O crepitar das folhas secas sob as patas do lobo misturava-se ao som dos próprios batimentos de Elara. O ar parecia denso, pesado, como se o tempo tivesse se espessado à sua volta, tornando cada segundo um fardo.
Lys seguia a passos rápidos, seus olhos refletindo a luz trêmula da lua sangrenta, como se carregassem o peso de noites incontáveis sem descanso. A floresta parecia respirar ao redor delas — viva, consciente e faminta. Elara não podia deixar de olhar para trás, onde os primeiros olhos começaram a surgir entre as sombras. Olhos negros, sem brilho, imóveis. Eram os Devoradores. Olhos que não piscam. Olhos que só observam. Olhos que esperam. — Eles vão nos encontrar — murmurou Elara, a voz quase se perdendo no silêncio da noite. — Eles sempre encontram — respondeu Lys, sem hesitar — Mas nem sempre vencem. Elara apertou o espelho contra o peito. Ele ainda pulsava com uma energia que ela não compreendia completamente, como um coração de pedra viva. — Como você fugiu deles? — perguntou, respirando fundo. — A encruzilhada — disse Lys. — Não é só um lugar, é um portal. Um limiar entre o mundo dos vivos e dos esquecidos. Mas entrar lá não é um presente — é um risco. Elara sentiu um frio subir pela espinha. — E se eles chegarem antes de nós? Lys parou de repente, os olhos fixos em uma sombra mais densa que as outras. — Então teremos que lutar. Um rosnado baixo cortou o silêncio. O lobo se colocou à frente delas, os olhos brilhando com uma luz selvagem. — Não posso protegê-las para sempre — disse ele, quase como se falasse com o próprio destino. As árvores começaram a se fechar, como se formassem uma prisão viva. A névoa rastejava pelo chão, envolvendo tudo, consumindo os limites do visível. Elara sentiu a marca no braço arder como nunca antes. — É o chamado — disse Lys, tirando do bolso um pequeno amuleto. — Eles querem mais do que nossos corpos. Querem nossas almas. Um vento cortante passou entre as árvores, trazendo um cheiro de terra molhada e folhas mortas. — Mas nós temos a Hécate — lembrou Elara, a voz firme. Lys sorriu com tristeza. — Hécate não dá favores a todos. Ela exige sacrifícios. De repente, uma figura emergiu da névoa, alta e imponente, com olhos como brasas e uma capa que parecia feita da própria escuridão. — Vocês chamaram? — A voz era grave, ecoando como trovão distante. Elara sentiu seu coração disparar. — Hécate — sussurrou Lys. A deusa da encruzilhada sorriu enigmaticamente, suas mãos se abrindo para revelar uma chave antiga e enferrujada. — Vocês precisam escolher um caminho — disse ela — E uma escolha trará consequências que vocês não podem imaginar. Elara segurou firme o espelho. Era hora de decidir. O brilho da lua sangrenta parecia intensificar-se conforme Hécate estendia a mão com a chave antiga. O ar ao redor delas vibrava com uma energia ancestral — uma promessa e uma ameaça. Elara sentiu o peso do olhar da deusa fixo sobre ela, como se pudesse ler não apenas seus pensamentos, mas seus medos mais ocultos. — Esta chave — disse Hécate, sua voz como o sussurro do vento noturno — abre a porta entre mundos. A porta da encruzilhada, onde se cruzam passado, presente e futuro. Lys apertou a mão de Elara com força. — E o que acontece quando alguém atravessa essa porta? — O que é deixado para trás jamais será o mesmo — respondeu Hécate. — Nem o que está à frente. O lobo rosnou em alerta, os olhos fixos no horizonte onde as sombras dos Devoradores cresciam, mais numerosas e ameaçadoras. — Vocês têm pouco tempo — advertiu a deusa — pois aqueles que vêm atrás de vocês não recuam. Eles querem a chave. Querem controlar o véu entre os mundos. Elara olhou para a chave e depois para Lys, sentindo a tensão que unia seus destinos. O espelho em sua mão parecia pulsar com uma luz própria, refletindo um brilho que não era deste mundo. — E se recusarmos? — perguntou Elara, a voz firme apesar do medo. Hécate sorriu, um sorriso triste e antigo. — Recusar é escolher ser consumida pela escuridão. Pois no limiar entre os mundos, a escuridão nunca perdoa. Um silêncio pesado caiu sobre a clareira. A noite parecia prender o fôlego, aguardando a decisão. Elara respirou fundo, sentindo a marca em seu braço queima-la com intensidade. — Então... atravessaremos — disse finalmente, estendendo a mão para receber a chave. No instante em que tocou o metal frio, uma luz branca e intensa os envolveu. O mundo ao redor desapareceu. Quando a luz se dissipou, Elara, Lys e o lobo estavam em um lugar onde o tempo e o espaço se dobravam. Era a encruzilhada — mas não como a conheciam. Era um labirinto de caminhos infinitos, cada um iluminado por uma lua em diferentes fases, com sussurros ecoando ao longe. — Aqui — explicou Hécate, que agora caminhava ao lado delas — cada escolha pode mudar seu destino. Mas cuidado: algumas estradas levam à redenção, outras à perdição. Elara olhou para Lys, que agora parecia mais uma aliada do que uma sombra do passado. — Como saber qual caminho seguir? — Você não saberá — respondeu Hécate. — Mas a chave abre apenas uma porta. E essa porta será a sua verdade. Do lado oposto da encruzilhada, uma figura encapuzada apareceu. — Então que comece o jogo — disse a voz, familiar e fria. Era um Devorador. Os olhos que não piscam.