O cheiro da pitaya fresca se espalhava pela cozinha impecável enquanto Cloe cortava a fruta com a delicadeza de quem já estava acostumada a transformar alimentos em cuidado. Seu primeiro pensamento do dia havia sido: “O que eu estou fazendo aqui?”
Mas ali estava ela. Preparando um suco sofisticado para um homem que mal conhecia, em uma casa silenciosa demais, com uma proposta de trabalho inusitada, e um pagamento que ainda a deixava desconfiada.
Enquanto colocava as frutas no liquidificador, percebeu o quão silencioso o lugar era. Não havia música, barulho de TV, som ambiente. Nada.
Olhou para o alto e viu a pequena câmera escondida entre o design da luminária da cozinha. Fingiu que não viu. Mas sabia que estava sendo observada.
“Você é muito esquisito, Jhonas Belford”, murmurou enquanto coava o suco.
O celular vibrou em cima da bancada.
Mensagem de: Jhonas
“Troque o suco de hoje. Prefiro sem pitaya. Coloque hortelã e abacaxi.”
Ela respirou fundo, apertando os olhos com força por dois segundos antes de digitar uma resposta curta.
Cloe:
“Ok.”
O suco já estava pronto. Ele teria que tomar com pitaya e agradecer. Simples assim.
Ela deixou a garrafa pronta na bandeja como no dia anterior, limpou a bancada e pegou sua bolsa para sair. Antes que alcançasse a porta, o som de passos na escada chamou sua atenção. Era ele.
Jhonas surgiu no andar térreo com uma camisa branca de mangas dobradas e os cabelos ainda úmidos, como se tivesse acabado de sair do banho. Parecia... menos agente secreto e mais um homem tentando parecer normal.
— Já vai? — perguntou ele, sem muita expressão.
— A menos que queira que eu lave o chão também — ela respondeu, pegando a chave do carro.
Ele hesitou, depois sorriu — um sorriso tímido, estranho, mas real.
— Não. O chão está limpo o suficiente.
— Então, sim, já vou.
Cloe seguiu até a porta. Quando estava prestes a sair, virou-se.
— Ah, o suco tem pitaya. Não vou desperdiçar uma fruta rara só porque o senhor mudou de ideia.
Ele a encarou por um segundo, surpreso com a firmeza dela. Depois assentiu.
— Acho justo.
Ela sorriu. Um pequeno sorriso. Mas já era alguma coisa.
No segundo dia, ela chegou mais tranquila.
Ainda não sabia o que esperar, mas sabia que Jhonas provavelmente estaria observando por alguma câmera espiã. Então acenou para o teto assim que entrou na cozinha e disse:
— Bom dia, grande irmão.
Poucos segundos depois, uma notificação apareceu no celular.
Jhonas:
“Você está mais engraçada hoje.”
Cloe:
“Você continua estranho.”
Jhonas:
“Aceito isso como elogio.”
Ela riu sozinha. Já não sabia se estava se acostumando com o absurdo ou se era mesmo engraçado ver um homem tão forte e fechado sendo tão socialmente atrapalhado.
Preparou o suco do dia — dessa vez com hortelã e abacaxi, como ele havia pedido no dia anterior — e deixou sobre a mesa com um bilhetinho.
“Hoje, sem pitaya."
Mas continuo sem açúcar, igual você. Ela pensou.
Quando ele desceu minutos depois, leu o bilhete e sorriu.
— Eu não sou tão exigente quanto pareço.
— Tem razão. Você parece mais perdido do que exigente — respondeu ela, sentando na banqueta da cozinha, cruzando as pernas.
Ele a observou por um instante.
— Posso te perguntar uma coisa?
— Pode, se for sobre mim, o senhor já deve saber a resposta mesmo!
— Por que aceitou trabalhar pra mim?
Ela pensou por um instante. Depois, respondeu com sinceridade:
— Porque você me assustou. Depois me intrigou. E por fim... me ofereceu dinheiro demais pra eu fazer praticamente nada. Acho que precisa de uma amiga, não de uma funcionária.
Ele assentiu.
— Mas agora... depois desses dois dias?
— Agora? Agora você continua me assustando um pouco. Mas também... parece carente demais pra ser uma ameaça.
— Isso deveria me ofender?
— Não sei. É verdade, então decida você.
Ele riu. Um riso seco, mas genuíno.
— Eu sou ruim nisso. Socialmente falando. Eu passo mais tempo observando do que interagindo.
— Isso dá pra perceber — ela respondeu, bebendo um pouco do suco. — Aliás, você sempre vai ficar me espionando por câmeras ou pretende conversar como uma pessoa normal de vez em quando?
Ele hesitou, depois respondeu:
— Amanhã... amanhã quero conversar. Contar quem eu sou. Ou pelo menos... parte disso.
Ela o encarou.
— Por quê?
— Porque não quero que você me tema. Nem me ache um psicopata. Eu... queria que você confiasse em mim.
Ela respirou fundo. Depois assentiu.
— Então amanhã... vamos conversar.
Ele sorriu, aliviado.
— Ótimo.
Ela se levantou, pegando sua bolsa.
— Mas já aviso: se for uma daquelas histórias de filme de ação com armas e perseguições, vou rir na sua cara.
— Pode rir. Mas vou contar a verdade.
Ela abriu a porta e, antes de sair, virou-se com um sorriso maroto.
— Então não esquece de me servir pipoca.
E saiu.
Jhonas ficou ali parado por um tempo, olhando para a porta. Respirou fundo e pegou o celular.
Naquela noite, ele não trabalhou. Pela primeira vez em anos, fechou o notebook, desligou os aparelhos de escuta e simplesmente... sentou no sofá.
Com o celular na mão, abriu a conversa com Cloe. Havia uma mensagem dela não lida.
“Então não esquece de me servir pipoca.”
Sorriu. Estava perdido por ela.
Mas dessa vez, queria se encontrar.