Elisa passou a manhã inteira na cozinha com a governanta, Dona Célia, uma senhora simpática que trabalhava com a família Castro há mais de dez anos. Com um avental de linho preso à cintura, ela lavava os legumes com cuidado e seguia atentamente as instruções da outra mulher.
Esse é o prato favorito dele? ... perguntou, mexendo o arroz malandrinho com frutos do mar. É sim, querida. Quando Eduardo era menino, o pai dele sempre pedia esse prato aos domingos. Depois que o senhor faleceu, ele nunca mais falou do assunto… mas toda vez que faço, ele come tudo. — Dona Célia sorriu de canto. — Acho que ele guarda mais coisas no peito do que deixa transparecer. Elisa sorriu, mas não respondeu. Preferia não criar ilusões. Desde o casamento, Eduardo parecia determinado a manter um muro invisível entre eles. Chegava tarde, saía cedo. Trocavam palavras curtas no café da manhã e olhares breves pelos corredores. Ela não sabia se o casamento o incomodava tanto assim… ou se ele apenas não sabia lidar com alguém como ela. Alguém que não cobrava. Que não exigia. Que apenas… existia. Mas mesmo que não dissesse, Elisa ainda tentava. Era da sua natureza cuidar. Amar em silêncio. Servir com carinho. E talvez, no fundo, esperasse que ele notasse. ------ Às oito em ponto, a mesa estava posta. A cobertura parecia ainda mais silenciosa que o habitual, e Elisa conferia pela quarta vez os talheres alinhados, o vinho resfriado, a travessa central com o arroz fumegante. Ela havia se arrumado discretamente: um vestido branco de algodão, o cabelo solto e leve perfume de jasmim no ar. Simples, mas bonita. O tipo de beleza que não grita, apenas permanece. Sentou-se à mesa e esperou. O relógio marcava 20h15. Depois 20h40. Às 21h, seu celular vibrou com uma mensagem curta: "Jantar com investidores. Não me espere. ... E." Nada mais. Nenhum “desculpe”. Nenhum “obrigado”. Ela soltou o ar devagar. O prato na sua frente parecia murchar diante dos olhos. Ele não vem, né? ... perguntou Dona Célia, surgindo na porta. Elisa forçou um sorriso. Negócios. A senhora a observou com ternura. Você quer que eu guarde? Não… acho que vou comer um pouco. Sentou-se sozinha, e por alguns minutos, o som do garfo contra o prato foi a única companhia. Eduardo não sabia, mas ali estava sendo servido algo mais do que arroz. Era a paciência dela. O esforço. O carinho escondido nos gestos pequenos. E ele... sequer provava. ------ No dia seguinte, Eduardo chegou quase ao amanhecer. Elisa, ainda de robe, passava café na cozinha. O cheiro se espalhava pelo ambiente e suavizava o ar. Ele entrou com os olhos cansados, o paletó nos ombros e o nó da gravata solto. Trabalhou a noite toda? ... ela perguntou, sem ironia. Reuniões. Investidores de Dubai. — Ele abriu a geladeira e pegou uma garrafa d’água. Não dormi. Ela serviu uma xícara de café e estendeu a ele. Forte, sem açúcar. Como você gosta. Eduardo hesitou, mas pegou. Olhou para ela por um segundo a mais do que o normal. Quase... curioso. Obrigado. Foi a primeira palavra de gratidão que ela ouviu dele em dias. Mas antes que pudesse responder, ele já estava de costas, indo em direção ao quarto. Sempre assim. Um passo à frente, dois para trás. ------ Na terceira semana de casados, a ausência dele virou regra. Jantares em restaurantes de luxo com empresários. Viagens relâmpago para São Paulo. Eventos de gala onde ela sequer era mencionada. Elisa nem sempre era informada, e muitas noites dormia sozinha sem saber onde ele estava ... ou se voltaria. Ela, por sua vez, preenchia os dias com leitura, longas caminhadas, e agora, aulas de culinária com Dona Célia. Era sua forma de ocupar o vazio. Você é forte, menina ... disse a governanta numa manhã, enquanto batiam um bolo. Já vi muitas mulheres entrarem nessa casa com olhos brilhando e saírem despedaçadas. Mas você... você se mantém firme. Elisa sorriu com gentileza. Não é força, Dona Célia. É sobrevivência. ------ Uma noite, Eduardo chegou de surpresa. Elisa estava no sofá, lendo. O som da porta se abrindo fez seu coração acelerar, ainda que ela desejasse o contrário. Ele parecia exausto, mas algo estava diferente. O olhar mais sombrio, o silêncio mais pesado. Está tudo bem? ... perguntou ela. Mais ou menos. Ele largou a maleta com força. Um sócio rompeu contrato. Um golpe inesperado. Sinto muito... Ele se sentou no sofá ao lado dela, mas nem a olhou. Passou as mãos nos cabelos, frustração evidente nos ombros. Não precisa fingir que se importa ... murmurou. Elisa fechou o livro. Eu não finjo nada, Eduardo. Não sei se você percebeu, mas eu estou aqui. Todos os dias. Ele a olhou, finalmente. E por um momento, havia algo nos olhos dele... talvez remorso, talvez surpresa. Mas desapareceu tão rápido quanto veio. Vai dormir cedo? ... ele perguntou. Estava pensando em assistir algo. Quer ficar? Ele hesitou. Depois, se levantou. Boa noite, Elisa. E se foi. De novo. Ela soltou o ar devagar, voltou o olhar para a tela apagada da TV e pensou que, talvez, amar alguém ausente fosse como dançar sozinha no escuro: você até aprende os passos, mas nunca deixa de sentir a falta do outro.