Jhonas sabia que aquele parque seria apenas mais uma missão de rotina.
Ameaça identificada, perímetro seguro, evacuação rápida, missão cumprida. Mas o destino tinha planos diferentes.Enquanto caminhava com seus colegas da Agência, misturado entre civis, com boné e camiseta básica, seus olhos escaneavam o ambiente como sempre. Crianças no parquinho. Casais nos bancos. Corredores solitários. Ciclistas. Cachorros. Tudo comum.
Até que algo fez seu passo desacelerar.
Ali, mais à frente, ele viu um grupo de mulheres correndo em formação leve. Conversavam entre si, riam, e estavam claramente ali pela companhia, não pela competição.
E foi então que o coração dele acelerou sem permissão.
Cloe.
Ela estava ali. De novo.
Cabelo preso em um rabo de cavalo solto, fios longos ainda emoldurando seu rosto. Suada, levemente ofegante, mas com aquele mesmo olhar calmo e leve que ele jamais esqueceu."Não pode ser..." murmurou, sem perceber.
— Algo errado, Belford? — perguntou um dos colegas pelo ponto no ouvido.
— Não... — respondeu ele, retomando o passo — Só... visualizando civis. Tem gente demais por aqui.
Do quartel central, veio a instrução que ele já esperava:
— Ponto de risco confirmado. Instrução: evacuação imediata e discreta dos civis. Sem causar pânico.
Jhonas assentiu, mesmo sabendo que ninguém o via.
Era hora de agir. Mas, como agir... com ela ali?Ele respirou fundo, controlou os pensamentos e sinalizou aos outros. Eles se dividiram e se aproximaram de diferentes grupos, sempre discretos. Jhonas foi direto ao grupo das mulheres. Era seu dever.
Elas estavam agora paradas, se alongando, rindo de algo que uma delas contou. Cloe bebia água de uma garrafinha, concentrada, sem perceber sua aproximação.
Ele parou a poucos metros. A tensão em seu corpo era visível.
— Com licença — disse, a voz grave, firme — Vocês precisam deixar o parque agora.
As sete mulheres se viraram ao mesmo tempo, assustadas. Algumas recuaram. Outras franziram a testa. Cloe o olhou, surpresa.
— Como assim? — perguntou uma delas — Quem é você?
— Isso é algum tipo de brincadeira? — disse outra.
— Estamos sob alerta — ele respondeu, tentando manter a calma — Não posso dar detalhes, mas vocês precisam sair da área imediatamente. É sério.
As mulheres se entreolharam, inquietas.
Cloe deu um passo à frente, o rosto tenso, mas ainda calmo.— O que está acontecendo? — ela perguntou — Somos um grupo de corrida. Sempre treinamos aqui. Você não pode simplesmente aparecer e pedir pra gente sair.
Jhonas engoliu em seco. A presença dela o fazia esquecer os protocolos.
O profissionalismo escorria pelos dedos.— Eu... não posso explicar agora. Mas vocês não estão seguras aqui. Por favor, confiem em mim.
— Confiar? Em um estranho mandando a gente sair correndo de um parque público? — murmurou uma das amigas.
— Moço, você tem um distintivo? Alguma identificação? — outra questionou, já com o celular na mão.
Jhonas perdeu a paciência. Sentia o tempo correndo, o risco aumentando, a operação em andamento.
Virou o rosto para Cloe, apontou para ela com o indicador e falou mais alto do que pretendia:
— Você. Vem comigo. Agora.
Ela arregalou os olhos.
O mundo pareceu parar por um segundo. As amigas se aproximaram dela em proteção.— O quê?! — exclamou Cloe — Por quê?
Ela deu um passo para trás, completamente assustada. Sua expressão havia mudado — era medo. Puro medo.
— Eu... não... — Jhonas tentou corrigir, mas as palavras embolaram.
Seu colega, percebendo o caos, se aproximou e falou em tom sereno:
— Senhoras, por favor. Somos agentes da segurança nacional. Precisamos evacuar o local por precaução. Vocês não estão em perigo direto, mas a permanência aqui compromete uma operação em andamento. Apenas sigam para a saída e tudo ficará bem.
