A voz dele era como veludo escuro, um som que parecia envolver e sufocar ao mesmo tempo. Por um instante, o corpo de Helena reagiu antes de sua mente, um arrepio involuntário percorrendo sua pele, uma resposta primitiva àquele predador que a reclamava como sua. Mas então a fúria, pura e gélida, tomou o lugar do choque. Ela ergueu o rosto, forçando-se a encontrar aqueles olhos que as sombras não conseguiam mais esconder. Eram de um castanho profundo, quase negros, e brilhavam com uma inteligência e uma arrogância que a fizeram recuar um passo.
— Eu não sou sua — a voz dela saiu mais firme do que esperava, cada sílaba cravada em desprezo. — Eu não sou de ninguém. Houve uma transação, um acordo de negócios. Você comprou o meu tempo, não a minha pessoa.
Um canto de seus lábios se ergueu, um sorriso lento e perigoso que não alcançou seus olhos. Ele parecia mais divertido do que ofendido.
— Uma distinção interessante. E eloquente. — Ele estendeu a mão, não para tocá-la, mas em um gesto que a convidava a segui-lo. — Vamos discutir os termos do nosso... acordo de negócios, então. Em um lugar mais privado. Meu nome é Leo.Helena ignorou a mão estendida. O nome "Leo" soou falso em seus lábios, uma máscara tão óbvia quanto a dela. Ela apenas assentiu rigidamente e o seguiu, ciente de cada olhar curioso enquanto eles atravessavam a suíte. Ele não a tocava, mas ela sentia sua presença como uma marca em suas costas, uma força magnética que a puxava e a repelia simultaneamente.
Eles saíram por uma porta lateral, entrando em um elevador privado que desceu diretamente para a garagem subterrânea. O silêncio no pequeno espaço era ensurdecedor. Helena se concentrava em sua própria respiração, recusando-se a olhá-lo, mantendo o corpo o mais longe possível do dele. Ele, por outro lado, parecia perfeitamente à vontade. Estava encostado na parede do elevador, os braços cruzados, observando-a com a mesma intensidade analítica de antes.
— O que uma mulher como você estava fazendo naquele lugar? — ele perguntou, sua voz quebrando o silêncio.
— O que um homem como você estava fazendo? — ela rebateu, a pergunta saindo mais ácida do que pretendia.
O sorriso perigoso retornou.
— Eu estava entediado. E você?— Desesperada — a confissão escapou antes que ela pudesse contê-la. A honestidade crua da palavra pairou entre eles, vulnerável e feia. Ela se amaldiçoou por tê-la dito, por ter lhe dado aquela pequena vitória, aquela pequena fresta em sua armadura.
Ele apenas assentiu, como se ela tivesse confirmado algo que ele já sabia.
— O desespero nos faz cruzar fronteiras que juramos nunca ultrapassar.As portas do elevador se abriram, revelando um sedan preto, longo e luxuoso, com um motorista já de pé ao lado da porta aberta. O carro era outra declaração de poder, silencioso e imponente. "Leo" a guiou para o banco de trás e sentou-se ao lado dela. O espaço que antes parecia generoso, agora parecia claustrofóbico. O cheiro dele era mais forte ali, uma mistura de colônia cara, ozônio e algo unicamente dele, algo que fez os pelos de seus braços se arrepiarem.
O carro deslizou para fora da garagem e entrou na noite de Salvador. As luzes da cidade passavam como borrões coloridos pela janela, mas Helena não via nada. Estava presa dentro daquela bolha de couro e silêncio, ao lado do homem que a havia comprado.
A viagem para Itacaré durou quase quatro horas, a maior parte em um silêncio tenso. Helena manteve os olhos fixos na janela, observando a paisagem urbana dar lugar à escuridão da estrada litorânea, o contorno fantasmagórico dos coqueiros contra um céu salpicado de estrelas. Ela se recusava a dar a ele a satisfação de sua curiosidade ou de seu medo. Ela se tornaria pedra, como as esculturas que criava. Impenetrável. Fria.
Dante, por sua vez, a observava. Ele estudava o perfil dela contra a luz passageira dos postes, a linha orgulhosa de sua mandíbula, os nós brancos de seus dedos onde ela apertava a própria bolsa. Ele nunca havia conhecido ninguém como ela. As mulheres em seu mundo eram ou subservientes ou abertamente ambiciosas. Elas jogavam o jogo. Aquela mulher... ela parecia desprezar o jogo e todos os jogadores, inclusive ele. E, no entanto, lá estava ela. A contradição era fascinante. O lance exorbitante não fora apenas um capricho ou uma demonstração de poder para seu rival. Fora um impulso visceral, a necessidade de possuir aquela anomalia, de entender por que o fogo em seus olhos o atraía mais do que qualquer sorriso ensaiado.
Quando finalmente chegaram, o ar que os saudou ao saírem do carro era diferente. Era o ar puro de Itacaré, espesso com o cheiro do mar e da mata atlântica. O som não era de buzinas, mas do ritmo constante das ondas quebrando em uma praia próxima. Um carrinho de golfe elétrico os esperava para levá-los através do resort. O caminho era iluminado por pequenas luzes no chão, revelando uma vegetação luxuriante e a arquitetura rústica e elegante dos bangalôs.
O deles era o último, o mais isolado, situado em uma encosta com uma vista desimpedida para o oceano escuro. A palavra "bangalô" era um eufemismo. Era uma casa de luxo, com um deck de madeira expansivo, uma piscina de borda infinita que parecia se fundir com o mar e paredes de vidro que convidavam a paisagem para dentro. Era a jaula mais bonita que Helena já vira.
Ele abriu a porta e a deixou entrar primeiro. O interior era minimalista e sofisticado. Móveis de madeira de lei, tecidos naturais e, no centro de tudo, uma enorme cama king-size com lençóis brancos e imaculados, virada de frente para as portas de vidro que davam para o oceano.
Só havia um quarto.
Helena sentiu o pânico gélido subir por sua espinha, mas o empurrou para baixo, substituindo-o por uma fúria fria. Ela se virou para ele, os braços cruzados sobre o peito em um gesto de desafio.
— Onde eu vou dormir?Ele a olhou, uma sobrancelha arqueada em falsa inocência, embora seus olhos brilhassem com o desafio.
— A cama é grande o suficiente para nós dois.— Isso não fazia parte do acordo — ela disse, a voz baixa e controlada. — O acordo era minha companhia. Minha presença em jantares, em passeios. Minha conversa. Não o meu corpo. Eu não sou uma prostituta.
Ele deu um passo em sua direção, e ela se forçou a não recuar. Ele parou a apenas um braço de distância, perto o suficiente para que ela pudesse ver as pequenas nuances em seu rosto, a maneira como a luz da lua traçava a linha de sua mandíbula.
— Meio milhão de reais lhe dá certas... expectativas.— Então você deveria ter clarificado suas expectativas antes de o negócio ser fechado — ela sibilou. — Se você quer uma prostituta, tenho certeza de que pode comprar várias com o troco. Eu vou dormir no sofá.
Ela esperava que ele discutisse. Esperava raiva, coerção, uma demonstração da força bruta que ele tão claramente possuía. Em vez disso, ele ficou em silêncio por um longo momento, apenas olhando para ela, sua expressão indecifrável. E então, para o completo choque de Helena, ele sorriu novamente. Aquele mesmo sorriso lento e perigoso.
— Como quiser — disse ele, a voz suave como seda.
Ele se virou e caminhou em direção ao quarto, desabotoando as mangas de sua camisa. Ele parou no batente da porta e olhou para ela por cima do ombro.
— O sofá é seu. Por enquanto.