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Capítulo 3 - A Fenda e Os Sussurros da Morte

Nas noites que seguiram, o silêncio tornou-se impossível para Emeraude. Mesmo trancada no quarto, mesmo com a cabeça debaixo do travesseiro ou o som da televisão ligado, ela ouvia.

Sussurros.

Frases soltas, vozes antigas, algumas infantis, outras roucas como folhas secas. Chamavam seu nome. Repetiam datas. Falavam de pessoas que ela nunca conhecera.

E uma coisa era certa: todas estavam mortas.

Na manhã da quinta-feira, acordou com sangue no travesseiro. O nariz sangrara de novo. E na parede, ao lado de sua cama, havia uma palavra escrita com o dedo, como se alguém tivesse arranhado o reboco:

“Prepara-te.”

Desceu as escadas assustada, o coração disparado. Encontrou a mãe preparando chá. O cheiro era forte, de algo herbal e antigo. Alisha não disse nada de imediato, apenas ofereceu a xícara.

— Os sussurros começaram, não foi?

Emeraude apenas assentiu, os olhos marejados.

— Eles estão vindo. Não sei quem são, mas... estão vindo. E eu ouço coisas, vejo lampejos, vultos no espelho, nomes que não conheço...

— É a Rede — explicou a mãe. — As banshees estão todas conectadas. Quando uma desperta, as outras sentem. Algumas vêm para guiar. Outras... nem tanto.

O pai entrou na cozinha nesse momento, vestindo jaleco, como se voltasse do hospital.

— Preparem-se. Recebi uma mensagem de uma aliada. O nome dela é Lirien. É uma banshee anciã. Vai vir até aqui esta noite. Disse que você precisa entender o que é, antes que outros... tentem usar você.

— Outros?

— Criaturas que vivem nas sombras da Morte — respondeu Alisha. — Espíritos famintos, necromantes, ceifadores... coisas que desejam controlar o limiar entre os dois mundos. Uma banshee nova é um farol.

Emeraude sentiu um arrepio na espinha. Estava sendo caçada antes mesmo de aprender a se defender.

Naquela noite, como prometido, Lirien chegou.

Ela parecia ter a idade da floresta. Vestia preto dos pés à cabeça, e seus olhos eram cinzentos como o céu antes da tempestade. Seu cabelo branco era preso em tranças finas e longas, que pareciam carregar histórias em cada nó.

— Você gritou pela primeira vez — disse ela, encarando Emeraude com uma intensidade desconcertante. — O mundo ouviu. Agora precisa aprender a gritar com propósito, ou será engolida por ele.

Lirien trouxe consigo um livro antigo, encadernado em couro escuro. Nele, estavam os registros das antigas banshees, seus nomes, visões, mapas do mundo espiritual. Era um grimório da morte.

— Amanhã, quando o sol nascer, vamos até a fenda.

— Que fenda? — perguntou Emeraude.

Lirien respondeu, com uma calma assustadora:

— A fenda onde os vivos escutam os mortos. É onde sua voz nasceu. E onde poderá aprender a dominá-la.

E assim, com apenas dezesseis anos, Emeraude se preparava para cruzar pela primeira vez a linha entre este mundo... e o outro lado do grito.

O dia nasceu envolto em névoa. Uma cortina densa cobria as ruas de Ravenshall, como se o mundo quisesse esconder o que estava por vir. Lirien já aguardava do lado de fora da mansão dos Lewis, vestida com um manto de viagem que tremulava ao vento como sombra líquida.

Emeraude sentia o peito apertado. As vozes haviam cessado durante a madrugada, como se estivessem segurando o fôlego para o momento em que ela cruzasse o limiar.

A viagem foi silenciosa. Subiram por trilhas escondidas entre as colinas do norte, por entre árvores que pareciam observá-las. O céu se mantinha cinzento, e um frio anormal penetrava a pele, mesmo sob os primeiros raios do sol.

— A Fenda não é um lugar físico comum — explicou Lirien, finalmente quebrando o silêncio. — É um cruzamento de frequências. Um espaço entre os mundos, onde o tempo escorre diferente. Só banshees podem entrar e sair ilesas. Os outros enlouquecem... ou se perdem.

Emeraude engoliu seco.

— E por que eu preciso ir até lá?

— Porque lá é onde tua alma vai entender o que tua carne ainda resiste a aceitar: você não é humana como os outros. Você pertence às bordas do véu. E se não aprender a caminhar entre os dois mundos... será puxada por um deles.

Depois de horas de caminhada, chegaram a um campo aberto, esquecido no tempo. Havia pedras negras fincadas no solo, formando um círculo imperfeito. No centro, o ar parecia tremular, como uma miragem. Era a Fenda.

— Entre — disse Lirien, segurando o livro de couro em mãos. — Mas cuidado: a Fenda sussurra o que você teme. Não escute com o coração. Escute com os ossos.

Emeraude deu um passo à frente. Sentiu o chão sumir sob os pés.

E então, caiu.

Ou talvez foi puxada.

A luz sumiu. O som explodiu. E ela se viu em um corredor de vozes, espelhos partidos e memórias que não eram dela. Um homem chorando sobre um leito. Uma criança gritando em um incêndio. Um campo de batalha coberto de neve e sangue.

Ela ouviu o próprio nome. Mil vezes. Gritado, sussurrado, cantado.

“Emeraude...”

Então, viu a si mesma... mas não era ela. Era uma versão mais velha. Os cabelos soltos, os olhos de mel brilhando em dourado-funeral. E a boca... aberta em um grito tão poderoso que rachava o próprio espaço ao redor.

— Quem é você? — perguntou, assustada.

A figura sorriu. Uma lágrima escorreu pelo rosto.

— Eu sou o que você se tornará... se sobreviver.

Emeraude tentou correr, mas a imagem se dissipou. O mundo se partiu em mil cacos.

E então, emergiu de volta ao campo. Ofegante. Tremendo.

Lirien a observava com cuidado. Aproximou-se, colocando a mão sobre seu ombro.

— A Fenda te aceitou.

Emeraude olhou ao redor. O mundo parecia mais nítido. Mais... silencioso.

Mas dentro dela, algo havia despertado.

— Eu ouvi meu próprio fim — murmurou. — E ele vem acompanhado de uma escolha.

Lirien assentiu, séria.

— Todas as banshees enfrentam isso. A morte que preveem... pode ser a sua.

E assim, aos dezesseis anos, Emeraude Lewis deu o primeiro passo não apenas rumo ao controle de seus dons — mas ao encontro do seu próprio destino.

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