Capítulo 6 Está contratada.
(Lua Carvalho)
Saí do prédio da Duarte Galvão sentindo as pernas bambas, como se tivesse corrido uma maratona. O coração ainda batia acelerado no peito, e a única coisa que ecoava na minha cabeça era aquela frase improvável:
“Está contratada.”
Eu não sabia se ria, chorava ou me beliscava para ter certeza de que não estava sonhando. Como aquele homem, arrogante, frio, insuportável, havia decidido me contratar?
Peguei o ônibus para casa ainda sem acreditar. Quando cheguei, encontrei minha avó Laura sentada na varanda, tricotando como sempre fazia. Assim que me viu, abriu um sorriso largo.
— E então, minha neta? Como foi a entrevista com o temido Eduardo Duarte Galvão?
Larguei a bolsa no sofá e, sem conter a alegria, respondi:
— Vó, eu consegui! Ele me contratou!
Ela deixou o tricô cair no colo e bateu palmas, emocionada.
— Eu sabia! Eu sabia que você ia conseguir!
Corri até ela e a abracei com força. Por alguns segundos, senti-me de novo como uma menina, protegida nos braços da minha avó.
Depois do abraço, afastei-me e perguntei, rindo:
— Mas me diga, vó... como a senhora aguentou aquele homem por tantos anos? Ele é... impossível, nunca vi um homem tão insuportável ele é o senhor Arrogante!
Laura suspirou fundo e seus olhos se encheram de uma tristeza distante.
— Ah, minha querida... você não conhece a história toda. Eduardo não era assim. Antes do acidente, ele era um jovem doce, apaixonado, cheio de vida. Amava profundamente a noiva, Beatriz.
Eu franzi a testa.
— Acidente?
— Sim. — ela confirmou, com a voz baixa. — Há cinco anos, ele sofreu um grave acidente de carro. Ficou paraplégico. Beatriz, que estava grávida, morreu junto com o bebê.
Um arrepio percorreu minha espinha.
— Meu Deus... — murmurei, levando a mão à boca.
— Desde aquele dia, ele mudou. Virou esse homem frio, amargo e insuportável que você conheceu hoje. É como se tivesse erguido uma muralha em volta do coração para nunca mais sentir dor.
Fiquei em silêncio, absorvendo aquelas palavras. Por um instante, senti pena dele. Mas logo sacudi a cabeça.
— Mesmo assim, vó, ele é difícil demais. Não sei se vou aguentar, nunca lidei com uma pessoa tão difícil na minha vida!
Laura segurou minhas mãos e sorriu com doçura.
— Aguente, Lua. Lembre-se do motivo pelo qual você aceitou esse trabalho: a Sol. Se você mantiver isso em mente, vai conseguir suportar até o temperamento do Eduardo.
Assenti, com lágrimas nos olhos.
— Por ela, eu aguento qualquer coisa, até ter que encarar aquele homem Arrogante!
Passamos horas conversando, e minha avó me deu várias dicas: manter a calma, ser organizada, não deixar as provocações dele me abalar. Quando a noite caiu, fui brincar com minha filha.
Sol estava espalhada no chão da sala, rodeada de lápis de cor e folhas de papel. Ela desenhava círculos tortos, concentrada. Ajoelhei-me ao lado dela e beijei sua bochecha.
— Oi, meu solzinho. O que está desenhando?
Ela apontou para os rabiscos e respondeu:
— Mamã... e eu.
Sorri, emocionada.
— É a mamãe e você? Que lindo, filha!
Peguei outro lápis e tentei desenhar uma casinha. Ela me observava com atenção.
— Sol... fala “ca-sa”.
— Ca... ca...
— Isso! Agora, “mamãe”.
— Mamã.
— Muito bem! — aplaudi, animada. — Você é a minha campeã!
Ela sorriu, mostrando os dentinhos pequenos, e pulou no meu colo. Abracei-a com força, sentindo o cheirinho doce de infância.
— Você é minha luz, filha. Minha razão de viver.
Depois de brincar bastante, dei-lhe banho, coloquei seu pijaminha de unicórnio e a levei para a cama. Ela segurava o ursinho de pelúcia e me olhava sonolenta.
— Canta, mamã...
— Tá bom. — disse, acariciando seus cabelos. — Mas só uma vez, hein?
Cantei baixinho a canção de ninar que minha mãe cantava para mim. Logo seus olhinhos se fecharam e a respiração ficou tranquila. Fiquei ali por alguns minutos, observando-a dormir, com o coração transbordando de amor.
No dia seguinte, acordei cedo e levei Sol à creche. Entrei na sala da diretora para conversar sobre o diagnóstico.
— Dona Luana — disse a diretora, séria —, nós temos limitações. A Sol precisa de acompanhamento especializado. Aqui, infelizmente, não temos estrutura. O ideal seria procurar uma creche com atendimento terapêutico ou contratar uma AT — atendente terapêutica.
Senti um nó na garganta.
— Eu entendo... mas, por favor, não me peça para tirá-la daqui agora. Acabei de conseguir um emprego e não tenho com quem deixá-la. Me dê um tempo até eu encontrar outra escola, eu imploro.
A diretora suspirou e assentiu.
— Está bem, por enquanto ela pode ficar. Mas você precisa resolver isso logo, certo?
— Obrigada. — disse, engolindo o choro. — Eu vou dar um jeito.
Deixei a creche sentindo o peso do mundo nos ombros. Mas eu não podia fraquejar. Não hoje. Hoje era meu primeiro dia de trabalho.
Cheguei à empresa Duarte Galvão e fui conduzida até o escritório dele. Eduardo estava sentado atrás da mesa, impecável em seu terno caro, olhar frio como sempre.
— Está atrasada. — disse, mesmo sabendo que eu havia chegado adiantada.
Mordi a língua para não responder.
— Desculpe, senhor.
— Regra número um: não existem desculpas. Só resultados.
Assenti, respirando fundo.
— Sim, senhor.
— Ótimo. — disse ele, entregando-me uma pilha de pastas. — Organize isso em ordem de prioridade, depois responda os e-mails urgentes. Vamos ver se você serve para alguma coisa.
Peguei o material, tentando não demonstrar nervosismo. Sentei-me na mesa ao lado e comecei a trabalhar.
Durante todo o dia, ele me testou. Pedia relatórios impossíveis, fazia perguntas inesperadas, criticava cada detalhe.
— Essa resposta está mal formulada. — disse, olhando para um e-mail que eu havia redigido. — Leia de novo. Você parece uma amadora.
Respirei fundo e refiz o texto.
— Melhor. — disse ele, seco. — Continue.
Eu só pensava na minha filha. Cada vez que sentia vontade de chorar ou desistir, lembrava do sorriso da Sol.
“Por ela”, repetia em silêncio. “Por ela, eu aguento.”
— Não foi um desastre total. Talvez você tenha algum potencial. Veremos!