O mundo que retornou após o beijo era diferente, as cores mais nítidas, o ar mais denso. A realidade que se impôs não era a da praia paradisíaca, mas a do espaço elétrico e perigoso entre os corpos de Helena e Dante. Agarrada a ele na água, Helena sentia o tremor que percorria os músculos dele, um eco do que abalava seu próprio corpo. O coração dele batia forte e rápido contra o dela, um tambor de guerra anunciando uma nova fase do conflito.
Foi ela quem quebrou o contato.
Com um empurrão que exigiu toda a sua força de vontade, ela se afastou dele, o movimento brusco na água calma. A perda do contato físico foi como um choque de frio, deixando sua pele arrepiada e dolorosamente sensível. Sem uma palavra, ela se virou e nadou para a areia, cada braçada um esforço para fugir não dele, mas da traição de seu próprio corpo, da mulher que se rendera em seus braços.
Ela pegou seu vestido da areia, a imagem de si mesma, orgulhosa e desafiadora ao tirá-lo, agora uma zombaria cruel. Vestiu-o sobre a pele molhada e salgada, o tecido grudando desconfortavelmente, uma mortalha para a sua dignidade. Ela começou a andar de volta para o bangalô, os passos rápidos e desajeitados na areia.
Não olhou para trás, mas sabia que ele a seguia. Podia sentir seu olhar nela, uma pressão física em suas costas. A caminhada de volta foi uma tortura silenciosa. O cenário idílico que antes a oprimia com sua beleza, agora parecia um observador mudo de sua queda. Cada coqueiro, cada onda, testemunha de sua fraqueza.
Ao chegar ao bangalô, ela não parou no deck. Atravessou a sala e se trancou no banheiro espaçoso, um santuário de mármore e vidro. Apoiou as mãos na pia fria, encarando seu reflexo no espelho. O rosto que a encarava de volta era o de uma estranha. Os lábios estavam inchados, os olhos brilhantes e assustados, os cabelos um emaranhado selvagem. A escultora que controlava a pedra com mão firme havia se tornado argila nas mãos dele.
Ela entrou no chuveiro e girou o registro, deixando a água fria cair sobre si como uma penitência. Tentou lavar o toque dele, o gosto dele, a sensação de seu corpo pressionado contra o seu. Mas a memória estava gravada em sua pele. A água não podia apagar o fato de que, por um momento incendiário, ela o desejara mais do que já havia desejado qualquer coisa em sua vida. O ódio e o desejo haviam se misturado dentro dela, criando um veneno confuso e viciante.
Quando finalmente saiu do banheiro, enrolada em um roupão branco e fofo que encontrou ali, ele estava esperando. Sentado em uma poltrona de frente para a porta, como se soubesse que a fuga era temporária. Ele também havia tomado banho; seus cabelos estavam úmidos e ele vestia um short e uma camisa limpa. A calma dele era a coisa mais enervante do mundo.
— Era este o seu plano o tempo todo? — ela perguntou, a voz baixa e trêmula de raiva contida. — Toda aquela conversa sobre arte, sobre minhas esculturas... era tudo um jogo para me quebrar? Para provar que a mulher orgulhosa podia ser comprada e domada?
Ele a observou por um longo momento antes de responder.
— Não — disse ele, e a simplicidade da palavra a pegou de surpresa. — Eu não planejei aquilo.— Não minta para mim! — ela explodiu, a compostura finalmente se quebrando. — Homens como você planejam tudo. Cada aquisição, cada movimento.
— Sim — ele concordou, levantando-se e caminhando lentamente em sua direção. — Eu planejo tudo. Meus negócios, meus investimentos, minha vida. Eu sou um arquiteto do meu próprio destino. Mas você... — Ele parou a poucos passos dela, os olhos escuros perscrutando seu rosto. — Você não estava na planta. Você é uma anomalia. Uma rachadura na fundação que eu não previ.
Ele deu mais um passo.
— Eu me aproximei de você na praia para entender essa anomalia. Queria testar seus limites, ver até onde sua fachada de pedra ia. Eu queria manter o controle. — Ele fez uma pausa, e sua voz baixou, tornando-se quase uma confissão. — Mas eu perdi o controle. Quando eu toquei em você, o plano desapareceu. A lógica desapareceu. Só restou... aquilo.A honestidade dele era uma arma mais eficaz do que qualquer mentira. Era mais fácil lutar contra um monstro manipulador. Lutar contra um homem que admitia sua própria perda de controle, que confessava um desejo tão avassalador que o fazia desviar de seus próprios planos... isso era impossível. Deixou-a sem defesas.
— Eu quero ir embora — sussurrou ela, mais para si mesma do que para ele.
— Não.
— O acordo foi quebrado. As regras mudaram.
— Sim, elas mudaram — concordou ele. — Mas o acordo permanece. É um fim de semana. E nós temos mais um dia e meio.
— E o que você espera que aconteça? Que eu simplesmente... caia na sua cama porque você me beijou? — O desprezo em sua voz era uma armadura frágil sobre seu pânico.
— Não — ele disse, surpreendendo-a novamente. — Eu não espero que você faça nada que não queira. O que aconteceu na praia... foi a verdade. Uma verdade inconveniente e explosiva, mas a verdade. Pela primeira vez desde que nos conhecemos, as máscaras caíram.
Ele se aproximou até que apenas um sopro de ar os separasse. Helena podia sentir o calor irradiando dele, ver a pulsação de uma veia em seu pescoço.
— O acordo original era pela companhia do "lote número sete". Era uma transação, e eu tratava você como tal. Eu estava errado. Aquele acordo acabou. — Ele a olhou nos olhos, sua intensidade a prendendo no lugar. — Eu quero propor um novo. Para o resto do tempo que temos aqui.Helena o encarou, desconfiada.
— Que novo acordo?— Sem mais jogos. Sem mais provocações. Sem mais máscaras. Apenas a verdade. Apenas Helena e Leo. Ou Dante, se preferir. É o meu nome. — A revelação foi feita de forma casual, mas pareceu um trovão na quietude do quarto. Dante.
— Eu quero conhecer a escultora que luta contra a pedra. E quero que você conheça o homem que, às vezes, se sente preso dentro de uma. Sem mentiras. Apenas... nós. — Ele fez uma pausa, seu olhar descendo para os lábios dela por um instante antes de encontrar seus olhos novamente. — O sofá ainda está à sua disposição. A cama — ele gesticulou para o quarto — continua grande e vazia. A escolha de se juntar a mim nela, Helena, é e será sempre sua. Eu não vou forçá-la.
Ele deu um passo para trás, devolvendo-lhe o espaço, o ar. Mas a escolha que ele lhe oferecia não era liberdade. Era uma forma de cativeiro muito mais complexa e aterrorizante. Ele havia removido a coerção explícita e a substituíra por uma pergunta aberta. Ele não a estava mais tratando como uma propriedade a ser tomada, mas como um território a ser conquistado. E ele estava lhe dando o mapa, confiante de que, no final, todos os caminhos a levariam até ele.
A porta do quarto permaneceu aberta. Um convite silencioso. E Helena ficou parada no meio da sala, tremendo, odiando-o por seu poder, por sua honestidade brutal e, acima de tudo, odiando a si mesma pela parte dela que estava, perigosamente, considerando atravessá-la.