Damian
Cheguei cedo. Prefiro entrar primeiro e recolher margens, cheiros, distâncias, saídas. O portão da mansão Vasquez abriu como um suspiro cansado, o mordomo correu, ajeitando a gravata, e anunciou meu nome com uma reverência que tinha medo nas bordas. — Sr. Blackwell. — Sala principal? — perguntei. — Sim, senhor. O corredor exibia fotos de férias e diplomas. Em todas, uma ideia fixa: estabilidade, hoje, recordações por um prego torto. O pai levantou apressado, a mãe tentou sorrir, Amara permaneceu de pé, vestida de preto, o queixo erguido como faca afiada. Ignorou deliberadamente o “vermelho” que pedi. — Sr. e Sra. Vasquez — cumprimentei. — Vim formalizar termos. Abri a pasta: cronogramas, auditorias, o pagamento. Os olhos de Amara me atravessavam. — Não falaremos de… sentimentos? — a mãe arriscou. — Sentimentos não movem máquinas — respondi, assinando. — Decisão e dinheiro movem. Amara cruzou os braços. — E pessoas? — perguntou. — São só linhas de custo? — Pessoas são contratos vivos. As que honram, prosperam comigo. Ela segurou a réplica na língua. Preferia risco à submissão. Gosto de peças que exigem jogo longo. — As condições — continuei. — Quitação integral em quarenta e oito horas. Manutenção dos empregos por seis meses. Em contrapartida, o noivado hoje e a data do casamento até sexta-feira. Visto que já assinamos o contrato principal. — Rápido — ela disse. — Quando um prédio está em chamas, não escolhemos a cor da mangueira. — E minhas condições? — Estudos e trabalho mantidos, visitas aos seus pais com agenda, segurança dedicada, discrição pública. E quando eu disser “basta”, você para. — Não gosto de coleiras. — Nem eu — respondi. — Mas sei quando seguram a vida. Deslizei a caixa de veludo pela mesa. Um anel elegante, pesado o suficiente para lembrar promessas. — Levante-se — pedi. Ela hesitou, levantou. Aproximei-me até sentir o perfume limpo dela, sem exageros. Segurei sua mão. Sob a pele, a tensão de quem morde antes de ser mordida. Inclinei-me. — Você não faz ideia do que significa ser minha — sussurrei, num tom que pertencia só a ela. — E você não faz ideia do inferno que eu posso ser. Amara tentou puxar a mão, apertei. Corrente. Não para ferir, para dizer “estou aqui”. — Solte — ordenou, baixo. — Não — respondi, calmo. — Aceite. Vesti o anel. Sua pele tremeu, mas ela sustentou o olhar. Soltei devagar. Ganhar é, às vezes, saber ceder. — Anunciaremos agora — informei. — Sejam breves. — É claro que já avisou a imprensa — ela disse. — Imagino que tenha escolhido até o cheiro do ar. — Não gosto de flores — respondi. — Gosto de resultados. Na varanda, jornalistas escolhidos, microfones, três câmeras. Minha equipe ocupou as sombras. Conduzi as falas, compromisso com empregos, aporte financeiro, união de famílias. Quando perguntaram se havia amor, concluí: — Há respeito. O amor chegará se quiser, mas respeitará a ordem dos fatos. O que precisava sair dali saiu. Amara manteve o queixo alto, o anel brilhou como farol. Dentro, recusei champanhe. O pai veio agradecer. — Um dia vou pagar tudo — disse. — Já está pagando — respondi. — Com confiança. Amara ouviu. A linha do maxilar ficou mais dura. A fera dentro de mim se moveu, instinto de posse, não de romance. Segurei o impulso com a disciplina de sempre. — Venha comigo — falei a ela, quando as atenções se dispersaram. — É uma ordem? — É um pedido. — E se eu disser não? — Diga. — Não. A pancada seca no orgulho. Não recuei. — Então mudei de ideia — respondi. — É uma ordem. Amara aproximou-se até me tocar com a respiração. — Se quer uma estátua, case com mármore. Se quer a mim, vai sangrar junto. A palavra “sangrar” acendeu um lugar que não mostro a ninguém. Endireitei. — O carro aguarda — encerrei. — Temos um jantar. Ela passou por mim num rastro de recusa que me atraiu mais do que qualquer rendição. No hall, segurei-a num gesto mínimo. — Não sou conto de fadas — disse perto. — Eu sou muralha e tempestade. Ficar ao meu lado exige pele grossa. — Eu não fico. Eu ando — respondeu. — E, se preciso, corro. — Corridas terminam. Eu espero na linha de chegada. Descemos. O céu prometia chuva. No carro, o silêncio tinha peso. — Você sempre fala assim? — ela perguntou. — Sim. — Sempre quer tudo? — Sim. — E sempre consegue? — Eventualmente. — Então anote… eu não sou coisa que se consegue. Sou pessoa que se conquista. A palavra “conquista” assentou como peça de xadrez no tabuleiro certo. O restaurante privado nos aguardava. Luz baixa, sala vazia. Comprei o horário por privacidade. — Coma — pedi quando os pratos chegaram. — Você sempre manda? — Eu sempre cuido. — Cuidado ou controle? — Depende de quem olha. A lua subiu por trás do prédio espelhado. Senti a pele repuxar. A fera ergueu a cabeça. Respirei fundo, contei até oito, mantive a coleira firme. — Está pálido — ela notou. — Luz fria — menti. — Melhor assim. Eu não saberia por onde começar a limpar seu sangue. Sorri. Ninguém fala comigo assim. — Amanhã às oito — lembrei. — Use vermelho. — Vermelho é para quem quer ser visto — disse. — Eu quero ser lembrada. — Lembrar você não será o problema. Levei-a de volta. Não toquei. — Boa noite, Sra. Blackwell — disse, de propósito. — Ainda não — retrucou. — E, talvez, nunca. Fechei a porta do carro e dei a ordem ao motorista. Antes de o veículo partir, concluí em silêncio: Eu não falo de amor. Falo de fronteiras, de pactos, de obediência. Mas, quando segurei a mão de Amara, algo antigo mordeu por dentro. Talvez porque, pela primeira vez em anos, o mundo não estivesse apenas à venda. Talvez porque eu tenha reconhecido em seus olhos a única coisa que não posso comprar: vontade. E vontade é a única moeda que vale a pena conquistar. Na solidão do meu escritório, já depois de deixá-la em casa, sentei-me diante da cidade iluminada. Assuntos resolvidos, contratos assinados, noivado anunciado. Tudo no lugar. Exceto ela. Amara não era engrenagem que se encaixava no meu sistema. Era faísca. Era ameaça. Cada frase dela, cada olhar de desafio, soava como música e como golpe. A fera em mim uivava para marcá-la, para prendê-la. O homem em mim queria ver até onde ela suportaria antes de quebrar. Peguei a caneta e escrevi três palavras no bloco de notas: — Ela é minha. E, pela primeira vez em anos, senti que meu império inteiro podia ruir… se essa verdade fosse negada.