Helena acordou antes do despertador, com a luz pálida da madrugada vazando pelas frestas da cortina. O corpo doía de cansaço, mas a mente não lhe dava trégua.
O documento que encontrara na véspera permanecia sobre a bancada, como um lembrete incômodo de que a história que contava para si mesma podia não ser inteira. Ela ficou alguns minutos olhando para a folha dobrada, sentindo o peito apertar com a urgência de encontrar alguma explicação que devolvesse sentido à sua raiva.
Ainda acreditava que Arthur Valente tinha culpa. Precisava acreditar.
Se não houvesse um responsável claro por tudo, então o vazio que sua família herdou não passava de uma sucessão de pequenos erros, e isso era muito mais difícil de perdoar.
Ela se levantou devagar, colocou água para ferver e apoiou as mãos na bancada fria. Respirou fundo, tentando afogar na rotina qualquer traço do desejo que se infiltrava nos seus dias.
Desejo por ele.
Por tudo o que ele era, e tudo o que ela não podia permitir que se tornasse.