O grupo hesitou, mas algo no tom dele convenceu.
Cloe, porém, permaneceu ali, olhando para Jhonas com os olhos carregados de confusão.— Você me assustou — disse ela, firme.
Ele respirou fundo.
— Eu sei. E me desculpe. Eu... me atrapalhei. É que... — ele baixou o tom — Eu lembro de você.
Ela franziu a testa, ainda sem entender.
— Do supermercado. Você estava organizando suas compras. Foi... uma cena bonita. E desde aquele dia... — ele coçou a nuca, desviando o olhar — Eu quis falar com você. Mas não sabia como.
Cloe parecia confusa. Queria rir, mas não conseguia. Aquilo tudo era surreal.
— Você tá dizendo... que me “reconheceu” e por isso gritou comigo no meio de uma evacuação?
Ele suspirou.
— Eu me embananei. Sou melhor com armas do que com palavras, aparentemente.
Ela riu. Sem querer, riu.
E foi naquele riso leve, quase irônico, que ele encontrou coragem.— Eu queria te pedir uma coisa. — disse, direto.
— O quê?
— Trabalha pra mim.
Ela arregalou os olhos.
— O quê?!
— Nada ilegal. Nada estranho. Eu preciso de alguém para cuidar de algumas coisas da casa. Coisas pequenas. Frutas, sucos, organização. Você parece ser ótima nisso. Disciplinada. Cuidadosa. Confio em você, mesmo sem te conhecer.
— Você é completamente maluco.
— Talvez. Mas... posso te pagar bem. Muito bem!
Ela hesitou.
— Você nem sabe meu nome.
— Sei. Cloe. Cloe Martins. Eu pesquisei.
Ela recuou um passo, mais assustada agora.
— Isso era pra me acalmar?
— Me desculpa. Eu sou um agente. Eu tenho acesso a dados. Mas juro, não fiz por mal. Eu só... Queria te conhecer. Mas não sou bom nisso. A única forma que encontrei foi essa. Contratar você.
Cloe o encarou por longos segundos. O silêncio entre eles era cheio de ruídos internos.
— Eu não sei o que responder.
— Deixa eu te mandar o valor. Se você se sentir confortável, me responde amanhã.
Ele pegou o celular, digitou rapidamente e em segundos ela recebeu uma notificação bancária.
O valor era absurdo.Ela olhou, depois o olhou.
— Isso é um adiantamento?
— É um pedido. Só me dá uma chance. Se não gostar, pode ir embora. Sem explicações.
Ela respirou fundo. Estava cansada. Confusa. Mas uma parte dela... queria saber quem era esse homem estranho. E por que ele mexia tanto com sua cabeça.
— Tá. Só por um dia. Amanhã.
— Amanhã — repetiu ele, com um pequeno sorriso.
Naquela noite, Cloe mal dormiu.
Tentava entender como, em questão de minutos, havia saído de uma corrida matinal para um convite esquisito de trabalho vindo de um homem que parecia saído de um filme de espionagem.No dia seguinte, às nove da manhã, ela chegou à casa dele.
Era um condomínio fechado, elegante. A casa era moderna, de linhas retas, janelas enormes, silenciosa por fora e com uma aura de mistério por dentro.
Ela tocou a campainha.
Jhonas abriu a porta pessoalmente. Usava uma camisa de algodão e jeans escuros. Parecia um homem comum, mas algo nele transbordava tensão.— Bom dia — disse ela, ainda desconfiada.
— Bom dia. Pode entrar. A cozinha é por ali.
— O que preciso fazer? Ela disse.
— Ele falou o que veio na cabeça
— Suco, costumo beber muito, mas nem sempre tenho tempo para fazer.
— Suco de quê? Disse ela, observando a cozinha moderna.
— Maracujá com gengibre. E... se conseguir encontrar pitaya, seria ótimo.
— Pitaya? Que exigente! Ela disse em voz alta, sem perceber.
— Eu sou.
Ela sorriu pela primeira vez.
E assim começou um dos capítulos mais confusos — e inesperados — da vida de Cloe.