5. A CONSEQUÊNCIA DO BEIJO

O espelho do banheiro refletia uma mulher tentando manter a compostura, mesmo que por dentro estivesse em frangalhos. Deise retocou a maquiagem com mãos trêmulas, tentando apagar os vestígios do beijo que ainda queimava em seus lábios. Miguel a deixara ofegante, confusa... e culpada. Mas, acima de tudo, viva. Pela primeira vez em muito tempo.

Respirou fundo. Endireitou os ombros. E caminhou até o escritório onde todos a aguardavam.

Ao abrir a porta, sentiu imediatamente o peso da atenção sobre si. O ambiente estava em silêncio, como se todos esperassem por um sinal. Roberto, sentado à cabeceira da mesa, ergueu os olhos e esboçou um sorriso calculado.

— Sente-se, minha querida — disse, com a voz doce demais para soar genuína.

Deise obedeceu, controlando o nervosismo. O ar parecia mais denso ali dentro, e Miguel, sentado ao lado do pai, desviava o olhar. Lucas, imóvel diante da janela, mantinha-se de costas.

Roberto então começou a falar, seu tom cordial mascarando uma autoridade inquestionável:

— Bom... Antes de qualquer coisa, quero agradecer a presença de Miguel. Você faz parte desta família, filho, mesmo que insista em se afastar. — Roberto fez uma pausa breve, olhando de soslaio para o mais novo. — E quanto a você, Deise... Quero te pedir paciência. Estamos prestes a fechar um projeto bilionário com os japoneses. Esse acordo vai mudar o rumo da nossa empresa, do país... e da sua vida. Eu só te peço alguns meses. Somente isso.

Ela franziu levemente a testa, confusa com o rumo da conversa.

— Os japoneses dão um valor imenso ao casamento. As esposas participam das reuniões, mesmo que apenas como presença simbólica. Elas representam estabilidade. Família. Tradição. E você, Deise, será essa imagem.

O sangue dela gelou.

— Mas não se preocupe — continuou ele, com um sorriso simpático, quase paternal. — Não exigirei que assine nada. Confio na sua integridade. Depois do acordo fechado, teremos outra conversa. Você será livre, como prometi.

Ele então virou-se para o filho mais velho.

— Lucas, você concorda comigo?!

Lucas se limitou a assentir, sem virar o rosto. O silêncio pairou por segundos tensos.

— Agora... Vamos beber — disse Roberto por fim, com o sorriso triunfante de quem acaba de ditar as regras de um jogo que só ele compreendia.

Taças de vinho foram distribuídas. Ninguém ousou recusar. Roberto não havia feito um convite — dera uma ordem.

Deise segurou sua taça com um sorriso contido, enquanto seu coração batia acelerado. Miguel parecia desconfortável, ainda evitando encará-la. E Lucas... permanecia parado, olhando pela janela, como se estivesse a mil quilômetros dali.

— Algum problema, Lucas? — perguntou Roberto, cortando o silêncio.

O filho virou-se lentamente.

— Nenhum. Só preciso fazer uma ligação. Com licença.

Ele saiu da sala sem aguardar resposta. Assim que a porta se fechou, Deise se aproximou de Roberto, num impulso cauteloso:

— Agradeço sua generosidade, senhor Duarte.

Ele a olhou com carinho artificial e chamou Miguel:

— Ela não é linda, meu filho?

Miguel hesitou por um segundo, depois respondeu com um sorriso forçado:

— Com certeza, pai.

Roberto olhou o relógio no pulso, se levantou e caminhou até Deise. Estendeu-lhe um pequeno molho de chaves.

— A casa que foi da sua família... Agora é sua novamente. Promessa cumprida.

Deise arregalou os olhos, tomada de surpresa. Sem conter a emoção, lançou-se nos braços dele e o abraçou. Roberto correspondeu com um beijo demorado em sua testa. Depois, saiu da sala.

Quando a porta se fechou, um silêncio estranho se instalou.

Miguel olhou para Deise com um sorriso ambíguo. Ela respondeu com um sorriso tímido, ainda emocionada com o gesto de Roberto. Aproximaram-se instintivamente. E antes que ela pudesse pensar, ele tomou seus lábios com fúria inesperada.

