No interior, repousava uma joia delicada, de um tom profundo e vibrante que remetia diretamente ao olhar enigmático de Deise — como se tivesse sido lapidada com a essência da alma dela.
— Trouxe isso para você — disse ele, a voz firme, mas envolta em uma doçura quase teatral. — Da cor dos seus olhos... Permite que eu coloque?
Ela hesitou por um segundo, tomada de surpresa pela gentileza incomum vinda de alguém que sempre agia com controle milimétrico. Por mais que estivesse desconfortável, assentiu com um gesto sutil.
— Claro... mas o senhor não precisava — respondeu, sua voz quase sussurrada, abafada por um constrangimento que ela mesma não conseguia explicar.
Roberto se levantou lentamente, como quem dança com o tempo, e se aproximou. Suas mãos ergueram o colar com precisão e, ao colocá-lo em seu pescoço, seus dedos roçaram a pele dela com uma suavidade que fazia cada músculo do corpo de Deise se enrijecer.
— Preocupar-me com você é um prazer raro, Deise... — murmurou ao pé do ouvido, a voz carregada de um calor estranho, que parecia mais ameaça disfarçada do que carinho genuíno. — Gosto de vê-la sorrindo. Embora hoje, confesso, seus olhos escondam algo mais denso... algo que me intriga.
Deise sorriu por obrigação, os lábios arqueados com esforço. O colar, por mais leve que fosse, pesava como grilhões em sua pele. Ela sentia o peso não do ouro, mas da intenção por trás dele. Aquela conversa tinha camadas — e nenhuma delas era realmente sobre um presente.
Mais tarde, sozinha em seu quarto, Deise encarava a caixa deixada sobre sua cama. Demorou a abri-la, como quem sabe que algo ali dentro poderia alterar seu estado de espírito — e, talvez, até o rumo daquela noite.
Quando finalmente retirou a tampa, encontrou um vestido de seda vinho, de corte sofisticado, porém revelador. Um decote profundo, uma fenda lateral provocante e um caimento que desenhava cada curva do corpo. Era o tipo de vestido feito para atrair olhares... ou, pior, para prender atenção. Ao lado, um par de sapatos de salto da mesma tonalidade e um colar de rubis cintilantes compunham o conjunto.
Ela segurou o vestido diante do espelho e, por um instante, teve a nítida sensação de estar sendo transformada em vitrine — uma boneca adornada para impressionar uma plateia que ela desprezava. Mas algo dentro dela despertou. Se teria que vestir aquela armadura, que fosse com orgulho. Se seria exposta, que fosse com força.
Lavou o rosto, ajeitou os cabelos em ondas suaves, fez uma maquiagem discreta que ressaltava a intensidade de seus olhos. Quando se olhou no espelho, viu mais do que uma mulher aprisionada: viu alguém decidida a resistir, mesmo com poucas armas.
Já passava das 20 horas quando deixou o quarto. A mente inundada de pensamentos, o coração em sobressalto. Miguel viria? Ou ela enfrentaria tudo sozinha?
Antes de terminar de descer, notou o ambiente repleto de pessoas. Rosto após rosto, sócios, investidores, esposas arrumadas com brilho nos olhos. Algumas feições lhe eram familiares, outras completamente estranhas. E, no meio de todos, estava ele — Roberto Duarte — em pé, erguendo uma taça de vinho com um entusiasmo enigmático.
— Para quem ainda não conhece — anunciou, com voz calorosa e autoritária — esta é minha nora, Deise Duarte. Esposa de meu filho, Lucas.
O olhar dela congelou. O peso das palavras caiu como um chicote em seu orgulho. Antes que pudesse reagir, Lucas apareceu ao seu lado, pegando suavemente sua mão.
— Você está linda — murmurou com um sussurro venenoso. — Seguir meu conselho só lhe faz bem.
Ela puxou discretamente a mão de volta, ignorando o comentário, e varreu o salão com os olhos em busca de um único rosto: Miguel. Mas ele não estava ali. Seu coração afundou e, por um instante, desejou que a noite acabasse antes mesmo de começar.
O jantar prosseguiu. Cerca de quinze pessoas à mesa, entre risos contidos e conversas artificiais. Deise permaneceu em silêncio, como uma sombra ao lado de Lucas, suportando o teatro social, a bebida constante e os olhares de julgamento velado.
Horas depois, já com mais álcool no sangue do que gostaria de admitir, ela escapou para o terraço. O ar da noite a envolveu como um bálsamo. Observava o jardim abaixo — silencioso, com luzes tênues e sombras que dançavam com o vento. Estava ali, à deriva, quando ouviu uma voz baixa e conhecida atrás de si:
— Estive à sua procura...
Ela se virou num reflexo. Seu coração deu um salto. Miguel.
— Eu sabia que te encontraria aqui — disse ele com um sorriso cúmplice.
— Pensei que não viria... — murmurou ela, sentindo o peito se apertar.
— Não te deixaria sozinha no meio dos tubarões — respondeu ele, tocando-lhe suavemente o rosto. — Está tudo bem?
Ela não respondeu. Apenas o abraçou com força, como quem se agarra ao único respiro de liberdade. Seus corpos se encaixaram como peças que o tempo separou à força. Quando Miguel pousou as mãos sobre o vestido dela, o mundo pareceu silenciar. Os rostos se aproximaram, e ele a beijou com intensidade contida — um beijo que começou como sopro e virou incêndio.
A língua dele buscava a dela com desejo incontido, e Deise entregava-se como quem esperava aquele momento há séculos. Quando se afastaram, ofegantes, Miguel murmurou, tomado pelo conflito:
— Não podemos... não deveríamos...
— Você quer parar? — perguntou ela, esperando ouvir algo que não a ferisse.
Miguel permaneceu em silêncio, desviando o olhar como quem trava uma guerra interna. E então recuou.
— Sinto muito... Não devia ter feito isso.
Ela virou-se de costas, tentando se recompor, mas ele voltou, puxando-a pela cintura. Seus beijos incendiaram o pescoço dela, e um arrepio involuntário percorreu sua espinha. Estava prestes a perder o controle novamente, quando uma voz cortou o ar como uma lâmina:
— Deise, você está aí?
Lucas.
Ela respirou fundo, alisou os cabelos, tentando parecer intacta.
— O que você quer? — perguntou, indo ao seu encontro com firmeza.
— Precisamos conversar. Meu pai está nos esperando no escritório — disse ele, tocando-lhe o braço com falsa ternura.
Ela se afastou bruscamente.
— Não encoste em mim!
Deise o acompanhou até a sala. Os convidados já haviam ido embora. O silêncio da casa agora era mais pesado do que o som das vozes havia sido.
— Venha, ele te espera — repetiu Lucas.
— Vou ao banheiro primeiro. Encontro vocês lá.
Trancada no banheiro, os olhos fixos no reflexo, Deise sorriu. Um sorriso pequeno, verdadeiro, pela primeira vez em muito tempo.
Ela havia sido beijada por Miguel. E por um instante, mesmo cercada de lobos, havia sentido o gosto da liberdade.