A noite finalmente chegou.Não saí do meu quarto, só fiquei arrumando minhas coisas nas gavetas de boa, dobrando cada peça como se aquilo pudesse me ajudar a juntar meus próprios pedaços. Depois, deitei na cama macia e fiquei olhando pro teto em silêncio.A batida na porta foi de leve."Filha, a janta tá pronta", avisou minha tia com a voz baixa, com cuidado."Obrigada, tia… mas tô sem fome. Só quero dormir um pouco", respondi, tentando parecer tranquila, mesmo sabendo que minha voz mostrava o quanto eu tava cansada por dentro.Ela ficou quieta por uns segundos."Tá certo, querida. Se precisar de mim, tô aqui."Mesmo preocupada, ela respeitou meu espaço. E eu agradeci por isso na minha cabeça.Naquela noite, dormi melhor do que esperava. Talvez fosse o cheiro do interior, o barulho longe dos grilos ou só a sensação de estar num lugar seguro.Na manhã seguinte, acordei com o toque suave do despertador do celular. Me espreguicei, levantei e escolhi uma calça jeans escura, uma blusa flor
PONTO DE VISTA DE RAFAEL"Pai, acho que não é assim..." A voz doce da minha filha de oito anos me faz parar no meio da trança. Emma se olha no espelho com uma cara meio indecisa, uma mistura de paciência e desespero. Acontece que eu não faço a menor ideia do que tô fazendo. Olha só, eu fui militar. Até uns dois anos atrás, minha vida era códigos, mapas, armas e estratégias. Foram poucas as vezes que fiquei em casa por mais de uma semana. Jeniffer era quem sabia cada detalhe da rotina da nossa filha, quem fazia as tranças, os lanches com bilhetinhos e as vozes engraçadas na hora de dormir.Mas tudo mudou naquela manhã chuvosa. O carro dela, a estrada escorregadia... e o telefone que tocou longe demais pra ser só mais uma ligação normal.Desde então, eu larguei tudo. Farda, rotina, propósito. Pedi baixa do exército, vendi o que precisava e voltei pra minha formação original: contabilidade. Hoje, trabalho em casa, fazendo o possível pra ser pai e mãe ao mesmo tempo."Me perdoa, querida..
Depois que o expediente acabou, guardei minhas coisas e me despedi de Dona Nilda com um sorriso discreto. Ainda bem que ela tinha saído da floricultura e me deixado sozinha quando ele chegou. Saí da floricultura caminhando devagar, sem pressa. Não vi necessidade de pegar um táxi ou incomodar minha tia. Usei o tempo da caminhada para pensar. Ou melhor… para pensar neles. Rafael e Emma. O que havia naquele homem que não saía da minha cabeça? Pelo amor de Deus, eu nem conhecia ele. Só o atendi como qualquer outro cliente. Mas desde que ele saiu com a filha… alguma coisa ficou.Fiquei me perguntando que tipo de mulher eu estava sendo por pensar em um homem casado. Porque… bom, ele tem uma filha. E toda filha tem uma mãe. Além disso, Rafael era bonito demais para estar sozinho.Admito, quando ele entrou na floricultura, eu perdi alguns segundos só olhando para ele.Emma não parecia nada com ele. Nem no jeito e muito menos na aparência.A menina tinha cabelos cacheados e claros, olhos azuis
Depois de conversar com minha tia, subi as escadas para o meu quarto. Eu precisava de um banho urgente. Assim que terminei e sentei na cama para escovar os cabelos, meu celular tocou. Olhei para a tela e vi o nome: Carlos. Aquele traidor. Uma parte de mim gritou para não atender, mas a curiosidade e talvez uma ponta de masoquismo me fizeram deslizar o dedo na tela."Bella?" A voz dele soou cautelosa, arrastada. Era aquele apelido meloso que ele usava quando sabia que tinha feito besteira e queria me amansar."Por que diabos você está me ligando, Carlos?" Minha voz saiu mais áspera do que eu pretendia."Calma, Bella. Eu só... queria saber como você está.""Não te interessa como eu estou."Ele suspirou do outro lado da linha. "Eu sei que fiz uma burrada, Bella. A maior da minha vida. Mas eu queria te contar uma coisa... sabe a promoção no escritório?""Que promoção, Carlos?""A de sócio júnior! Saiu hoje o resultado e... eu consegui!" A voz dele ganhou um entusiasmo repentino, como se e
