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Capítulo 4: A Trégua do Amanhecer

O sono não foi um refúgio, mas uma série de vinhetas tensas e desconfortáveis. Helena despertou no sofá de veludo com o corpo dolorido e a mente em alerta máximo. A primeira luz do dia pintava o céu de tons suaves de rosa e laranja, uma beleza etérea que entrava pelas paredes de vidro do bangalô. O som do oceano era uma presença constante, um ritmo primordial que parecia indiferente ao seu tormento. Por um momento, deitada ali, ela se permitiu esquecer. Imaginou que era uma hóspede de verdade, uma artista que viera a Itacaré em busca de inspiração.

A ilusão se desfez no instante em que ela se sentou. Cada músculo protestou contra a noite mal dormida, e a visão da porta fechada do quarto principal foi um lembrete brutal de sua realidade. Ele estava ali, a poucos metros, o homem que a comprara, o arquiteto de sua humilhação.

Movida por uma necessidade de ar puro, de espaço, ela se levantou e deslizou a porta de vidro, saindo para o deck de madeira. O ar da manhã era uma carícia, carregado com o cheiro de sal e de flores noturnas. A piscina de borda infinita era um espelho perfeito do céu nascente, e o mar sussurrava seus segredos para a areia branca de uma praia particular e intocada. Era o paraíso. Uma jaula dourada, mas ainda assim, o paraíso. Helena se apoiou no parapeito de vidro, inspirando fundo, tentando absorver um pouco da paz daquele cenário, mesmo que não a merecesse.

— Café?

A voz dele, um barítono sonolento e ainda mais grave pela manhã, a sobressaltou. Ela se virou bruscamente. Dante estava parado na porta, segurando duas canecas de cerâmica fumegantes. Ele não usava mais o terno que era sua armadura na noite anterior. Vestia uma calça de linho clara e uma simples camiseta branca que se ajustava ao seu peito largo. Estava descalço, os cabelos escuros ligeiramente desgrenhados pelo sono.

A transformação era desconcertante. Sem a formalidade do terno, ele parecia mais jovem, mais perigoso de uma forma diferente, mais crua. Aquele não era o CEO impessoal, mas o homem, em toda a sua avassaladora presença física.

Ela não respondeu, apenas o encarou, desconfiada. Ele caminhou até ela, o som de seus pés descalços suave na madeira. Ele estendeu uma das canecas.

— É café baiano. Forte. Achei que você precisaria.

Relutantemente, ela pegou a caneca. O calor da cerâmica aqueceu seus dedos frios. Ela deu um gole, o líquido escuro e amargo um choque bem-vindo em seu sistema, limpando as últimas teias de aranha de seu sono. Eles ficaram em silêncio por um momento, lado a lado, observando o sol terminar sua ascensão sobre o oceano. O silêncio não era confortável, mas era... diferente do silêncio tenso e claustrofóbico do carro. Ali, com o mundo inteiro como testemunha, parecia uma espécie de trégua.

— Pedi o café da manhã no deck — disse ele, quebrando o silêncio. — Acredito que discutir a programação do dia com o estômago vazio não seja produtivo para o nosso... acordo.

A palavra "acordo" a trouxe de volta à realidade.

— Que programação? — ela perguntou, a voz gélida.

— A sua companhia, Helena. Foi por isso que eu paguei. Hoje, essa companhia incluirá um café da manhã, uma caminhada na praia e talvez um mergulho na piscina. Amanhã, veremos.

Ele falava com a calma de quem discute o clima, mas cada palavra era um lembrete de seu controle. Ele não estava pedindo, estava informando.

Pouco depois, um funcionário do hotel chegou com um carrinho, montando uma mesa farta no deck: frutas tropicais cortadas com precisão artística, pães frescos, queijos, sucos naturais. A opulência era quase obscena. Eles se sentaram um de frente para o outro. Helena comeu em silêncio, metodicamente, apenas o suficiente para aplacar a fome.

