2. Alcateia Moonhunter

O veículo parou com um leve solavanco, puxando-me de volta à realidade. Meu coração batia descompassado, minha mente girava entre planos de fuga e o medo paralisante do desconhecido.

Minha loba, sempre inquieta, agora permanecia em silêncio. Mas eu a sentia… Atenta. Avaliando. Farejando o perigo.

O ar estava carregado com o cheiro de terra úmida, cascalho, pinheiro e… lobos. Muitos lobos. Não precisava vê-los para saber que estavam ali, escondidos entre as árvores. Sentindo meu cheiro como eu sentia o deles.

Um aviso mudo: eu era uma intrusa.

— Nem tudo é o que parece, criança. — A voz de Eme quebrou o silêncio, num sussurro quase maternal.

Virei o rosto, percebendo que já estávamos só nós duas na caminhonete. Perseus havia descido sem que eu notasse.

— Sei muito bem disso. — A resposta escapou antes que eu pudesse conter o tom amargo.

Ela apenas assentiu, como se compreendesse mais do que dizia.

Mas como poderia? Ela não fazia ideia do que era acordar sozinha numa ilha, ferida e traída. Por anos, alimentei raiva o suficiente para incendiar aquela floresta inteira.

Memórias pesadas me atingiram com força. Lembrei do rosto dele. Dos planos que fizemos juntos. Dos beijos prometendo futuro… E depois, do vazio. Do abandono.

A dor de lembrar era tanta que, por um segundo, perdi o fôlego.

— Você está bem? — Eme me olhava com preocupação.

Forcei um sorriso. Não daria a ela o gosto de ver o quanto eu estava quebrada.

— Estou acostumada a lidar com os meus fantasmas.

Ela suspirou. Por um instante, pareceu querer insistir. Mas apenas disse:

— Há coisas que só conseguimos contar quando estamos prontos.

Por alguma razão, o jeito dela me lembrava o meu pai. Isso me fez engolir em seco.

— Você parece ser uma boa pessoa, Eme. Então… por favor… não me faça passar por isso. Me deixa ir. Eu só quero ir para casa.

Ela desviou o olhar, mexendo no coque bagunçado que segurava seus cabelos grisalhos.

— Eu sinto muito. — Sua voz soou carregada de um peso que não consegui entender. — Não posso fazer o que você pede. Mas posso garantir… não é o que você pensa. Fale a verdade para o nosso Alfa. Ele vai entender.

Antes que eu respondesse, ela abriu a porta e saiu.

Fiquei ali, respirando fundo, tentando ignorar a dor latejante no tornozelo e o desespero crescendo no peito.

Se eu quisesse reencontrar meu pai… minha irmã… eu teria que enfrentar o tal Alfa.

Fechei os olhos, tentando reunir coragem. Só que meu momento de concentração foi interrompido por uma voz.

— Ora, ora… O que temos aqui?

Assustada, virei para a janela. Uma garota sorria para mim, encostada no vidro.

Ela era baixinha, com cabelos castanhos claros que quase tocavam o loiro. Seu olhar, por outro lado… tinha uma intensidade que me deixou alerta.

Duas coisas me chamaram atenção de imediato: o anel dourado ao redor das íris, sinal de que era acasalada com um Beta, e a saliência arredondada de sua barriga.

Pelo que meu olfato indicava, ela estava grávida.

— Você é a fêmea que meu pai encontrou na Ilha das Devas? — perguntou, animada.

Assenti, sem vontade de estender conversa.

Ela riu, exibindo dentes perfeitamente alinhados.

— Você deve ter uma história interessante, mas preciso pedir que saia do carro, tudo bem? 

Minha loba relaxou um pouco. Uma grávida nunca seria enviada como ameaça. Elas nem podiam se transformar naquela fase, o risco para o bebê era alto demais.

Respirei fundo, puxando a manta sobre os ombros, e desci da caminhonete. O chão estava frio e áspero sob meus pés descalços. Meu tornozelo machucado me fraquejou, mas me forcei a ficar em pé.

— Meu nome é Dahlia. Mas pode me chamar de Lila, como todo mundo.

— Padgett. — Respondi com a voz seca.

Ela sorriu mais ainda.

— Nome bonito. Sabe… Lila soa como um nome de criança de sete anos, né? — acrescentou, rindo da própria observação.

Sorri de canto, surpresa com a sinceridade dela.

— Pensei o mesmo.

A risada dela foi leve, quase contagiante. Mas minha loba me lembrou de uma coisa essencial: simpatia não significava segurança.

Antes que a conversa prosseguisse, um rosnado violento cortou o ar.

— Dahlia! Afaste-se agora!

A expressão da garota mudou num instante. Ela recuou com olhos arregalados.

Um macho enorme, de cabelos escuros e expressão sanguinária, marchava em minha direção. O olhar dele era feito de puro ouro derretido: dourado, queimando de raiva.

Eu nem o conhecia, mas sabia que só podia ser ele: o Beta acasalado com aquela fêmea.

— Que porra vocês têm na cabeça? — Sua voz cortou o ar como uma lâmina, mirando Eme e Perseus. — Trazer uma desconhecida para o nosso território?

— Cassian, calma… — Eme tentou intervir. — Podemos explicar…

— Não quero explicações! — A rispidez da sua voz interrompeu a fala da anciã. Suas íris quentes e perigosas se direcionaram a mim em seguida. — Você. Você vai usar os braceletes lunae até o nosso Alfa te interrogar. 

O mundo girou.

— O quê?! — Dei um passo atrás. — Não sou uma ameaça!

Os braceletes lunae eram acessórios cruéis para os lobos, forjados de prata pura combinada com runas das bruxas lunares para impedir que um lobo se transformasse. Elas me deixariam vulnerável e eu não podia permitir isso, muito menos em um território hostil como aquele.

Aquilo era uma armadilha para a minha loba.

— Isso quem vai decidir é o nosso Alfa. — O tom dele era puro desprezo. — Acha que vou acreditar na palavra de uma fêmea imunda?

Meu instinto gritou. Minha loba rugiu dentro de mim.

Eu não estava ali para atacar ninguém. Mas também não usaria aqueles malditos braceletes. 

O sussurro de um vento frio passou por mim, a manta que eu segurava caindo logo em seguida. Minha loba estava pronta e eu também. Fizemos a coisa mais irracional possível, corremos. 

Ignorei a dor, ignorei o terreno irregular, ignorei tudo. Corri com cada fibra do meu ser gritando por sobrevivência.

Mas não cheguei longe.

Algo — não, alguém — me atingiu como um raio. Caí no chão com força, o impacto me arrancando o ar.

Tentei me desvencilhar, rolei, chutei, empurrei. Senti a mão grande do Beta agarrar minha perna… exatamente sobre o tornozelo lesionado.

A dor foi insuportável.

Meu grito rasgou a noite. Um som selvagem, primitivo… seguido por um uivo.

Quando meu sofrimento se uniu ao uivo da minha loba, a floresta pareceu ficar em silêncio para nos ouvir.

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