Na manhã seguinte, o colégio Montclair parecia mais sufocante que o normal. O som do portão se abrindo ecoava como uma sentença, e o vento gelado cortava os corredores como um aviso. Aurora enfiou as mãos nos bolsos do moletom e seguiu direto para o pátio, tentando ignorar o zunzunzum que parecia grudar nela como chiclete velho.

Foi quando o viu.

Davi estava sentado sobre o muro baixo da quadra de esportes, o capuz jogado para trás e uma bala vermelha na boca. Seus olhos encaravam o céu como se tivessem algo melhor pra ver lá em cima. Parecia completamente deslocado — não no sentido estranho, mas como quem pertence a outro lugar. Outro mundo, talvez.

Aurora hesitou por um segundo, depois se aproximou com passos curtos. Por que ela estava indo até ele? Boa pergunta. Nem ela sabia.

— Você não devia estar aí — disse, com a voz mais firme do que esperava. — Os inspetores vão te fazer descer.

Davi virou o rosto devagar, os olhos semicerrados por causa da luz da manhã. Ele demorou um pouco pra responder. Não pareceu surpreso por ela estar ali. Não pareceu surpreso com nada, na verdade.

— E você se importa por quê?

Aurora engoliu em seco.

— Não me importo — respondeu, mais rápido do que deveria. — Só... falei.

Ele sorriu, e foi como ver o Sol surgir por entre nuvens pesadas. Era um sorriso torto, meio debochado, mas que deixava claro que ele estava se divertindo. Não com ela. Mas talvez por causa dela.

Com um movimento ágil, Davi saltou do muro e ficou ao lado dela. Era mais alto do que parecia, com postura relaxada e um perfume leve de menta misturado com algo mais... perigoso.

— Aurora, né?

Ela piscou. Como ele sabia seu nome?

— É… sou eu. — Soou idiota até pra ela.

— Eu ouvi quando a professora te chamou ontem. Também ouvi você me defendendo — disse ele, enfiando as mãos no bolso da jaqueta de couro. — Foi tipo... corajoso.

Aurora fez uma careta.

— Eu só disse pra eles te deixarem em paz.

— É. E ninguém mais teve coragem de dizer nada. Então... valeu.

Ele encarou os olhos dela, e Aurora sentiu um calor subir do peito até o rosto. Merda. Isso era exatamente o tipo de coisa que ela evitava. Garotos com sorrisos perigosos. Garotos com olhares que atravessavam.

— Aqueles idiotas do basquete vivem provocando quem é novo — ela murmurou, tentando recuperar o controle. — Você chegou ontem e já virou alvo.

— É. Parece que minha cara já não agradou — respondeu ele, dando de ombros. — Mas relaxa. Eu já tô acostumado.

— Você trocou muito de escola?

— Mais do que eu gostaria.

Houve um silêncio breve. Confortável, até. As conversas ao redor pareciam acontecer em outro universo.

— Vai fugir de novo na aula de Educação Física hoje? — Aurora perguntou, só pra continuar falando com ele.

Davi riu, e o som fez cócegas no estômago dela.

— Claro. Não tô pronto pra ser humilhado publicamente jogando vôlei. E você?

— Eu finjo lesão no tornozelo desde o oitavo ano. Tá funcionando.

— Gênio — ele disse, genuinamente impressionado.

Por um segundo, Aurora sentiu que algo ali era... fácil. Diferente. Ela não precisava fingir. E isso era raro.

O sinal tocou, agudo e irritante. Eles olharam um pro outro como se a bolha tivesse estourado.

— Te vejo por aí, então — disse ele.

— Ou não, se eu continuar fingindo lesão.

Ele sorriu de novo antes de virar as costas e desaparecer no meio dos alunos.

Aurora ficou parada, observando. Tinha certeza de uma coisa agora: Davi não era só o garoto novo.

Ele era o furacão que vinha pra bagunçar tudo.