Após uma traição mortal, Padgett, uma shifter de lobo, retorna cinco anos depois para encontrar seu mundo irreconhecível. Dada como morta, ela descobre que sua irmã mais nova está casada com seu ex-noivo, e uma guerra pelo poder do Supremo Alfa ameaça destruir todas as alcateias. Agora, Padge está entrelaçada com uma alcateia poderosa e seu Alfa temido, um homem envolto em mistérios e um dos poucos Lycans ainda vivo, Alfa Lorcan. Mas à medida que o vínculo entre eles se intensifica, Padge percebe que seu coração pode ser sua maior fraqueza. No meio da batalha pelo controle supremo, seus sentimentos confusos pelo Alfa Lorcan podem não apenas complicar seus planos de vingança, mas também revelar verdades que ambos não estão preparados para enfrentar. Em um jogo de poder e paixão, até onde Padge está disposta a ir para proteger aqueles que ama, e ela própria?
Ler maisO movimento oscilante da caminhonete, somado ao vento gélido que descia das montanhas e à sombria expectativa acumulada em meu peito, fazia meu corpo estremecer. Uma manta fina era a única proteção contra o frio, cobrindo minha silhueta esguia por cima de um vestido leve e amassado, impregnado com o cheiro salgado da maresia — um lembrete cruel dos últimos anos.
Aquele cheiro. Como eu o odiava.
A estrada, diante de nós, era um mosaico de irregularidades. A cada solavanco, meu tornozelo lesionado latejava com uma dor que parecia rasgar os nervos. Encolhi-me instintivamente, tentando proteger a ferida.
— Já estamos chegando, criança — anunciou a senhora sentada no banco à minha frente, ao lado do motorista.
Mesmo com a mata densa ao redor e a luz fraca da lua filtrada pelas árvores, minha visão aprimorada de shifter — uma metamorfa de sangue lobo — me permitia captar cada detalhe de suas feições. Assim como meu olfato, não deixava dúvidas: ela era uma loba anciã.
Seus olhos cansados carregavam um brilho acolhedor, o rosto marcado pelas rugas do tempo contrastava com o sorriso gentil. Mas meu instinto gritava: não confie.
“Quão rápido ela se transformaria se eu tentasse fugir?”, provocou uma voz sussurrante dentro de mim.
Afastei o pensamento com um leve balanço de cabeça. Ela parecia inofensiva, mas se os últimos cinco anos me ensinaram algo, foi que as aparências enganam. E, às vezes… até matam.
— Acabamos de atravessar os limites da alcateia. Assim que chegarmos, vou providenciar roupas limpas e quentes para você, tudo bem? — Seus cílios falhos piscaram para mim por cima do ombro.
— Onde estamos? — Minha voz saiu rouca, quase um sussurro arranhado pela secura da minha garganta.
A água havia acabado horas atrás. Minha boca estava seca, minha garganta ardia e cada centímetro do meu corpo latejava, dormente, por tanto tempo sentada.
— Nordeste de Eldrida. Estamos na floresta entre as montanhas litorâneas de Corallia. A cidade mais próxima fica a alguns bons quilômetros daqui — respondeu o motorista, um senhor robusto com olhos atentos, que cheirava a sal e metal.
Percebi que ambos eram um casal pela forma como se tratavam, com uma ternura discreta. Mesmo quando pensaram que eu estava dormindo no banco de trás da caminhonete, ouvi as risadas e o tom cúmplice nas conversas baixas.
Eu conhecia Eldrida. Uma região pequena, em sua maioria habitada por humanos. Fazia anos que eu não passava por lá, mas lembrava que meu pai gostava de levar a família até aquelas praias.
Por um segundo, a memória do rosto dele tentou invadir meus pensamentos. Afastei.
Já estávamos naquele veículo havia horas, desde que saí da ilha onde fui encontrada, quando o sol ainda não tinha alcançado o meio do céu. Não entendia como aquele casal havia me achado, nem o que faziam em um lugar tão isolado.
