— Às vezes, os sonhos assustam mais do que a realidade — disse ela, surpreendendo-se com a própria sinceridade.

— Mas são os únicos que valem a pena — respondeu ele, olhando-a de novo.

E naquele momento, Mel soube — com uma certeza que não sentira nem no dia do noivado — que a sua vida acabava de mudar.

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