A névoa rastejava pela floresta como dedos antigos tentando tocar as raízes esquecidas. Elara sabia que não deveria estar ali — o bosque do sul era proibido desde o desaparecimento das crianças há sete invernos. Mas algo a chamava. Um sussurro.
Eram sempre sussurros. Desde a noite de seu décimo oitavo aniversário, ela sonhava com encruzilhadas. Sonhava com cães de olhos brancos, mulheres de três faces, tochas acesas no escuro. Quando contou à avó, a velha simplesmente disse: — Ela está te escolhendo. Agora, ali, diante de um velho carvalho retorcido, Elara viu as três trilhas diante de si. À esquerda, o caminho afundava num pântano enegrecido. À direita, subia uma colina de pedras nuas. No centro, a névoa era mais densa, quase sólida, como um manto. O vento parou. Então ela ouviu. Uma voz que não era voz. Um pensamento que se formava dentro dela: "Escolha." Elara estremeceu. Tocou o colar de osso que herdara da mãe — um pingente simples, esculpido como uma chave. Ninguém jamais soube de onde vinha. Até aquela noite. De dentro da névoa, uma figura surgiu. Não caminhava. Flutuava. Era uma mulher… ou três. Três rostos que se revezavam conforme ela se movia: uma jovem de olhos vazios, uma mãe com expressão severa, uma anciã de cabelos de serpente. — Sabes quem sou? — perguntou a entidade, com voz que ecoava como metal arranhando pedra. Elara caiu de joelhos. — Hécate — sussurrou. — A deusa da encruzilhada… do véu… da noite. A deusa inclinou a cabeça. — Ainda há sabedoria em teu sangue. Mas a sabedoria sem coragem é como uma chave sem porta. As três trilhas começaram a se transformar. No pântano, surgiram mãos tentando sair da lama. Na colina, um lobo com olhos de fogo observava. No centro, apenas a escuridão. — Escolhe, Elara — disse Hécate. — E viverás tua verdade… ou tua ruína. Elara olhou para os caminhos. Nenhum era seguro. Nenhum era certo. Mas ela sentia o colar pulsar. E dentro de si, algo despertava. Ela não era só uma garota. Era um portal. E Hécate viera guiá-la. A colina parecia mais íngreme do que Elara lembrava, embora nunca a tivesse subido antes. O vento açoitou seu rosto quando deu o primeiro passo. Às costas, o som do pântano borbulhava como se as mãos enterradas nela tivessem sido reais. O caminho central, coberto pela névoa espessa, tremeluzia à luz das tochas de Hécate — mas ela não olhou para trás. Ela escolheu o caminho da colina. O caminho do lobo. Seus pés descalços sangravam sobre as pedras, mas ela não parava. Algo nela já não pertencia ao mundo comum. A presença de Hécate ainda vibrava dentro do peito como um eco antigo, uma corrente invisível que arrastava seus pensamentos para o fundo da própria alma. À medida que subia, o ar mudava. Ficava mais frio, mais fino. As árvores tornavam-se cinzentas, mortas. E então o uivo veio. Um som grave, longo, que reverberou no céu escuro como um chamado ancestral. Ela parou. De uma clareira à frente, surgiram olhos. Brilhantes. Vermelhos. Não eram de animal comum. Eram grandes demais, conscientes demais. — Está perdida, humana? — perguntou uma voz, rouca, porém articulada. Elara recuou. O lobo saiu das sombras. Tinha o pelo negro como breu, patas pesadas e um colar de dentes humanos ao redor do pescoço. — Eu… estou em busca da Verdade — disse ela, com a voz mais firme do que sentia. O lobo riu. Sim, riu. Um som gutural e cruel. — A Verdade? Aqui? — Ele se aproximou, farejando o ar ao redor dela. — Hécate te mandou? Ela assentiu. — Então és carne marcada. Escolhida. Ou amaldiçoada. Às vezes, são a mesma coisa. O lobo contornou Elara devagar, como se medisse sua coragem. Em nenhum momento seus olhos deixaram os dela. — O que sabes sobre tua linhagem? Ela hesitou. — Minha mãe morreu ao me dar à luz. Meu pai… nunca o conheci. Fui criada pela minha avó. — E tua avó contou quem tu és? Elara respirou fundo. A avó falava em códigos, símbolos, sonhos. Mas nunca com clareza. — Apenas que eu era “filha do limiar”. — “Filha do limiar…” — repetiu o lobo, rosnando de leve. — Então não é só mortal. O sangue da deusa corre em ti. Uma bruxa nascida do véu. Ela engoliu em seco. — Eu sou uma bruxa? — Ainda não. Mas podes ser. Ou podes ser alimento para aqueles que rastejam entre mundos. O que escolhes? Elara cerrou os punhos. — Quero saber. Quero entender o que sou. O que Hécate quer de mim. — Hécate não quer. Ela observa. Abre portas. Quem as atravessa… nunca volta igual. O vento soprou mais forte. A floresta pareceu se curvar, como se escutasse. — Tens coragem de olhar no espelho da alma? — perguntou o lobo. — Tenho. — Então me segue. Sem esperar resposta, o lobo se virou e avançou pela trilha. Elara correu atrás dele, tropeçando nas pedras, sentindo o sangue quente escorrer pelos tornozelos. Mas não parou. Eles subiram até o topo da colina. Lá, uma árvore solitária crescia — retorcida, negra, com marcas talhadas no tronco. Símbolos antigos, que pulsavam em vermelho sob a luz da lua. O lobo sentou-se diante dela. — Toca o tronco — ordenou. — E o que acontece? — Descobrirás. Elara hesitou apenas por um segundo. Então estendeu a mão. Ao tocar a casca da árvore, o mundo explodiu em silêncio. Não era dor. Era ausência. De som, de forma, de chão. Ela caía. Não com o corpo, mas com o espírito. Caía para dentro de si mesma. 🌑 Estava em um campo vazio. Cinza. Infinito. No centro, uma mulher ajoelhada. Cabelos longos. Pele pálida. Rosto virado para o chão. — Mamãe? — sussurrou Elara, sem saber por quê. A mulher levantou o rosto. Era igual a ela. — Eu sou o que resta de ti antes da escolha — disse a mulher. — A versão que teme. Que duvida. Que sangra em silêncio. Elara não sabia o que dizer. Sua voz falhou. — Preciso da tua morte para renascer — disse a figura, agora caminhando em sua direção. — Eu sou tua sombra. Mas sombras não governam. Elara tentou correr. Mas a versão dela própria avançou, segurou-a pelos ombros e sussurrou: — Sê inteira. Ou sê nada. Um grito escapou de sua garganta. E ela acordou. 🌕 Estava deitada na clareira, sozinha. A árvore não estava mais ali. O lobo também se fora. Mas em sua mão havia uma chave. De ferro antigo. Gravada com os mesmos símbolos que vira no tronco da árvore. E na pele do braço direito, uma marca ardia. Três luas: crescente, cheia e minguante. A marca da deusa. Ela se levantou com dificuldade. — Eu aceitei — murmurou. O vento pareceu aprovar. Ao longe, na direção do pântano, um novo som se ergueu. Sinos. E o riso de uma criança morta.