O Abraço da Alma
Terminei meu chá sentindo o calor gostoso ainda entre os dedos, como se aquilo segurasse meu coração no lugar por mais um instante. — Quer conhecer seu quarto? — perguntou tia Benedita, com um sorriso cheio de ternura. Assenti, deixando a xícara sobre a mesinha, e me levantei. Segui atrás dela pelos corredores da pousada, notando como tudo parecia acolhedor, caseiro, com cheiro de madeira e saudade. Subimos uma escada antiga que rangia a cada passo, até chegarmos ao segundo andar. Um corredor longo se estendia diante de nós, ladeado por portas brancas alinhadas como soldados em descanso. De repente, me lembrei: — Minhas malas, tia… acabei deixando na sala. Ela deu um tapinha leve no meu ombro, com aquele jeito firme e doce que só ela tem. — Não se preocupa com isso, filha. Tenho um rapaz que ajuda com as bagagens. Já, já ele sobe tudo para você. — Tia… obrigada por tudo, de verdade. Por me receber assim. Nem sei como te agradecer. — Você é da família. E família não agradece, retribui com amor — respondeu, com os olhos brilhando, antes de abrir uma das portas. O quarto parecia tirado de um sonho. As paredes tinham um tom de roxo profundo, equilibrado por detalhes em bege que suavizavam o ambiente. A cama era ampla, com uma colcha florida que lembrava tardes tranquilas. Os móveis de madeira polida reluziam sob a luz que entrava pela janela enorme, e além dela, uma sacadinha charmosa se abria para a vista. Fui até lá, abri a janela e respirei fundo o ar puro da manhã. — Tia… que vista linda. — Esse é o quarto mais pedido da pousada. Mas assim que soube que você vinha, cancelei as reservas. Queria que se sentisse especial aqui. Virei para ela com os olhos marejando. — Eu nem tenho palavras para agradecer tudo isso… Sentei na beirada da cama, tentando respirar fundo. Por fora, fingia firmeza. Por dentro, o peso ainda me esmagava. Tia Benedita me observava em silêncio, com aquele olhar paciente que reconhece a dor escondida nas entrelinhas. Abaixei a cabeça, sentindo a coragem se esvair, e falei antes que o medo me calasse: — Tia… eu fui traída. Pelo Carlos. E… pela Gisele. Ela não respondeu de imediato. Apenas se aproximou, sentou ao meu lado e segurou minha mão com firmeza. — Eles estavam juntos — continuei, a voz falhando. — Fui fazer uma surpresa no apartamento dele… e encontrei os dois. Ela, minha melhor amiga, montada nele como se nada mais existisse. Tudo isso… a um mês do nosso casamento. As lágrimas caíram de novo. Mas no abraço da minha tia, doía um pouco menos. Ela me apertou com carinho, fazendo um cafuné leve enquanto falava: — Filha… sinto muito. Isso é cruel. Injusto. Você não merecia. Fechei os olhos, tentando conter o tremor. — Me sinto uma idiota, tia. Perdi tempo, energia… fiz planos. Sonhei. — Você não perdeu nada. Se livrou de uma mentira. Eles jogaram fora algo verdadeiro, e isso fala muito mais sobre eles do que sobre você. Você tem um coração bonito, forte. Vai dar a volta por cima. Vai florescer. O aperto dela me envolveu de novo. Pela primeira vez desde que tudo aconteceu, senti que podia respirar. Limpei o rosto com as costas das mãos. Ainda quente da emoção, levantei e fui ajeitar o cabelo no espelho quando escutei uma batida leve na porta. Um homem entrou após pedir licença. Devia ter uns trinta e poucos anos, aparência simples, corpo forte, expressão tranquila e um sorriso respeitoso. — Essa é minha sobrinha, chegou hoje de São Paulo — disse tia Benedita, orgulhosa. — Querida, esse é o André. Ele trabalha comigo e ajuda com as malas. — Prazer, André. Obrigada por trazer minhas coisas — falei, esboçando um sorriso fraco. — Às ordens — respondeu ele, com um aceno, antes de sair com minha tia, me deixando sozinha de novo. Me joguei na cama em busca de algum alívio. Peguei o celular, sem esperar nada… e realmente, não havia nada. Nenhuma mensagem do Carlos. Nem da Gisele. Nenhum pedido de desculpas. Nenhuma tentativa de justificativa. Talvez, enfim, tivessem entendido o recado. Eu não queria — e não podia — ver nenhum dos dois nunca mais. Levantei rápido demais, peguei meu pijama e fui para o banheiro. Pequeno, mas aconchegante, com azulejos floridos e um espelho de moldura antiga. Entrei no chuveiro e deixei a água quente cair sobre minha cabeça, como se pudesse, de algum modo, derreter a dor. Mas não dava para apagar as lembranças. Cada gota carregava uma memória. O Carlos segurando minha mão no cinema. A Gisele rindo alto quando a pipoca caiu. Nós três andando no shopping, como se fôssemos inseparáveis. O meu aniversário. A noite em que falei que queria ver a neve. Eles prometeram que fariam acontecer. Não saímos do país, mas, naquela noite, juntos… parecia o suficiente. Que tola. Fui uma tola. Fechei os olhos com força enquanto a água continuava caindo. Pensei na tia Benedita, na sua constante presença e apoio. Agora estou aqui. Com ela. No lugar que parecia ser o meu refúgio. Desliguei o chuveiro, me enrolei na toalha e voltei para o quarto. Sentei na cama, o corpo ainda quente do banho, os cabelos pingando. O silêncio da noite me envolvia como um cobertor invisível. Amanhã, pensei com um sopro de esperança no peito, eu vou conhecer a floricultura. E conseguir aquele emprego.