O beijo foi bruto, dominador. Uma mão em seu pescoço, outra apertando sua cintura. Deise estremeceu.

— Miguel... Não podemos. Aqui não.

Ele afastou-se, passando a mão pelos cabelos com um sorriso envergonhado.

— Desculpe... Acho que foi o vinho.

Saiu da sala sem mais uma palavra. Deise ficou ali, tentando processar o que acabara de acontecer. Sentia que tudo estava prestes a desmoronar. Mas ainda assim, saiu da sala sorrindo, acreditando — ingenuamente — que, talvez, as coisas estivessem finalmente se ajeitando.

Foi então que o viu, parado no corredor. Lucas.

Tentou ignorá-lo e passar direto. Mas ele agarrou seu braço com força brutal, interrompendo seu passo.

— O que você pensa que está fazendo? — disse ele entre os dentes, os olhos flamejantes.

— Solte-me! Está me machucando!

Ele apertava ainda mais. A fúria no olhar era selvagem, descontrolada.

— Você me deve, entendeu? Ainda não acabou!

A soltou com violência, e saiu em passos largos. Deise ficou paralisada por segundos, ofegante, o braço dolorido. Correu para a cozinha, em busca de socorro.

— Maria! Por favor, traga gelo!

A empregada apareceu correndo.

— Senhora! O que houve? A senhora está ferida?

— Foi Lucas... — disse com voz embargada, mostrando o braço vermelho e marcado.

Maria colocou gelo sobre a pele clara machucada. Deise, com a respiração ainda instável, murmurou:

— Vou me deitar... Pode preparar um chá?

— Claro, minha querida.

Ela subiu as escadas devagar. Cada passo era uma luta contra a ansiedade que crescia em seu peito. Quando entrou no quarto, o mundo parou.

Lucas estava lá, apenas com uma toalha em volta da cintura. Acabara de sair do banho.

Deise congelou.

— O que está fazendo aqui?

— Isso é pergunta que se faça ao seu marido?

— Saia do meu quarto!

Ele riu. Um riso grave, sinistro.

— Você é minha, Deise. E esta noite... vou te mostrar o que é ser um marido de verdade.

O coração dela disparou. Recuou, mas logo sentiu a parede fria em suas costas. Não havia para onde fugir.

— Não ouse tocar em mim... ou eu grito!

— Grite — disse ele, se aproximando. — Quero ouvir.

— Eu não tenho medo de você — mentiu, com a voz trêmula.

— Mentira. Eu posso ver o pavor nos seus olhos... e isso me excita.

— Está rompendo o contrato!

Aquelas palavras fizeram Lucas parar por um instante. Seu rosto se transformou. Então, ele socou a parede com um grito selvagem.

— Contrato? Porra de contrato! Meu pai me envergonhou diante de todos! E você vai pagar!

Ele a segurou brutalmente, atirando-a sobre a cama. Deise gritava, implorando.

— Não! Por favor, Lucas! Para!

Mas ele não ouvia. Arrancou o vestido do corpo dela, rasgando-o, e começou a tocá-la com violência. Lágrimas desciam pelo rosto dela, que tentava resistir, mas era inútil.

Do lado de fora, Maria subia com o chá. Ao ouvir os gritos, parou. O coração da velha senhora disparou. Apoiou a bandeja na escada e se aproximou da porta. Bateu.

— Senhora?

Nada. Apenas os gritos abafados de Deise.

— Maria! Socorro! Me ajuda! — veio o grito desesperado de dentro do quarto.

Maria bateu mais forte.

— Senhora! Senhora Deise!

— Sai daqui, velha maldita! — gritou Lucas lá de dentro. — Deise é minha mulher! Faço com ela o que quiser!

Maria desceu as escadas correndo, aos prantos, em busca de ajuda.

E Deise, sozinha naquele quarto, sentia sua alma se dilacerar. Gritava, lutava, mas a força bruta de Lucas esmagava qualquer resistência.

Era o preço do silêncio. Era a consequência do beijo.

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