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Capítulo 5 – Olhos que Não Piscam

O crepitar das folhas secas sob as patas do lobo misturava-se ao som dos próprios batimentos de Elara. O ar parecia denso, pesado, como se o tempo tivesse se espessado à sua volta, tornando cada segundo um fardo.

Lys seguia a passos rápidos, seus olhos refletindo a luz trêmula da lua sangrenta, como se carregassem o peso de noites incontáveis sem descanso. A floresta parecia respirar ao redor delas — viva, consciente e faminta.

Elara não podia deixar de olhar para trás, onde os primeiros olhos começaram a surgir entre as sombras. Olhos negros, sem brilho, imóveis. Eram os Devoradores.

Olhos que não piscam.

Olhos que só observam.

Olhos que esperam.

— Eles vão nos encontrar — murmurou Elara, a voz quase se perdendo no silêncio da noite.

— Eles sempre encontram — respondeu Lys, sem hesitar — Mas nem sempre vencem.

Elara apertou o espelho contra o peito. Ele ainda pulsava com uma energia que ela não compreendia completamente, como um coração de pedra viva.

— Como você fugiu deles? — perguntou, respirando fundo.

— A encruzilhada — disse Lys. — Não é só um lugar, é um portal. Um limiar entre o mundo dos vivos e dos esquecidos. Mas entrar lá não é um presente — é um risco.

Elara sentiu um frio subir pela espinha.

— E se eles chegarem antes de nós?

Lys parou de repente, os olhos fixos em uma sombra mais densa que as outras.

— Então teremos que lutar.

Um rosnado baixo cortou o silêncio. O lobo se colocou à frente delas, os olhos brilhando com uma luz selvagem.

— Não posso protegê-las para sempre — disse ele, quase como se falasse com o próprio destino.

As árvores começaram a se fechar, como se formassem uma prisão viva. A névoa rastejava pelo chão, envolvendo tudo, consumindo os limites do visível.

Elara sentiu a marca no braço arder como nunca antes.

— É o chamado — disse Lys, tirando do bolso um pequeno amuleto. — Eles querem mais do que nossos corpos. Querem nossas almas.

Um vento cortante passou entre as árvores, trazendo um cheiro de terra molhada e folhas mortas.

— Mas nós temos a Hécate — lembrou Elara, a voz firme.

Lys sorriu com tristeza.

— Hécate não dá favores a todos. Ela exige sacrifícios.

De repente, uma figura emergiu da névoa, alta e imponente, com olhos como brasas e uma capa que parecia feita da própria escuridão.

— Vocês chamaram? — A voz era grave, ecoando como trovão distante.

Elara sentiu seu coração disparar.

— Hécate — sussurrou Lys.

A deusa da encruzilhada sorriu enigmaticamente, suas mãos se abrindo para revelar uma chave antiga e enferrujada.

— Vocês precisam escolher um caminho — disse ela — E uma escolha trará consequências que vocês não podem imaginar.

Elara segurou firme o espelho. Era hora de decidir.

O brilho da lua sangrenta parecia intensificar-se conforme Hécate estendia a mão com a chave antiga. O ar ao redor delas vibrava com uma energia ancestral — uma promessa e uma ameaça.

Elara sentiu o peso do olhar da deusa fixo sobre ela, como se pudesse ler não apenas seus pensamentos, mas seus medos mais ocultos.

— Esta chave — disse Hécate, sua voz como o sussurro do vento noturno — abre a porta entre mundos. A porta da encruzilhada, onde se cruzam passado, presente e futuro.

Lys apertou a mão de Elara com força.

— E o que acontece quando alguém atravessa essa porta?

— O que é deixado para trás jamais será o mesmo — respondeu Hécate. — Nem o que está à frente.

O lobo rosnou em alerta, os olhos fixos no horizonte onde as sombras dos Devoradores cresciam, mais numerosas e ameaçadoras.

— Vocês têm pouco tempo — advertiu a deusa — pois aqueles que vêm atrás de vocês não recuam. Eles querem a chave. Querem controlar o véu entre os mundos.

Elara olhou para a chave e depois para Lys, sentindo a tensão que unia seus destinos. O espelho em sua mão parecia pulsar com uma luz própria, refletindo um brilho que não era deste mundo.

— E se recusarmos? — perguntou Elara, a voz firme apesar do medo.

Hécate sorriu, um sorriso triste e antigo.

— Recusar é escolher ser consumida pela escuridão. Pois no limiar entre os mundos, a escuridão nunca perdoa.

Um silêncio pesado caiu sobre a clareira. A noite parecia prender o fôlego, aguardando a decisão.

Elara respirou fundo, sentindo a marca em seu braço queima-la com intensidade.

— Então... atravessaremos — disse finalmente, estendendo a mão para receber a chave.

No instante em que tocou o metal frio, uma luz branca e intensa os envolveu.

O mundo ao redor desapareceu.

Quando a luz se dissipou, Elara, Lys e o lobo estavam em um lugar onde o tempo e o espaço se dobravam.

Era a encruzilhada — mas não como a conheciam.

Era um labirinto de caminhos infinitos, cada um iluminado por uma lua em diferentes fases, com sussurros ecoando ao longe.

— Aqui — explicou Hécate, que agora caminhava ao lado delas — cada escolha pode mudar seu destino. Mas cuidado: algumas estradas levam à redenção, outras à perdição.

Elara olhou para Lys, que agora parecia mais uma aliada do que uma sombra do passado.

— Como saber qual caminho seguir?

— Você não saberá — respondeu Hécate. — Mas a chave abre apenas uma porta. E essa porta será a sua verdade.

Do lado oposto da encruzilhada, uma figura encapuzada apareceu.

— Então que comece o jogo — disse a voz, familiar e fria.

Era um Devorador.

Os olhos que não piscam.

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