Mundo ficciónIniciar sesiónO Encontro Calculado
Não sou homem de cafés caros. Gosto dos lugares onde o balcão é gasto pelo tempo, o açúcar vem em saquinhos amassados e o garçom te chama de “chefe” com intimidade. Mas naquele dia, o e-mail anônimo me mandou para um endereço que exalava ostentação. “16h. Apenas ouça.” — dizia. O lugar parecia um templo moderno erguido para o deus do luxo. Vidros, mármore e silêncio caro. A música ambiente era tão suave que mais parecia uma respiração disfarçada. Garçons se moviam como sombras bem treinadas, e cada xícara pousava na mesa com a precisão de um ritual. Sentei perto da janela, tentando não parecer um intruso. Do lado de fora, o trânsito pulsava, e executivos apressados atravessavam a rua como quem foge da própria sombra. O relógio marcava três e quarenta e cinco. Pedi um café que custava o equivalente ao meu jantar da semana inteira. O garçom sorriu como quem serve um segredo, e por um instante pensei em levantar e ir embora. Mas fiquei. Às quatro em ponto, o ar pareceu mudar de temperatura. Ela entrou. ⸻ Helena Padilla não precisava ser anunciada. Bastou atravessar a porta e o ambiente se inclinou a favor dela, como se a sala inteira reconhecesse sua presença. Vestia um tailleur cinza, o tecido tão perfeito que parecia repelir o tempo. O cabelo caía solto, disciplinado, e o rubi — o mesmo rubi — brilhava no dedo como um pequeno sol proibido. — Duarte — disse ela, com a voz que parecia saber demais. — A cidade é pequena demais para fingirmos que não nos cruzamos. Senti o ar me faltar por um segundo. — Então, não vamos fingir. Ela sorriu. Não um sorriso verdadeiro, mas uma linha de aviso. — O que achou da foto? Meu estômago pesou. Não perguntei como sabia. — Achei intrigante. E impossível. Helena mexeu a colher no café, girando o líquido como quem move peças num tabuleiro invisível. — O impossível só dura até alguém pagar o preço de torná-lo real. Aquela frase ficou suspensa entre nós, densa, perigosa. — Quem tirou aquela foto, Helena? Ela inclinou-se, a voz baixa, quase um sussurro que se infiltrava sob a pele. — Rafael… você ainda faz a pergunta errada. — Qual seria a certa? — Quem quer que você acredite que eu sou. O silêncio que se seguiu não era comum. Era daqueles que fazem o tempo hesitar. Ao redor, o tilintar das xícaras parecia ensaiado, um fundo musical para o que não podia ser dito. Pensei em levantar, rir, ir embora. Mas fiquei. Helena recostou-se, observando-me com calma de predadora. — Três pessoas estão prestes a perder mais do que imaginam — disse ela, com a serenidade de quem já sabe o final do jogo. — Uma delas já começou a cair. — E o que eu tenho a ver com isso? — Tudo, se quiser a história. Nada, se quiser dormir em paz. Ela ergueu o olhar, e por um instante o reflexo do rubi pintou a mesa de vermelho. — Você pode escrever isso em primeira mão. Mas para isso, terá de escolher um lado. — E qual é o seu? Um breve sorriso. — O lado que vence. Antes que eu pudesse responder, ela se levantou. Passou por mim com um perfume quente, misto de especiarias e perigo. Tocou meu ombro de leve — toque mínimo, mas que queimou como ferro em brasa. — Não me siga — murmurou. — Mas me encontre. E saiu. ⸻ Fiquei ali, imóvel, observando o reflexo dela desaparecer no vidro da cafeteria. O garçom aproximou-se para recolher a xícara que ela mal tocou. Dentro dela, havia um pequeno resquício de batom — um traço carmesim, tão preciso quanto a própria mulher. Peguei o guardanapo que ela usara. No canto, uma letra desenhada com a ponta do batom: H. Saí do café com a sensação de que não tinha participado de uma conversa, e sim de uma convocação. ⸻ Em casa, o apartamento parecia menor. No laptop, revisei o arquivo de fotos. A imagem da Dama do Retrato piscava na tela como se respirasse. O nome Helena Padilla parecia crescer, ganhar vida, pulsar entre as linhas. “O impossível só dura até alguém pagar o preço.” As palavras dela giravam na cabeça como um feitiço. E percebi que o preço talvez já tivesse começado a ser cobrado. Fechei o notebook. O espelho da sala refletiu meu rosto — cansado, inquieto, diferente. Por um instante, juro que vi outro olhar por trás do meu. Um olhar feminino. Antigo. Não sei se estou investigando uma mulher… ou se estou sendo caçado por ela.






