Mundo de ficçãoIniciar sessãoA proibição caiu sobre Ágata como um peso inesperado. Não era apenas sobre vestidos. Era sobre controle. Sobre ser vigiada, limitada, moldada para caber no desconforto de outra pessoa.
Na manhã seguinte, Ágata chegou ao escritório usando uma calça social de corte impecável e uma camisa de mangas longas. Elegante, ainda assim. Porque sua beleza não dependia de um vestido. Dependia de quem ela era. Mas, por dentro, algo havia mudado. Ela já não caminhava tão leve pelos corredores. Sentia-se observada, mesmo quando Diana não estava ali. Cada escolha parecia agora passar por um filtro que não era seu. E isso a incomodava profundamente. Henrique percebeu. — Você não precisava ter mudado por causa disso — disse, em tom contido, mas firme. — Eu sei — respondeu Ágata. — Mas também sei que não quero mais conflitos. Já vivi demais em ambientes onde precisei me diminuir para manter a paz. Henrique fechou os olhos por um instante. Aquilo o atingiu mais do que qualquer discussão anterior. As visitas de Diana continuaram. Algumas silenciosas, outras carregadas de indiretas. Em certos dias, ela se sentava ali por horas, fingindo interesse em papéis que não compreendia, apenas para marcar presença. Em outros, mal cumprimentava Ágata e saía batendo a porta, deixando o ar pesado para trás. O escritório, que antes era um lugar de crescimento e organização, passou a ser um campo de tensão constante. Henrique começou a chegar mais cedo e sair mais tarde. Diana reclamava. Ágata se sentia culpada, mesmo sem ter feito nada. Era como se estivesse no centro de um furacão que não provocou. — Isso não é justo com você — disse Henrique certa tarde, depois de mais uma discussão em casa. — Nem comigo. Ágata permaneceu em silêncio. Ela conhecia aquele tipo de desgaste. Sabia como começava. Sabia onde podia terminar. — Eu não quero ser o motivo da sua separação — disse, finalmente. — Nem quero que você me defenda às custas da sua família. Henrique a olhou com intensidade. — Você não é o motivo. Só está revelando o que já estava quebrado. Aquela frase ecoou dentro dela. Ágata percebeu, com um frio no estômago, que já não era possível fingir que tudo era apenas profissional. Não havia gestos explícitos, nem palavras proibidas. Mas havia algo mais perigoso: a verdade sendo exposta aos poucos. E quanto mais Diana tentava controlar… mais evidente ficava que algo estava prestes a ruir. Henrique sempre foi um homem de presença. Havia nele algo bruto, firme, quase instintivo. Não precisava levantar a voz para ser notado. Bastava entrar em um ambiente e tudo parecia se alinhar ao redor dele. Era respeitado, ouvido e, acima de tudo, decidido. No trabalho, essa postura se traduzia em incentivo. Henrique nunca ultrapassou o tom de patrão, mas era um patrão que enxergava potencial. — Você precisa crescer, Ágata — dizia com naturalidade. — Faça cursos, participe de rodadas de negócios, represente a empresa. Isso vai te abrir portas, com ou sem a minha empresa. Ele a colocava à frente em reuniões estratégicas, confiava-lhe decisões administrativas, deixava sob sua responsabilidade toda a parte de RH. Ágata era organizada, justa e tinha sensibilidade para lidar com pessoas. Henrique sabia disso. E fazia questão de deixar claro que aquela área era dela. Ela era a única mulher da empresa. Os demais funcionários atuavam em setores diferentes e só a viam em dias específicos. Ainda assim, Ágata mantinha postura impecável. Profissional, firme, respeitada. Nunca deu espaço para comentários, nunca se colocou em posição vulnerável. Com o tempo, as brigas em casa começaram a refletir mudanças no escritório. Diana passou a aparecer menos. Não por escolha própria, mas porque a situação havia chegado a um limite. Henrique desabafou com Jéssica, uma amiga antiga do casal. Disse que o relacionamento estava intragável, que vivia sob cobranças, desconfianças e acusações constantes. Confessou que pensava seriamente em se separar… ou acabar fazendo exatamente o que Diana tanto insinuava, apenas por cansaço emocional. Jéssica foi direta. Sem rodeios, sem passar a mão na cabeça. Chamou Diana para uma conversa dura. Disse que ela estava se perdendo no próprio ciúme, que estava empurrando o marido para longe e que Ágata não era o problema. Que se continuasse assim, perderia tudo tentando controlar o que não lhe pertencia. A bronca surtiu efeito. Diana passou a se conter. As visitas diminuíram. O clima no escritório voltou, aos poucos, a respirar. Ágata percebeu a mudança, mas não relaxou. Sabia que certos silêncios não significam paz, apenas pausa. Henrique, por sua vez, parecia mais leve no trabalho e mais pesado fora dele. E Ágata, mesmo sem querer, estava cada vez mais no centro desse equilíbrio frágil. Sem perceber, ambos caminhavam por uma linha tênue. E quanto mais confiança se fortalecia… mais perigoso se tornava ignorar o que estava nascendo ali, silencioso e inevitável. Henrique passou a evitar a própria casa. Não dizia isso em voz alta para muitos, mas Ágata percebeu nos detalhes. Ele chegava cedo ao escritório, acompanhava de perto os funcionários, resolvia pendências, conferia relatórios. E ficava. Ficava até tarde demais. Certo dia, enquanto organizavam alguns documentos, Ágata criou coragem. — Posso te perguntar uma coisa? — disse, sem olhar diretamente para ele. — Você me contratou porque disse que precisava de ajuda para equilibrar trabalho e família… mas sua rotina continua a mesma. Você quase não vai pra casa. Henrique permaneceu em silêncio por alguns segundos. Depois, respondeu com uma honestidade crua: — Eu não sinto vontade de ir pra casa. A frase caiu pesada entre eles. — Às vezes chego exausto, tomo banho e vou dormir — continuou. — Diana não briga pessoalmente. Ela briga por mensagem. O tempo todo. Ágata não respondeu. Não julgou. Apenas ouviu. O que ela não sabia era o quanto aquelas mensagens eram constantes. Invasivas. Controladoras. Até o dia em que descobriu. Henrique não estava no escritório naquela tarde. Ágata entrou apenas para organizar a mesa dele, algo que fazia ocasionalmente. Ao se aproximar do computador, a tela se acendeu automaticamente. As mensagens espelhadas do celular apareceram diante de seus olhos. Ela hesitou. Sabia que não deveria. Mas as palavras saltavam, quase implorando para serem lidas. Diana dizia que Ágata não era santa. Que seus vestidos pareciam pijamas. Que não era profissional. Que não deveria aceitar caronas em dias de chuva, como se aquilo fosse algo indecente. Ágata sentiu o estômago revirar. Diana não fazia ideia de que Henrique, muitas vezes, apenas se sentava na poltrona próxima à mesa de Ágata. Que ficava ali em silêncio. Sem tocar. Sem falar. Apenas respirando aquele ambiente calmo que ele não tinha em casa. Um silêncio confortável. Um descanso para a mente. Ágata desligou a tela com cuidado. Sentou-se por alguns segundos, tentando reorganizar os pensamentos. Ela não se sentia culpada. Mas sentia o peso de algo que estava além do seu controle. Naquele instante, compreendeu que o problema não era o que existia entre ela e Henrique… mas o que não existia mais entre ele e Diana. E isso tornava tudo ainda mais perigoso.