Ninguém ia àquela ilha. Ninguém voltava de lá.
Eu mesma nunca tinha ouvido falar dela até ser jogada ali. E mesmo depois de todo esse tempo… não sabia exatamente onde ela ficava.
Foram cinco anos. Eu contei os invernos. Cinco longos invernos.
— Nunca ouvi falar de uma alcateia entre as montanhas daqui — comentei, tentando manter o tom de voz neutro.
Lembrei de quando admirava aquelas montanhas de longe, sentada nos ombros do meu pai. Ele sempre dizia que aquela floresta era perigosa demais para qualquer matilha se estabelecer.
— O caminho é difícil, poucos se arriscariam. Mas do jeito que as coisas estão… — A mulher parou a frase no meio, como se a resposta estivesse explícita.
“Do jeito que as coisas estão” Algo no jeito que ela falou fez um arrepio subir pela minha espinha.
Antes que eu perguntasse, o motorista interveio.
— Hoje os machos saíram para caçar. Teremos um banquete. Quem sabe carne de rena.
— Oh, sim! — sua companheira completou, animada. — Você deve estar com fome, não é?
O ronco alto e constrangedor do meu estômago respondeu por mim.
Os dois riram, um som aquecido demais para o gelo que eu sentia por dentro.
A fome me seguia como uma sombra desde o dia em que fui jogada naquela ilha esquecida. Peixes, raízes, insetos… O que encontrava, eu comia. Não era vida. Era apenas sobrevivência.
Durante grande parte do tempo, deixei minha loba assumir. Viver em forma animal foi a única maneira de aguentar. Mas, às vezes, voltava à forma humana… só para lembrar quem eu era. Só para que o ódio não me consumisse por completo.
As lembranças vinham como facas. A noite da traição. A areia molhada. O gosto de sangue na garganta.
Aiden.
Mesmo quando minha memória embaralhava rostos e detalhes, o nome dele continuava gravado como uma cicatriz.
— Quando chegarmos, o Alfa vai querer vê-la — cortou a idosa, puxando-me de volta à realidade.
Meu corpo congelou. Não pela palavra “Alfa”, mas pela sensação que explodiu dentro de mim. Minha loba interior se retesou.
Olhei ao redor. As sombras da mata pareciam se fechar mais. Meu peito pesava.
Eu não confiava neles.
— Isso não é necessário — tentei argumentar, mantendo a voz controlada. — Se me emprestarem um telefone, faço uma ligação e desapareço. Não precisam se preocupar comigo.
O casal trocou um olhar. Longo demais. Estranho demais.
O motorista focou de novo na estrada. A anciã respondeu com um tom baixo, quase sussurrando:
— Não temos celulares. E apenas o Alfa pode autorizar o acesso a um.
— O quê?! — Meu grito foi um estouro.
— É assim que funciona aqui — o macho respondeu, firme.
A tensão dentro de mim virou uma bola de fogo prestes a explodir.
— Isso é loucura! Que tipo de ditadura vocês estão vivendo?
Ele suspirou, como quem já esperava aquela reação.
— Fazemos o que for preciso pela segurança da matilha, criança… — ele murmurou.
— Padgett! — corrigi, com a voz afiada. — Meu nome é Padgett.
O olhar da loba mais velha suavizou.
— Prazer em conhecê-la, Padgett. Eu sou Emethyste, mas pode me chamar de Eme. Esse é meu companheiro, Perseus.
Não respondi. Apenas assenti.
O silêncio entre nós durou minutos.
— E então, quem é o seu Alfa?
Minha pergunta resgatou o assunto que para mim ainda não estava resolvido. O sorriso de Eme morreu instantaneamente. Ela se aprumou no banco, parecendo desconfortável.
Perseus manteve a expressão inalterada, mas havia algo na tensão de seus ombros que não passou despercebido.
— Nosso Alfa é Lorcan. Da alcateia Moonhunter.
