Ela perdeu tudo… e ganhou um destino que jamais pediu. Elara cresceu cercada por sombras — da dor, da solidão, daquilo que os olhos humanos não conseguem ver. Após a morte trágica de sua família, ela se vê diante de um mistério que nenhum luto pode explicar: um véu que separa mundos, vozes que chamam por seu nome, e um poder antigo que desperta em seu sangue. A cada passo, Elara é levada mais fundo em um jogo silencioso entre luz e escuridão. Em seu caminho, uma entidade ancestral a observa: Hécate, a deusa das encruzilhadas, que oferece escolhas… mas cobra preços. Quando todos os caminhos parecem levar ao abismo, qual deles ela escolherá? Em uma jornada marcada por segredos, sacrifícios e descobertas sombrias, Elara precisa enfrentar o passado e abraçar o que nasceu para ser — ou será engolida pela escuridão que jurou combater. "Encruzilhada" é uma fantasia sombria repleta de magia, mitologia e dilemas existenciais. Uma história sobre o poder das escolhas... e seus ecos eternos.
Leer másA névoa rastejava pela floresta como dedos antigos tentando tocar as raízes esquecidas. Elara sabia que não deveria estar ali — o bosque do sul era proibido desde o desaparecimento das crianças há sete invernos. Mas algo a chamava. Um sussurro.
Eram sempre sussurros. Desde a noite de seu décimo oitavo aniversário, ela sonhava com encruzilhadas. Sonhava com cães de olhos brancos, mulheres de três faces, tochas acesas no escuro. Quando contou à avó, a velha simplesmente disse: — Ela está te escolhendo. Agora, ali, diante de um velho carvalho retorcido, Elara viu as três trilhas diante de si. À esquerda, o caminho afundava num pântano enegrecido. À direita, subia uma colina de pedras nuas. No centro, a névoa era mais densa, quase sólida, como um manto. O vento parou. Então ela ouviu. Uma voz que não era voz. Um pensamento que se formava dentro dela: "Escolha." Elara estremeceu. Tocou o colar de osso que herdara da mãe — um pingente simples, esculpido como uma chave. Ninguém jamais soube de onde vinha. Até aquela noite. De dentro da névoa, uma figura surgiu. Não caminhava. Flutuava. Era uma mulher… ou três. Três rostos que se revezavam conforme ela se movia: uma jovem de olhos vazios, uma mãe com expressão severa, uma anciã de cabelos de serpente. — Sabes quem sou? — perguntou a entidade, com voz que ecoava como metal arranhando pedra. Elara caiu de joelhos. — Hécate — sussurrou. — A deusa da encruzilhada… do véu… da noite. A deusa inclinou a cabeça. — Ainda há sabedoria em teu sangue. Mas a sabedoria sem coragem é como uma chave sem porta. As três trilhas começaram a se transformar. No pântano, surgiram mãos tentando sair da lama. Na colina, um lobo com olhos de fogo observava. No centro, apenas a escuridão. — Escolhe, Elara — disse Hécate. — E viverás tua verdade… ou tua ruína. Elara olhou para os caminhos. Nenhum era seguro. Nenhum era certo. Mas ela sentia o colar pulsar. E dentro de si, algo despertava. Ela não era só uma garota. Era um portal. E Hécate viera guiá-la. A colina parecia mais íngreme do que Elara lembrava, embora nunca a tivesse subido antes. O vento açoitou seu rosto quando deu o primeiro passo. Às costas, o som do pântano borbulhava como se as mãos enterradas nela tivessem sido reais. O caminho central, coberto pela névoa espessa, tremeluzia à luz das tochas de Hécate — mas ela não olhou para trás. Ela escolheu o caminho da colina. O caminho do lobo. Seus pés descalços sangravam sobre as pedras, mas ela não parava. Algo nela já não pertencia ao mundo comum. A presença de Hécate ainda vibrava dentro do peito como um eco antigo, uma corrente invisível que arrastava seus pensamentos para o fundo da própria alma. À medida que subia, o ar mudava. Ficava mais frio, mais fino. As árvores tornavam-se cinzentas, mortas. E então o uivo veio. Um som grave, longo, que reverberou no céu escuro como um chamado ancestral. Ela parou. De uma clareira à frente, surgiram olhos. Brilhantes. Vermelhos. Não eram de animal comum. Eram grandes demais, conscientes demais. — Está perdida, humana? — perguntou uma voz, rouca, porém articulada. Elara recuou. O lobo saiu das sombras. Tinha o pelo negro como breu, patas pesadas e um colar de dentes humanos ao redor do pescoço. — Eu… estou em busca da Verdade — disse ela, com a voz mais firme do que sentia. O lobo riu. Sim, riu. Um som gutural e cruel. — A Verdade? Aqui? — Ele se aproximou, farejando o ar ao redor dela. — Hécate te mandou? Ela assentiu. — Então és