Depois de usar mais uma vez o carro da minha tia, estacionei em frente à floricultura e entrei. Dona Nilda estava concentrada, arrumando um vaso de flores amarelas vibrantes. "Bom dia, querida!" ela disse, levantando os olhos e me vendo. "Que bom que chegou. Será que você poderia me fazer um favor e levar essa entrega para mim?" Ela apontou para o vaso que estava se ajeitando. "É para a Rua das Acácias, número 125. A cliente pediu para entregar até o meio-dia." "Claro, Dona Nilda, sem problemas nenhum." Concordei na hora. Qualquer coisa para ocupar a mente e sair um pouco da rotina. Peguei o vaso com cuidado, admirando a beleza das flores. "São margaridas?" perguntei, curiosa. "Isso mesmo, minhas preferidas!" ela respondeu com um sorriso. "A cliente de hoje também parece gostar muito. Deixei o endereço anotado aqui." Ela me entregou um pequeno pedaço de papel com as informações. Coloquei o vaso delicadamente no banco de trás do carro da minha tia. "Tudo certo. Já volto." Liguei
"Claro, vamos dar uma olhada então," a corretora falou com um sorriso simpático, me chamando para entrar de novo na casa. Emma continuou ali na varanda, olhando tudo com aqueles olhinhos curiosos dela.Enquanto a gente entrava, a corretora começou a me mostrar cada cantinho da casa. "Aqui é a sala principal, bem espaçosa, como você pode ver. E essa porta grande de vidro dá direto para o jardim." Ela apontou para o quintal, que parecia bem grande e cheio de verde. "Imagine as crianças brincando aqui!"Ela me levou para a cozinha, que era moderna e já tinha todos os armários e eletrodomésticos. "Tudo novinho em folha," ela comentou, abrindo e fechando as portas dos armários para eu ver. Depois, subimos as escadas para o segundo andar. "Aqui ficam as suítes. São duas, todas com banheiro privativo e uma varandinha charmosa."Cada quarto era mais bonito que o outro, com bastante luz natural e espaço de sobra. A vista das varandas era mesmo incrível, dava para ver um pedacinho da cidade e a
PONTO DE VISTA DA ISABELAMais tarde, quando cheguei à pousada, a preocupação começou a apertar meu peito. Como eu ia contar para minha tia sobre a minha decisão de me mudar? Não queria machucá-la, nem parecer mal agradecida por toda a ajuda e carinho que ela me tinha dado desde que cheguei. Parecia que eu não teria muito tempo para planejar essa conversa delicada, já que tinha fechado com a corretora que me mudaria no final de semana. Era tudo muito rápido, mas a oportunidade daquela casa parecia um sinal.Assim que entrei na sala, minha tia veio ao meu encontro com um sorriso acolhedor. "Filha! Que bom que chegou. Vem, a janta está pronta. Sei que você não anda comendo muito bem ultimamente." A preocupação era evidente em sua voz suave."Obrigada, tia," respondi, tentando sorrir, "mas eu queria tomar um banho primeiro. Preciso relaxar um pouco."Subi as escadas devagar, sentindo o cansaço do dia pesar em meus ombros. No quarto, tirei a roupa e entrei no chuveiro. A água quente escor
Sábado chegou voando, e eu já estava com todas as minhas caixas prontas para a mudança. A titia fez questão de me ajudar, um amor! Ela carregou um monte de coisa e ainda me deu uma carona até a casa nova.Quando ela parou o carro bem na frente, dei uma olhada e vi o Rafael sentado na varanda dele, lendo um jornal e tomando um café. Naquele exato momento, Emma saiu de casa e falou alguma coisa com ele. Deu pra perceber que ele estava meio que dando um bronca nela por alguma coisa que ela aprontou na escola na sexta. Emma saiu correndo para os fundos da casa, parecendo meio chateada.Fiquei com vontade de ir ver se ela estava bem, mas não queria me meter no jeito que o Rafael educa a filha. Ele se aproximou da gente e cumprimentou a minha tia com um aceno de cabeça."Bom dia, dona Benedita," ele disse, com um sorriso meio sem graça."Bom dia, Rafael," minha tia respondeu, simpática como sempre. "Como você tem lidado com as coisas?"Ele ficou um pouco sem jeito, colocou as mãos nos bolso