Senti meu estômago despencar.
O ar ficou rarefeito. Meu corpo congelou.
Lorcan.
Não havia uma única alma na terra que não soubesse quem era Lorcan e como ele se tornou um Alfa.
Meu coração disparou tão rápido que pensei que fosse desmaiar.
— N-não… — sussurrei, quase sem ar.
Sua incrível habilidade de se transformar em Lycan não era o único problema, o que já era preocupante, pois os Lycans eram como parentes próximos, porém muito mais selvagens e fortes que um lupino. Algumas pessoas acreditavam que eram lobos amaldiçoados, pois os pouquíssimos existentes tinham feito algo terrível antes de assumir a nova forma.
Lorcan não era uma lenda. Ele era um pesadelo vivo. Um Alfa que destruiu sua própria família para tomar o poder, matando o padrasto — o Alfa anterior — de forma brutal. Os detalhes do massacre eram tão horríveis que corriam entre as alcateias como uma maldição sussurrada aos céus.
Ele também desmembrou cada integrante do antigo conselho, metade eram parentes.
O destino estava se divertindo às minhas custas. Primeiro cinco anos de inferno. Agora…
— Já estamos dentro do território dele, Padgett. Por sua segurança… não faça nada imprudente. — Perseus me olhou pelo retrovisor, firme.
Minha garganta se fechou.
Eu estava indo diretamente para o covil de um monstro.
A cabana estava aquecida quando retornei no ápice da noite. O ar ali dentro tinha cheiro de madeira seca, lã antiga e fumaça recente. Familiar. Quase aconchegante. E o silêncio me caiu como um alerta.No interior, a lareira crepitava baixo, lançando sombras que dançavam pelas paredes. Ruídos ecoando do quarto me levaram diretamente para lá, apenas para me deparar em uma cena que me deixou em transe. Lorcan estava de costas, sem camisa, os músculos definidos brilhando sob a luz alaranjada das chamas.Mas não foi ele quem chamou minha atenção. Foi Sofia. Ajoelhada no chão.Organizando uma pilha de mantas sobre um colchão de firmeza duvidosa.— O que você está fazendo? — Minha pergunta foi direcionada à loira, que nem sequer se deu o trabalho de me olhar. — Isso deve servir, Alfa — disse ela, com a voz baixa e gentil. — É o melhor que consegui para improvisar algo confortável, o colchão foi emprestado por um dos lobos que estará de guarda essa noite, ele não vai precisar dele. —
Durante quase toda a noite, Sofia me guiou por diferentes áreas da matilha com o mesmo entusiasmo que uma professora entediada faria durante uma excursão escolar. A cada parada, ela apresentava nomes, cargos e responsabilidades com um ar polido demais — e distante o suficiente para parecer um ensaio.Conhecemos três mulheres que lideravam a cozinha comunitária, com colheres de madeira presas às cinturas como adereços de batalha. Depois, fomos ao galpão de abastecimento, onde homens empilhavam sacos e caixas com precisão militar. Lá, os olhares demoraram demais em mim, não como se eu fosse suspeita, mas como se fosse uma distração.Um deles, ao notar minha presença, até tocou o companheiro ao lado e murmurou algo, antes de virar o rosto como se nada tivesse acontecido.As responsáveis pela lavanderia eram mais contidas. Mulheres silenciosas com mãos calejadas e olhos fundos pelo vapor e o trabalho repetitivo. Algumas me encararam com pena. Outras, com o tipo de julgamento que nem disfa
