De amante a Rainha

Capítulo 3 — A Dama do Retrato

O telefone toca antes do amanhecer. Sete horas em ponto.

Do outro lado da linha, a voz rouca de Cláudio, do arquivo do Palácio.

— Você me deve duas cervejas, Duarte. E um charuto bom.

Ainda meio sonolento, seguro o aparelho com uma mão e o café frio com a outra.

— O que achou?

Ele ri, baixo, arrastado.

— O quadro da “Dama Anônima” não é tão anônimo assim. Foi doado em 1924 por um colecionador espanhol. O registro menciona Sevilha… e a assinatura de um tal de Padilla.

O nome me desperta mais do que qualquer cafeína. Padilla.

Não pode ser coincidência.

Cláudio continua, agora num tom quase cúmplice:

— E há mais. O anel de rubi pintado no dedo da mulher da tela… consta em um inventário da família. Chamavam a joia de Coração de Fogo. Dizem que pertencia a uma condessa que enlouqueceu por amor — ou por vingança. O anel desapareceu durante uma guerra civil na Espanha.

— E reaparece agora no dedo da mulher mais comentada da cidade…

— Isso. — Ele faz uma pausa, como se hesitasse. — Não sei o que ela é, Duarte. Mas sei que esse anel já custou vidas.

A ligação cai antes que eu consiga responder. Fico encarando as anotações espalhadas sobre a mesa. O papel parece respirar. As palavras, como serpentes, sussurram entre as linhas. “Padilla”. “Coração de Fogo”.

Não há reportagem que suporte tantas coincidências.

O jornal está em alvoroço. Querem matéria quente sobre o baile — “nomes, fotos, escândalos.”

Escrevo sobre tudo, menos sobre Helena.

Mas é impossível ignorá-la.

É como tentar descrever um incêndio falando apenas da fumaça.

Quando entrego o texto, o editor lê em silêncio e ergue uma sobrancelha.

— Está bom. Mas falta a mulher.

— Que mulher?

Ele sorri, satisfeito com o jogo.

— A que todos comentam. A que ninguém fotografa.

Saio da redação com a sensação de que o nome dela paira sobre mim como perfume — invisível, mas impossível de ignorar.

À noite, o silêncio do meu apartamento é quebrado por um som seco.

Algo deslizou sob a porta.

Um envelope. Papel grosso, cheiro de incenso — o mesmo perfume que senti quando ela passou por mim na festa.

Abro devagar. Dentro, uma fotografia em preto e branco.

É o retrato da Dama do Palácio.

Mas diferente.

No canto inferior direito, uma assinatura que o quadro oficial não tinha.

Helena Padilla.

O ar me falta por um segundo.

A tinta parece antiga, mas o traço é o mesmo da mensagem no meu celular.

A mesma letra.

A mesma mulher.

Fico olhando a foto por minutos — talvez horas.

A mulher do retrato me encara como se estivesse viva, consciente de cada olhar que desperta.

O rubi em seu dedo brilha mesmo sem cor, como se a própria imagem emanasse calor.

Deito no sofá, a foto entre os dedos.

Sinto que não estou apenas seguindo uma história — estou preso a uma.

Uma que começou há séculos e, de algum modo, me escolheu.

Lá fora, o relógio da igreja marca meia-noite.

A cidade dorme, mas a imagem de Helena não me abandona.

Na penumbra, repito a pergunta que ela mesma chamou de “errada”:

Quem é Helena Padilla?

E pela primeira vez, temo que a resposta talvez não pertença a este tempo.

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