Capítulo 4

Umas seis horas depois, o ônibus finalmente parou na frente da pousada da titia Benedita. O céu ainda tava escuro, um azulzão profundo cheio de estrelas, mas as luzes da fachada antiga da pousada iluminavam de leve o chão de pedras. A construção era simples, charmosa e carregada de lembranças boas. As ruas da cidade tinham aquele toque rústico e nostálgico, sabe? O chão de pedrinhas encaixadas parecia contar histórias só de olhar.

Desci do ônibus meio cansada, mas sentindo o ar fresco do interior me dando um abraço. Um casal simpático, que tinha sentado umas duas fileiras atrás de mim, me ajudou a pegar minhas malas do bagageiro.

"Muito obrigada, viu?" agradeci com um sorriso sincero, ajeitando a alça da mochila no ombro.

Foi aí que eu vi ela. Vindo com passos firmes, uma senhora com o cabelo pintado de loiro escuro que agora eu via que era branco na raiz, usando óculos grandes e roupas largas e confortáveis, vinha na minha direção de braços abertos.

"Minha menina!" ela disse com a voz meio embargada de emoção. "Olha só como você tá grande... e linda!"

O abraço dela foi quentinho e acolhedor, só como ela sabia dar. Eu abracei de volta com força, sentindo meu peito dar uma aliviada.

"Vem, entra, filha. Tá friozinho aqui fora." disse ela, já pegando uma das malas antes que eu pudesse impedir.

Entramos na pousada, e logo senti aquele cheiro de madeira antiga misturado com chá de ervas. A decoração era simples, mas cheia de detalhes que davam um aconchego. Almofadas floridas, quadros antigos, cortinas de renda... tudo era velhinho, sim, mas do tipo bom. Do tipo que te abraça.

"Senta aí, filha. Vou te fazer um chazinho." disse ela, já indo pra cozinha.

Obedeci e me sentei no sofá de tecido florido, afundando um pouco nas almofadas. Meu olhar caiu na mesa de centro, onde tinha uma travessa cheia de pipoca. Sorri sozinha. Aquilo era muito a cara da titia. Sempre que alguém chegava, ela oferecia tudo que tinha: café, bolo, chá, pipoca... E, vendo aquela tigela, lembrei da infância, dos finais de semana que a gente passava aqui, quando ela fazia pipoca cheia de óleo e eu achava aquilo a coisa mais gostosa do mundo.

Era como se o peso do dia anterior começasse a escorrer dos meus ombros. Já tava até me sentindo melhor, só de estar ali.

Ali, naquele pedacinho de mundo que parecia parado no tempo e onde, pela primeira vez em dias, meu coração não doía tanto, a titia Benedita voltou da cozinha com uma bandeja simples nas mãos. Trazia duas xícaras de chá fumegante e um pratinho com biscoitos amanteigados em formato de coração, os meus preferidos desde criança.

"Aqui tá, minha filha. Do jeitinho que você gosta." disse ela, colocando tudo na mesa de centro, do lado da travessa de pipoca.

"Tia, você ainda lembra disso?" sorri surpresa, pegando um biscoito e sentindo o gosto doce e familiar derreter na boca.

Ela se sentou na poltrona de frente pra mim, com a xícara nas mãos e aquele olhar atento e carinhoso.

"E aí… você veio pra ficar?"

Assenti, engolindo o nó na garganta antes de responder.

"Sim, tia. Preciso de paz. De um recomeço. E também... de um emprego."

Ela sorriu com ternura e um certo brilho cúmplice no olhar.

"Isso eu posso te ajudar. Sabe da Leonilda?"

"Acho que lembro um pouco dela... Aquela sua amiga que fazia uns bolos coloridos?"

"Essa mesma. Só que agora ela é dona de uma das floriculturas mais lindas da cidade. Disse que a saúde dela não tá muito boa, precisa descansar... e tá procurando alguém pra dar uma força."

"Uma floricultura?" repeti, como se estivesse saboreando a palavra.

"É. Que tal trabalhar com planta? Pode parecer simples, mas é um lugar bonito, cheio de vida. E você sempre teve jeito com essas coisas."

Fiquei em silêncio por uns segundos, deixando a ideia brotar na minha cabeça. De repente, uma coisa antiga e adormecida se mexeu dentro de mim.

"Pode parecer estranho, tia... mas quando eu era adolescente, eu sonhava em trabalhar numa floricultura. Sempre fui do tipo que conversava com as flores que minha mãe plantava no quintal." ri, encantada com a lembrança.

A titia Benedita sorriu, com os olhos meio marejados de orgulho.

"Não é estranho nada, minha filha. Isso é sensibilidade. E o mundo precisa de mais gente assim."

Enquanto segurava a xícara quente entre as mãos e ouvia o vento lá fora, uma voz dentro de mim dizia que talvez aquele fosse mesmo o lugar onde eu devia estar. Onde tudo podia, enfim, florescer de novo.

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