A temperatura da água divergia do inverno brutal do lado de fora. Quente, espessa, perfumada… como se zombasse da minha lembrança de frio, sujeira e abandono. O vapor nublava os espelhos e, por um instante, me senti outra.Ou talvez só mais uma versão partida de mim mesma.Na ilha não havia luxos, não havia encanamento, nem sabonetes cheirosos. Aquele banho, simples para qualquer outro, me arrancou lágrimas. Não pela água, mas porque eu finalmente aceitei que aquilo era real. A fuga, a dor, o luto. Eu não estava mais sonhando. Estava viva. Mesmo que ferida.Caminhei até um espelho de bordas bordô, passando os dedos pelo vidro embaçado até meu reflexo aparecer.Pálida. Olheiras escuras. Os olhos antes vivos estavam opacos. Os cabelos, crescidos até abaixo da cintura, eram um emaranhado seco e sem forma. Eu parecia alguém que sobreviveu — não alguém que vive.Mas, pelo menos, eu estava limpa.— Padgett?A lona se mexeu, e a voz de Sofia atravessou o vapor com precisão. Seu tom era educa
A tarde já se curvava em tons dourados quando a porta da cabana se abriu devagar. O cheiro das ervas me atingiu primeiro, forte, amargo, como folhas trituradas com sangue seco, me despertando de mais um sono profundo.A curandeira entrou silenciosa, envolta em peles claras, o capuz abaixado revelando cabelos grisalhos presos num coque simples.Ela mal me olhou.— Trouxe isso para seu tornozelo — disse, depositando uma pequena vasilha em cima da mesa. — E vim avisar que a cabana vai receber alguns patrulheiros esta noite, por algumas horas.Meu peito apertou. Parte de mim não queria sair, mas outra parte… precisava respirar outro ar além do da lareira. Mesmo que esse ar estivesse carregado de olhos julgadores.— Obrigada… — forcei um sorriso. — Você sempre serve à matilha como curandeira?Ela parou, virando o rosto em minha direção por breves segundos como se já sacasse minha tentativa de puxar assunto.— Desde antes do Lorcan nascer — respondeu, seca. — Tem algum outro lugar onde eu
PADGETT. Acordei com o cheiro.Era denso, quente… quase doce. Meu estômago se contorceu antes que eu tivesse qualquer pensamento consciente. Senti meu corpo reagir antes da mente: salivei, me remexi sob as cobertas grossas e, por um instante, não me lembrava onde estava.Então veio a lembrança do frio, do penhasco, dos braços de Lorcan me carregando. Meu corpo dolorido. O peso da verdade.Meu pai morto. Aiden no trono. E minha irmã… ao lado dele.Fechei os olhos com força, mas não adiantou. As imagens continuaram ali. Como gelo congelando os ossos. Me forcei a sentar, com cuidado. O calor da lareira tocava minha pele como um bálsamo, mas meu corpo inteiro doía, cada músculo rígido, cada articulação sensível. O tornozelo latejava como se ainda queimasse por dentro. A camisa que me cobria era larga, cheirava a madeira, couro e algo que lembrava floresta molhada. A camisa dele.Alfa Lorcan.Observei a cabana à minha volta com mais atenção. As paredes eram de madeira maciça. Uma estant
LORCAN.O ar gelado mal arrepiava minha pele, não me impedindo de continuar. Eu ainda sentia o calor recente da discussão e o caos que deixou para trás…Ela havia fugido.Dahlia tentou ir atrás, mas eu pedi que ficasse. Algo naquela fêmea, Padgett, me dizia que, se alguém podia alcançá-la, era eu.Eu não sabia explicar. Havia algo nela que despertava em mim um tipo estranho de atenção. Como se meu lobo reconhecesse alguma dor na forma como ela caminhava, como se arrastava pelo mundo.E ainda assim, cada segundo que passava sozinha naquela floresta me fazia andar mais rápido.Eu segui o cheiro dela entre os pinheiros altos, sentindo notas de sangue e medo misturadas com uma angústia antiga. Algo que não vinha do corpo… vinha da alma. O frio ficava mais cortante à medida que a trilha me levava a um terreno mais elevado.Então eu a vi.Sozinha. Nua. E de joelhos à beira do penhasco. Minha respiração falhou.Ela não me viu de imediato. Ou fingiu. Talvez já estivesse longe demais, perdida
Último capítulo