— Então — começou ele, servindo-se de um pedaço de mamão. — Uma escultora. O que você esculpe?

A pergunta a pegou de surpresa. Ela esperava qualquer coisa, menos um interesse genuíno em sua arte.

— Principalmente pedra. Mármore, pedra-sabão.

— Por que pedra? — ele insistiu, inclinando-se para a frente, seus olhos escuros fixos nela. — É um material difícil. Implacável.

— Exatamente por isso — ela respondeu, antes que pudesse se conter. — A beleza que você arranca da pedra é conquistada. Não é dada de graça. Ela luta contra você a cada passo.

Ele assentiu lentamente, um brilho de compreensão em seu olhar.

— Entendo o apelo. E o que você cria? Figuras? Abstrato?

— Figuras humanas. Corpos. A forma como eles se contorcem sob pressão, como expressam emoções sem uma única palavra. — Ela parou, percebendo que estava se revelando demais.

— Como a sua escultura inacabada na oficina? — ele perguntou suavemente.

O garfo de Helena parou a meio caminho de sua boca. Um calafrio percorreu seu corpo.

— Como você sabe disso?

— Eu não compro pessoas sem saber o que estou comprando, Helena. Fiz algumas ligações esta manhã. Ateliê Santos, Candeias. Fundado por seu pai, herdado por você. Uma dívida considerável com o tipo errado de gente, graças ao seu irmão Ricardo. Uma artista talentosa e desesperada. A história se encaixou.

A revelação a deixou sem ar. Ele havia investigado sua vida, dissecado sua dor, transformando-a em um relatório. A invasão de privacidade era tão violenta quanto um tapa. A máscara de indiferença dela se rachou.

— Você não tinha o direito.

— Eu tinha meio milhão de motivos para ter o direito — ele respondeu, a calma em sua voz tornando a afirmação ainda mais brutal. — Eu odeio surpresas. E odeio as máscaras que as pessoas usam. Pelo menos agora eu sei com quem estou tomando café. Não com o "lote número sete", mas com Helena Santos, a mulher que luta contra a pedra. É uma companhia muito mais interessante.

A maneira como ele disse aquilo, misturando um elogioso reconhecimento de sua arte com a lembrança cruel de seu status, a deixou completamente desequilibrada. Ele a elogiava e a insultava na mesma frase.

Ele se recostou, o sol da manhã iluminando seu rosto, eliminando as sombras da noite anterior. Ele era, ela admitiu para si mesma com um nó no estômago, devastadoramente bonito. Não de uma forma suave ou polida, mas de uma forma crua, masculina, que prometia tanto prazer quanto dor.

— Quero que me responda uma coisa com sinceridade — disse ele, a voz novamente baixa e íntima.

Ela o encarou, desconfiada.

— Se não fosse pelo dinheiro, se você tivesse todo o mármore do mundo à sua disposição, sem limites... o que você esculpiria?

A pergunta era tão inesperada, tão profundamente pessoal, que a desarvorou. Ninguém nunca lhe perguntara aquilo. Era uma questão sobre sonhos, não sobre sobrevivência. Ela se perdeu por um momento, imaginando. A liberdade. A pura alegria da criação sem o peso do mundo em seus ombros.

— Não sei — ela mentiu, a voz um sussurro.

Ele sorriu, um sorriso genuíno desta vez, que transformou seu rosto por um instante.

— Sim, você sabe.

Ele se levantou, a trégua do amanhecer oficialmente encerrada.

— Termine seu café. Vamos caminhar. A praia nos espera.

Ele não a convidou, ele a comandou. E enquanto Helena o observava caminhar em direção à escada que levava à areia, sua silhueta forte contra o azul ofuscante do oceano, ela sentiu um novo tipo de pânico. Não era apenas o medo de sua situação, mas o medo daquele homem. O medo de que, por trás do monstro que a comprara, existisse alguém que ela fosse capaz de entender. E esse pensamento era, de longe, o mais perigoso de todos.

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