O dia seguinte amanheceu mais frio do que o normal. As notícias correram depressa: “Adolescente morre em festa clandestina na floresta.” Nenhum dos jornais locais ousava dizer mais. A causa era “indeterminada”. Mas os olhos dos que estiveram lá diziam tudo: medo.
Emeraude não conseguiu dormir. O grito ainda vibrava dentro dela, como uma memória viva presa entre os ossos. Aquilo não fora apenas um som — fora um chamado. Algo que ela ainda não compreendia, mas que sentia com todo o corpo.
Quando acordou, o mundo parecia diferente. Mais silencioso, mais denso. Ou talvez ela estivesse ouvindo demais.
Desceu para o café da manhã, mas encontrou a mesa vazia. Nenhum croissant, nenhuma maçã cortada com perfeição.
Então viu os pais na sala de estar, sentados lado a lado como se tivessem esperado a noite inteira por ela. O semblante de ambos era sombrio.
— Sente-se — disse James. O tom era seco, quase clínico.
Emeraude obedeceu. As mãos geladas.
— O que aconteceu ontem? — perguntou a mãe.
— Eu... eu não sei. A Helena começou a... sei lá, convulsionar. E então... eu gritei. Mas não era um grito normal. Foi como... se o mundo tivesse me atravessado.
James trocou um olhar com Alisha. Ela assentiu.
— Você tem o direito de saber — disse ele. — Já deveria ter sabido, na verdade. Só estávamos esperando o momento certo. Mas parece que ele chegou.
Alisha respirou fundo, olhando para a filha com um misto de culpa e alívio.
— Eu não sou apenas psicóloga, Emeraude. E seu pai... não é apenas médico. Nós temos dons. Heranças de um mundo que a maioria das pessoas não enxerga.
— Dons? — ela perguntou, confusa.
— Eu sou uma lobisomem — confessou Alisha, a voz firme. — Mas não como os filmes mostram. Eu me alimento das memórias ruins das pessoas, extraio suas dores durante as sessões. É assim que curo. E é assim que sobrevivo.
Emeraude arregalou os olhos. Sua mãe sempre fora controlada, elegante... uma criatura feroz? Nunca teria imaginado.
— E eu — disse James — sou filho de Asclépio, o deus da medicina grega. Sou um Esculápio. Posso curar, manipular a vida dentro dos corpos. É um dom, mas também uma responsabilidade. E você...
Ele parou. Olhou para a filha com cuidado.
— Você é algo ainda mais raro.
Alisha completou:
— Você é uma banshee, Emeraude.
A garota sentiu o mundo girar.
— Banshee?
— Uma criatura entre os mundos. Guardiã da fronteira entre a vida e a morte. As banshees não causam a morte — elas a sentem, a ouvem, a anunciam. E às vezes, sem querer, a libertam.
— Foi o que aconteceu com a Helena...?
James assentiu, com pesar.
— Seu grito a libertou. Ela já estava destinada. Mas sua energia... abriu o caminho.
Emeraude levou as mãos ao rosto. O mundo inteiro parecia ter desabado.
— Por que... por que vocês nunca me contaram?
— Porque sabíamos que quando despertasse, não haveria mais volta — disse a mãe. — E agora, não há.
— O que vai acontecer comigo?
James se levantou. Seus olhos dourados brilharam com algo antigo e poderoso.
— Agora... você vai aprender. Porque o mundo vai sentir que você despertou. E nem todos os que ouvem o grito da morte... querem apenas escutar.