Capítulo 5

Terminei meu chá, sentindo o calor gostoso ainda nas minhas mãos.

"Quer conhecer seu quarto?" a titia Benedita perguntou com um sorriso carinhoso.

Assenti com um sorriso também e deixei a xícara na mesinha. Levantei e fui seguindo ela pela pousada, vendo como tudo parecia tão aconchegante. Subimos uma escadona de madeira, que dava uns rangidinhos a cada passo, e chegamos num segundo andar com um corredor grandão cheio de portas brancas.

De repente, me liguei.

"Minhas malas, tia… acabei deixando lá na sala."

Ela deu um tapinha de leve no meu ombro e falou com aquele jeitinho firme e de mãe dela.

"Não se preocupa com isso, filha. Tenho um rapaz que ajuda com as malas dos hóspedes. Ele já já sobe tudo pra você."

"Tia… obrigada por tudo, viu? Por me receber assim. Nem sei como te agradecer."

"Você é da família. E família não agradece, retribui com amor." disse ela com um brilho nos olhos antes de abrir uma das portas do corredor.

O quarto era um encanto. As paredes num tom de roxo escuro faziam um contraste legal com uns detalhes em bege que deixavam tudo mais leve. Tinha uma cama grandona com uma colcha florida, móveis de madeira bem lustrados e uma janela enorme que dava pra uma sacadinha charmosa.

Fui até lá, abri a janela e respirei o ar puro da manhã que tava entrando.

"Tia… que vista linda!"

"Esse é o quarto mais pedido da pousada. Mas assim que soube que você vinha, cancelei as reservas. Queria que você se sentisse especial aqui."

Virei pra ela com os olhos meio marejados.

"Não tenho nem palavras pra agradecer tudo isso."

Sentei na beirada da cama, respirando fundo. Por fora, tentava bancar a forte… mas por dentro, o peso de tudo ainda apertava meu peito. Notei o olhar da minha tia em mim, um olhar paciente, mas curioso. Ela sabia que tinha mais por trás daquela visita repentina do que eu tinha falado.

Abaixei a cabeça e decidi contar logo, antes que a coragem sumisse.

"Tia… eu fui traída." comecei com a voz meio falhada. "Pelo Carlos… e pela Gisele."

Ela não falou nada por uns segundos. Só chegou perto, sentou do meu lado e segurou minha mão.

"Eles estavam juntos." continuei, sentindo as palavras rasgarem minha garganta. "Eu fui fazer uma surpresa no apartamento dele e… encontrei os dois. Ela, minha melhor amiga, montada nele como se nada mais importasse. E tudo faltando um mês pro casamento."

Minhas lágrimas caíram de novo. Mas ali, no calor do abraço da minha tia, doía um pouquinho menos.

Ela me abraçou forte, dando uns tapinhas de leve nas minhas costas.

"Filha… eu sinto muito. Isso é cruel, injusto. Você não merecia isso." disse ela com a voz suave e firme. "Mas escuta o que eu vou te falar… a culpa foi deles. Eles jogaram fora uma coisa verdadeira, sincera. Isso diz muito mais sobre o caráter deles do que sobre você."

"Eu me sinto uma idiota, tia. Perdi tempo, energia… fiz planos, sonhei."

"Você não perdeu nada. Se livrou de uma enrascada. Melhor agora do que viver anos numa mentira. E você tem um coração lindo, forte. Vai dar a volta por cima. Vai florescer."

Ela me apertou de novo e, naquele instante, senti que pela primeira vez desde que tudo aconteceu… eu podia respirar de verdade. A dor ainda tava ali, mas agora, rodeada de carinho e paz.

Limpei as lágrimas com as costas das mãos, sentindo o rosto ainda quente da emoção que tava me sufocando por dentro. Respirei fundo, levantei da cama e fui ajeitar o cabelo quando ouvi alguém bater de leve na porta.

Um homem de aparência simples, mas muito educado, entrou depois de pedir licença. Devia ter uns trinta e poucos anos, corpo forte, cara tranquila e um sorriso respeitoso.

"Essa é minha sobrinha, chegou hoje de São Paulo" disse tia Benedita com aquele tom carinhoso de sempre. "Querida, esse é o André, ele trabalha aqui comigo e ajuda com as malas dos hóspedes."

"Prazer, André. Obrigada por trazer minhas coisas", falei, forçando um sorriso.

"Às ordens", ele respondeu com um aceno, antes de sair junto com minha tia, me deixando sozinha de novo.

Me joguei no colchão, buscando um pouco de alívio. Peguei o celular sem muita esperança e, pra minha surpresa, não tinha uma mensagem sequer do Carlos ou da Gisele.

Nem um pedido de desculpas.

Nada.

Talvez eles tivessem finalmente entendido o recado. Eu não queria e nem podia ver nenhum dos dois nunca mais.

Levantei meio rápido demais e peguei meu pijama. Fui pro banheiro do quarto, que era pequeno, mas bem arrumadinho, com um espelho de moldura antiga e azulejos floridos. Entrei no chuveiro e deixei a água quente cair na minha cabeça, escorrendo pelo corpo como se pudesse, de algum jeito, lavar a dor junto.

Mas não dava pra esquecer.

Cada gota trazia uma lembrança.

O Carlos segurando minha mão no cinema. A Gisele rindo alto do meu lado quando a pipoca caiu no chão. Nós três andando juntos no shopping, como se fôssemos unha e carne. E o pior: meu aniversário. O dia em que sonhei ver a neve pela primeira vez. Falei pra eles que queria algo especial, algo meu. E eles me prometeram que ia acontecer... Nunca saímos do país, mas naquela noite, só de estarmos juntos parecia suficiente.

Que idiota.

Eu fui uma idiota.

Meus olhos se fecharam com força enquanto a água continuava caindo. Me dei conta de quantas vezes deixei minha tia de lado, ela que sempre esteve presente, me ligava, queria me visitar, e eu, cega por uma vida que construí com as pessoas erradas, deixei ela em segundo plano várias vezes.

Agora tô aqui.

Com ela.

Onde eu devia ter estado desde o começo.

Desliguei o chuveiro, me enrolei na toalha e fui de volta pro quarto. Sentei na cama, o corpo ainda quentinho do banho, o cabelo pingando. O silêncio da noite me abraçava como um cobertor invisível.

Amanhã, pensei, com um fio de esperança no peito, eu vou conhecer a floricultura.

E conseguir aquele emprego.

Recomeçar de verdade.

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