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Capítulo 2 – O Pântano e os Sussurros

Elara segurava a chave como quem segura um pedaço de si. O ferro frio vibrava em sua mão, como se carregasse uma memória antiga. A marca no braço ainda ardia, mas não com dor. Era como se algo tivesse despertado nela. Algo que sempre esteve ali, mas adormecido, esperando.

O som de sinos continuava ecoando, vindo do sul — do pântano que ela havia deixado para trás.

E com os sinos, vinha o riso.

Uma risada infantil. Aguda, fantasmagórica. Como se pertencesse a uma criança que nunca deveria ter rido.

Elara desceu a colina. Cada passo parecia mais pesado. A névoa engrossava novamente. O ar ganhava cheiro de lama e podridão. Mas ela não desviou. A deusa a havia marcado. E algo naquele som chamava por ela.

Quando chegou à beira do pântano, o mundo pareceu em suspenso.

Tudo ali estava... quieto demais.

Nenhuma folha se movia. Nenhuma rã coaxava. Nenhum vento passava.

E então, entre os juncos encharcados, ela viu.

Uma criança.

Sozinha, sentada sobre uma pedra coberta de limo. Vestia um vestido branco manchado de barro, e balançava os pés sobre a água escura. Seus olhos eram grandes demais, e totalmente negros. Quando viu Elara, sorriu com dentes pequenos e afiados.

— Você trouxe a chave... — disse, como quem cumprimenta uma velha amiga.

Elara estremeceu.

— Quem é você?

— Fui muitas. Agora sou só uma. E logo, serei ninguém.

A menina apontou para o chão ao lado da pedra. Havia um buraco ali — profundo, circular, como se algo tivesse sido arrancado da terra com violência.

— A chave abre a porta. Mas portas são vontades. Você quer abrir?

Elara se aproximou. O buraco parecia respirar. Uma névoa escura saía dele como vapor. Dentro, não havia escadas. Nem fundo visível. Só escuridão.

— O que há aí?

— A primeira lembrança. Aquela que sua avó enterrou quando você nasceu.

Elara olhou para a chave. Então para a marca em seu braço. Sabia que não havia volta.

Ela se ajoelhou diante do buraco.

— Se eu pular... volto?

A menina riu. Um som de vento rasgando vidro.

— Talvez. Mas não igual.

Antes que pudesse hesitar, Elara encaixou a chave no ar, sobre o buraco.

E o buraco se abriu.

Com um estalo seco, como carne rasgando. Uma escada surgiu, feita de ossos entrelaçados, descendo em espiral.

Elara olhou para a menina.

— Você vem?

— Não posso. Fiquei presa entre as decisões. Você ainda está escolhendo.

Sem mais perguntas, Elara desceu.

🌑

A cada degrau, a luz do mundo desaparecia. O ar tornava-se denso, espesso como óleo. As paredes eram cobertas por inscrições em línguas que ela não sabia, mas que entendia. Palavras como “renúncia”, “eco”, “esquecimento”.

E então, lá embaixo, a escada terminou.

Ela estava numa câmara circular, silenciosa.

No centro, havia um berço.

Velho. De madeira. Coberto por véus negros. Dentro dele, um feixe de pano.

Elara se aproximou. Seu coração batia como um tambor. Algo em seu sangue reconhecia aquilo. Antes mesmo que ela puxasse o pano, sabia o que encontraria.

Mas puxou assim mesmo.

Dentro, havia um bebê.

Ou quase.

O corpo era pequeno, mas murcho. A pele cinzenta, enrugada como papel velho. Os olhos abertos — e sem alma.

E em seu peito, onde o coração deveria bater, havia uma pedra. Negra. Luminosa. Como carvão vivo.

Ela estendeu a mão. Precisava tocar.

Quando seus dedos tocaram a pedra, o mundo tremeu.

💫

Ela viu.

Uma mulher gritando ao parir. Uma velha envolta em véus prateados puxando algo do corpo do bebê. A pedra. Enterrando-a. Selando-a. Jurando que a neta viveria livre do destino. Mas nada se enterra para sempre.

Viu a deusa.

Hécate, em sua forma tripla — donzela, mãe e anciã — observando ao longe, sem interferir.

E viu... sombras.

Uma entidade sem rosto. De dentes demais. Tocando a testa da criança e sussurrando:

— Nos veremos outra vez.

🌕

Elara caiu de joelhos ao voltar à realidade.

A pedra agora estava em sua mão.

Ela a reconhecia.

Era sua.

Um pedaço de si que fora arrancado para que ela crescesse ignorando quem era. Mas o tempo da ignorância havia terminado.

Ao se levantar, notou algo.

O bebê no berço... havia sumido.

No lugar dele, estava o colar da avó. O mesmo que ela usava até o dia de sua morte. Um pingente em forma de lua minguante.

Ela o pegou. Estava quente. Quente como uma lembrança recém-viva.

Subiu as escadas, pedra e pingente nas mãos.

🌫️

A criança a esperava.

Mas agora, seus olhos estavam diferentes.

— Agora você se lembra. — disse ela. — E por isso, é perigosa.

— Quem é você, de verdade?

A menina sorriu.

— Um dia, fui como você. Fui escolhida. Fui guiada. Mas escolhi o caminho errado.

— Ainda posso te ajudar?

— Pode. Mas não hoje. Hoje, você precisa voltar à Encruzilhada.

Elara se virou. A clareira estava atrás de si.

— E a pedra?

— Guarde. Ela é teu coração. Teu selo. Mas cuidado... Há quem sinta o cheiro dela.

Elara respirou fundo e começou a andar.

Quando chegou à clareira novamente, o lobo a esperava.

Mas agora não estava sozinho.

Atrás dele, três figuras encapuzadas.

Todas com o símbolo da lua tatuado na testa.

Bruxas.

Irmãs da Noite.

— Bem-vinda à Orla das Sombras — disse uma delas. — Elara, filha da Encruzilhada.

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