carne marcada. Escolhida. Ou amaldiçoada. Às vezes, são a mesma coisa. O lobo contornou Elara devagar, como se medisse sua coragem. Em nenhum momento seus olhos deixaram os dela. — O que sabes sobre tua linhagem? Ela hesitou. — Minha mãe morreu ao me dar à luz. Meu pai… nunca o conheci. Fui criada pela minha avó. — E tua avó contou quem tu és? Elara respirou fundo. A avó falava em códigos, símbolos, sonhos. Mas nunca com clareza. — Apenas que eu era “filha do limiar”. — “Filha do limiar…” — repetiu o lobo, rosnando de leve. — Então não é só mortal. O sangue da deusa corre em ti. Uma bruxa nascida do véu. Ela engoliu em seco. — Eu sou uma bruxa? — Ainda não. Mas podes ser. Ou podes ser alimento para aqueles que rastejam entre mundos. O que escolhes? Elara cerrou os punhos. — Quero saber. Quero entender o que sou. O que Hécate quer de mim. — Hécate não quer. Ela observa. Abre portas. Quem as atravessa… nunca volta igual. O vento soprou mais forte. A floresta pareceu se curvar, como se escutasse. — Tens coragem de olhar no espelho da alma? — perguntou o lobo. — Tenho. — Então me segue. Sem esperar resposta, o lobo se virou e avançou pela trilha. Elara correu atrás dele, tropeçando nas pedras, sentindo o sangue quente escorrer pelos tornozelos. Mas não parou. Eles subiram até o topo da colina. Lá, uma árvore solitária crescia — retorcida, negra, com marcas talhadas no tronco. Símbolos antigos, que pulsavam em vermelho sob a luz da lua. O lobo sentou-se diante dela. — Toca o tronco — ordenou. — E o que acontece? — Descobrirás. Elara hesitou apenas por um segundo. Então estendeu a mão. Ao tocar a casca da árvore, o mundo explodiu em silêncio. Não era dor. Era ausência. De som, de forma, de chão. Ela caía. Não com o corpo, mas com o espírito. Caía para dentro de si mesma. 🌑 Estava em um campo vazio. Cinza. Infinito. No centro, uma mulher ajoelhada. Cabelos longos. Pele pálida. Rosto virado para o chão. — Mamãe? — sussurrou Elara, sem saber por quê. A mulher levantou o rosto. Era igual a ela. — Eu sou o que resta de ti antes da escolha — disse a mulher. — A versão que teme. Que duvida. Que sangra em silêncio. Elara não sabia o que dizer. Sua voz falhou. — Preciso da tua morte para renascer — disse a figura, agora caminhando em sua direção. — Eu sou tua sombra. Mas sombras não governam. Elara tentou correr. Mas a versão dela própria avançou, segurou-a pelos ombros e sussurrou: — Sê inteira. Ou sê nada. Um grito escapou de sua garganta. E ela acordou. 🌕 Estava deitada na clareira, sozinha. A árvore não estava mais ali. O lobo também se fora. Mas em sua mão havia uma chave. De ferro antigo. Gravada com os mesmos símbolos que vira no tronco da árvore. E na pele do braço direito, uma marca ardia. Três luas: crescente, cheia e minguante. A marca da deusa. Ela se levantou com dificuldade. — Eu aceitei — murmurou. O vento pareceu aprovar. Ao longe, na direção do pântano, um novo som se ergueu. Sinos. E o riso de uma criança morta.O confronto no véu entre os mundos era um turbilhão de luz e sombra. Elara sentiu as garras do Devorador tentando arrancar a essência dela, mas Lys e o lobo não a deixaram sozinha, atacando ferozmente as sombras que tentavam engoli-los. No meio do combate, o espelho em seu peito começou a emitir um brilho intenso e pulsante, como se quisesse revelar algo importante. — Concentre-se no espelho! — gritou Hécate, a voz firme no caos. Elara fechou os olhos por um instante, buscando dentro de si a força que a deusa havia lhe concedido. Imagens começaram a surgir no espelho: fragmentos de sua infância, momentos felizes e dolorosos, rostos que ela pensava ter esquecido. Então, uma imagem brilhou mais forte que as outras: sua mãe, jovem e cheia de esperança, segurando um amuleto — o mesmo símbolo da chave que Elara carregava. — Ela tentou proteger algo — murmurou Elara, tocando a marca no braço — algo que pode mudar tudo. Hécate aproximou-se, seu olhar grave. — A chave não é apenas um o
O Devorador encapuzado avançou pelos caminhos tortuosos da encruzilhada, seus passos silenciosos, mas carregados de uma presença que parecia sugar o ar ao redor. Seus olhos — dois poços negros que não piscavam — fixaram Elara com uma intensidade que fez seu corpo estremecer.Hécate permaneceu ao lado delas, a chave antiga brilhando em sua mão, enquanto o lobo rosnava, pronto para atacar a qualquer sinal.— Você sabe por que está aqui — disse o Devorador, a voz um sussurro afiado —. A chave. O espelho. O que carregam. Tudo pertence a mim.Elara sentiu uma onda de medo, mas também de determinação. Não poderia recuar agora.— O que você quer? — perguntou, tentando manter a voz firme.— Seu destino — respondeu ele. — E o fim da linha para aqueles que ousam desafiar a escuridão.Antes que pudessem reagir, o chão sob seus pés mudou. A encruzilhada se transformou em um labirinto de sombras, onde as paredes se moviam, fechando caminhos e abrindo outros.— O jogo começou — disse Hécate, seus o
