Capítulo 6

O Jardim da Esperança

A noite finalmente chegou, trazendo com ela aquele silêncio que só o interior tem. Não saí do meu quarto. Fiquei ali, cercada pelas paredes claras e pelo som distante de grilos do lado de fora. Era como se o mundo estivesse desacelerando, mas aqui dentro tudo continuasse girando rápido demais.

Abri minhas malas com calma, dobrando cada peça de roupa com cuidado exagerado, como se colocar tudo em ordem pudesse também colocar minha cabeça no lugar. Roupas íntimas numa gaveta, blusas em outra, calças dobradas com capricho. Repeti o processo até não sobrar mais nada fora do lugar.

Depois me joguei na cama macia, os olhos presos no teto branco. O colchão afundava sob meu peso, como se me acolhesse, e a colcha cheirava a sabão de coco e lavanda. Era estranho como um cheiro podia trazer paz.

A batida na porta foi suave, quase tímida.

— Filha, a janta está pronta — disse minha tia com a voz baixa, gentil, como se tivesse medo de me assustar.

— Obrigada, tia… mas estou sem fome. Só quero dormir um pouco — respondi, tentando parecer mais serena do que me sentia. Mas até eu percebi a exaustão escorrendo pela minha voz.

Ela ficou em silêncio por alguns segundos.

— Está certo, querida. Se precisar de mim, estou aqui.

Mesmo preocupada, ela respeitou meu espaço. E isso foi o primeiro gesto de amor que recebi em dias. Não insisti. Ela também não. E, pela primeira vez em muito tempo, agradeci isso em silêncio.

A noite passou tranquila. Sem sonhos. Sem pesadelos. Dormi melhor do que imaginava. Talvez fosse o colchão, ou o cheiro de terra molhada que vinha da janela entreaberta. Talvez fosse só o fato de estar num lugar seguro.

Na manhã seguinte, acordei com o toque suave do despertador do celular. A claridade entrava delicada pelas frestas da janela. Me espreguicei devagar, sentindo o corpo menos pesado. Vesti uma calça jeans escura, uma blusa florida e prendi o cabelo num rabo de cavalo alto. Passei um pouco de corretivo e rímel — só o suficiente para parecer menos abatida. Me olhei no espelho e repeti mentalmente: só por hoje, deixa a tristeza no quarto.

Desci as escadas, sentindo o cheiro de café fresco se espalhando pela casa. Fui direto para a cozinha da pousada, que era simples, com móveis de madeira clara e cortinas floridas nas janelas. Os hóspedes tomavam café no salão ao lado, mas eu queria ficar só com a tia naquele momento.

Ela já me esperava com um sorriso que parecia abraço.

— Bom dia, minha flor. Dormiu bem?

— Dormi sim, tia. Obrigada por tudo — disse, puxando a cadeira com suavidade.

Ela colocou à minha frente uma xícara de café bem forte e dois pães com geleia de morango, ainda mornos.

— Fiz como você gostava quando era pequena. Ainda lembra do gosto?

Sorri, emocionada.

— Como esquecer? Eu amava isso.

Ela se sentou ao meu lado, tomou um gole do café dela e me observou com aquele olhar que sabia de tudo sem precisar perguntar.

— Está pronta para ir até a floricultura da Leonilda?

— Sim… mas será que você pode me levar até lá? Não lembro muito bem da cidade. Meus pais se mudaram para São Paulo quando eu tinha uns dez anos.

— Claro que levo, filha. E não se preocupa, vai dar tudo certo. A Leonilda é uma boa mulher. Se tiver uma vaga mesmo, ela vai te receber de braços abertos.

— Tomara… preciso ocupar a cabeça. Fazer alguma coisa útil.

Ela tocou minha mão com delicadeza.

— Você já está fazendo. Está se cuidando. Isso já é muito.

Depois do café, minha tia chamou a moça que ajudava na pousada.

— Roseli, cuida das coisas para mim até eu voltar, está bem? Vou levar minha sobrinha na floricultura.

— Pode deixar, dona Benedita. Vai tranquila — respondeu Roseli, sempre sorridente.

Entramos no carro. Minha tia ainda dirigia bem, com firmeza e atenção. Fomos devagar pelas ruas de pedra da cidadezinha, as janelas abertas deixando entrar o ar fresco da manhã. O cheiro de terra, de café e de flores se misturava num perfume que só o interior tem. Eu olhava pela janela como quem olha um álbum de lembranças. Cada casa colorida, cada árvore, cada canteiro florido me puxava de volta à infância.

Dez minutos depois, ela estacionou na frente da floricultura.

E, por um instante, tudo parou.

Era um lugar encantado. Flores por toda parte. Vasos coloridos, jardineiras penduradas, canteiros organizados com perfeição. Rosas, margaridas, lavandas, girassóis. Um espetáculo de cores vivas, como se a natureza tivesse pintado ali seu quadro favorito. Na entrada, um capacho bordado dizia: “Sejam bem-vindos”. E eu me senti exatamente assim. Bem-vinda.

Foi então que ela apareceu.

Dona Leonilda — ou como pensei de imediato, dona Nilda — surgiu na porta com um sorriso que mais parecia raio de sol. Usava óculos grandes, uma saia longa florida e um colete de crochê sobre uma blusa clara. Seu jeito era calmo, acolhedor, e dava a impressão de que ela conversava com as plantas. E elas respondiam.

— Minha nossa, olha só quem está aqui! — exclamou, abrindo os braços.

Ela me abraçou apertado, como se me conhecesse a vida toda. E mesmo sem lembrar muito dela, eu correspondi.

— Você cresceu tanto, menina!

Minha tia se adiantou:

— Leonilda, a Isa veio morar comigo por um tempo. Está passando por umas coisas e quer recomeçar. Acha que pode ajudar?

— Claro que posso! — disse dona Nilda, sem hesitar. — Essa loja tem espaço para mais um coração apaixonado por flores.

— Eu… eu gosto de flores desde pequena — confessei, meio sem jeito. — Sempre conversava com as do quintal da minha mãe. Mas não sei cuidar de verdade…

Ela riu com doçura.

— Ah, minha flor… falar com planta é o primeiro passo. Quem conversa com elas tem alma leve. O resto eu te ensino. É mais simples do que parece.

— Posso te chamar de dona Nilda? — perguntei, meio envergonhada.

— Pode sim, minha flor — respondeu, rindo. — Aliás, adorei. Me faz parecer personagem de novela.

Rimos juntas, e naquele instante, tudo pareceu mais leve.

— Então… estou contratada?

— Contratada — respondeu ela, pegando minha mão. — Você começa amanhã. A gente vai devagar, sem pressa. Cuidar das flores ajuda a curar o que a gente nem sabe que está machucado.

Olhei para minha tia, que sorria com orgulho, e depois para dona Nilda.

Era só o começo, mas alguma coisa dentro de mim sussurrou: você vai se encontrar aqui. E eu quis acreditar.

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