Capítulo 36 — O Legado da Chave
O porto amanhecia devagar, coberto por uma neblina que parecia feita de lembranças.
Os navios dormiam ancorados, e o vento vinha do leste, leve, úmido, carregando o mesmo perfume de jasmim que sempre precedia a presença dela.
Rafael ficou muito tempo parado, sem saber se olhava o mar ou o próprio passado.
Aquela era a primeira manhã em que ele aceitava, de verdade, que ela não voltaria.
O cais ainda guardava marcas dos passos dela — pelo menos era o que ele gostava de imaginar.
Nos últimos dias, ele voltava todas as noites para o mesmo lugar, sem propósito.
Não esperava vê-la de novo, mas também não conseguia ficar longe.
Era como se o chão ali ainda respirasse o mesmo ar que ela respirou.
Ele havia deixado tudo pronto: o inventário, as cartas, o trabalho atrasado.
Mas quando sentou à mesa naquela madrugada, percebeu que o inventário não era de papéis — era dele mesmo.
Cada linha parecia descrevê-lo: os silêncios, as faltas, os amores guardados.
Era um