O crepitar das folhas secas sob as patas do lobo misturava-se ao som dos próprios batimentos de Elara. O ar parecia denso, pesado, como se o tempo tivesse se espessado à sua volta, tornando cada segundo um fardo.Lys seguia a passos rápidos, seus olhos refletindo a luz trêmula da lua sangrenta, como se carregassem o peso de noites incontáveis sem descanso. A floresta parecia respirar ao redor delas — viva, consciente e faminta.Elara não podia deixar de olhar para trás, onde os primeiros olhos começaram a surgir entre as sombras. Olhos negros, sem brilho, imóveis. Eram os Devoradores.Olhos que não piscam.Olhos que só observam.Olhos que esperam.— Eles vão nos encontrar — murmurou Elara, a voz quase se perdendo no silêncio da noite.— Eles sempre encontram — respondeu Lys, sem hesitar — Mas nem sempre vencem.Elara apertou o espelho contra o peito. Ele ainda pulsava com uma energia que ela não compreendia completamente, como um coração de pedra viva.— Como você fugiu deles? — pergu
A floresta parecia mais viva — ou mais ciente — agora que Elara havia feito o pacto. Cada passo que dava com o lobo ao seu lado era seguido por sussurros ocultos, olhos que espiavam entre as folhas, galhos que se curvavam em direção a ela como se reconhecessem sua linhagem.Ela não era mais só Elara.Era Elara, filha da encruzilhada.E estava sendo observada pelo mundo invisível.A noite se arrastava espessa enquanto seguiam em direção às ruínas da antiga casa da avó. O lugar onde tudo começara. O fogo havia destruído a estrutura, mas não os ecos.Quando chegaram, a clareira onde ficava a cabana ainda estava coberta de cinzas endurecidas. O solo tinha cheiro de carvão e lembranças. As paredes de madeira agora eram apenas sombras de fuligem no chão.Elara ajoelhou-se perto do que antes fora o altar da avó. Sinais antigos ainda estavam ali, gravados em pedras que resistiram ao calor. Um círculo de proteção queimado, mas não apagado.O lobo farejava ao redor, inquieto.Elara tocou o chão
O lobo rosnava baixo, como se reconhecesse as figuras diante de Elara, mas não as aprovasse. As três mulheres estavam paradas em silêncio, encapuzadas, com mantos longos que pareciam feitos da própria noite. Nenhuma sombra as tocava — como se fossem as próprias donas da escuridão.A que estava no centro ergueu o capuz.Era jovem. Mas seus olhos eram antigos, tão antigos quanto o tempo.— Elara — disse ela, com uma voz firme e suave. — Você nos ouviu. E respondeu.Elara deu um passo à frente, ainda segurando a pedra negra contra o peito. O pingente da avó balançava em seu pescoço. A marca em seu braço agora ardia como se estivesse viva.— Quem são vocês?— Somos as Irmãs da Noite. Guardiãs do Limiar. Filhas da Senhora dos Caminhos. — Ela se aproximou. — E você... é uma de nós.Elara hesitou. Olhou para o lobo. Depois para as mãos. Sentia algo diferente em sua pele, nos ossos. Como se uma parte adormecida estivesse despertando, lenta e irreversivelmente.— O que querem de mim?— Nada qu
Elara segurava a chave como quem segura um pedaço de si. O ferro frio vibrava em sua mão, como se carregasse uma memória antiga. A marca no braço ainda ardia, mas não com dor. Era como se algo tivesse despertado nela. Algo que sempre esteve ali, mas adormecido, esperando.O som de sinos continuava ecoando, vindo do sul — do pântano que ela havia deixado para trás.E com os sinos, vinha o riso.Uma risada infantil. Aguda, fantasmagórica. Como se pertencesse a uma criança que nunca deveria ter rido.Elara desceu a colina. Cada passo parecia mais pesado. A névoa engrossava novamente. O ar ganhava cheiro de lama e podridão. Mas ela não desviou. A deusa a havia marcado. E algo naquele som chamava por ela.Quando chegou à beira do pântano, o mundo pareceu em suspenso.Tudo ali estava... quieto demais.Nenhuma folha se movia. Nenhuma rã coaxava. Nenhum vento passava.E então, entre os juncos encharcados, ela viu.Uma criança.Sozinha, sentada sobre uma pedra coberta de limo. Vestia um vestid
Último capítulo