O vestido de noiva pesava como uma armadura.
Elena olhou-se no espelho do camarim, os dedos tremendo enquanto ajustavam o véu de renda branca. Não era suposto ser assim. O casamento deveria ser uma celebração, não uma sentença. Mas quando se casa com um Moretti, nada é por amor. — Quase pronta, signorina? — A velha costureira sorriu, alisando as dobras do vestido. — O Don está ansioso. Elena engoliu seco. O Don. Luca Moretti, seu noivo, era apenas o príncipe herdeiro. O verdadeiro poder estava nas mãos do homem que mal a olhava durante os jantares de família: Vittorio Moretti, seu futuro sogro. Um estrondo na porta interrompeu seus pensamentos. — Elena. — A voz era de Luca, mas o tom era estranho, tenso. Ela se virou, e o coração parou. Luca estava lá, sim, mas não com o smoking de noivo. Vestia roupa de viagem, o rosto pálido, os olhos evitando os dela. — O que está acontecendo? — ela perguntou, os dedos se apertando no tecido do vestido. — Eu… não posso fazer isso. O mundo desmoronou em câmera lenta. — O quê? — Eu amo outra pessoa. Estou indo embora. Agora. Elena riu, um som sem humor. — Você está brincando. Seu pai vai te matar. Luca olhou para trás, nervoso, como se esperasse que o próprio diabo surgisse do corredor. — Ele não sabe. E você… bem, você vai cobrir por mim. Antes que ela pudesse responder, ele jogou algo em cima da penteadeira. Um bilhete. — Dê isso a ele quando perguntarem. E então, como um covarde, Luca Moretti fugiu no dia do próprio casamento. Os minutos se arrastaram como horas. Elena ficou paralisada, o bilhete não lido na mão, até que as vozes do corredor ficaram mais altas. Mais violentas. A porta do camarim foi arrombada com um chute. Dois homens de terno preto entraram primeiro, armas à mostra. E então…ele apareceu. Vittorio Moretti. O Don da família Moretti não parecia um homem. Parecia uma tempestade prestes a devastar tudo. Seu terno impecável não escondia a fúria nos ombros tensos, nos olhos negros como azeviche que queimavam através dela. — Onde está meu filho? — a voz dele era suave, mortal. Elena abriu a boca, mas nenhum som saiu. Vittorio avançou, arrancando o bilhete de sua mão. Ele leu, os músculos da mandíbula contraindo. Então, lentamente, levantou o olhar para ela. — Você sabia. — Não!— ela engasgou. — Ele me abandonou também! Vittorio estudou-a por um longo momento, como um predador avaliando a presa. Então, sem aviso, ele agarrou seu braço, os dedos como grilhões de aço. — Então você vai pagar por ele. Elena lutou, mas era inútil. Ele a arrastou para fora do camarim, através do salão de festas em silêncio, onde os convidados olhavam horrorizados. — Você não pode fazer isso! — ela gritou. Vittorio parou, virou-se e aproximou os lábios do seu ouvido. O calor do hálito dele fez seu corpo traiçoeiramente tremer. — Você pertence aos Moretti agora, piccolina. E eu nunca deixo uma dívida sem pagar. Antes que ela pudesse responder, ele a jogou dentro de um carro preto. A porta fechou com um clique final. Elena estava capturada. O lugar para onde a levaram não era uma casa. Era uma fortaleza. Muros altos, câmeras, guardas armados. Vittorio a puxou pelos corredores sombrios até um quarto — não uma cela, mas algo pior. Luxo. Uma suíte enorme, com uma cama enorme, paredes de mármore… e janelas trancadas. — Você vai ficar aqui — ele disse, soltando-a. — Até eu decidir o que fazer com você. Elena esfregou o pulso dolorido. — Eu não sou sua prisioneira. Vittorio riu, um som baixo e perigoso. — Oh, mas é. — Ele se aproximou, cada passo calculado. — Seu noivo fugiu. Você é a única coisa que resta para garantir que a aliança com sua família seja honrada. — Luca é um idiota, mas seu pai não vai deixar você me manter aqui! Ele parou, tão perto que ela podia sentir o calor do corpo dele. — Seu pai? — Vittorio sorriu, cruel. — Ele foi quem sugeriu que eu fizesse uso de você de outra forma. O sangue esfriou nas suas veias. — Você não faria isso. Os olhos dele desceram ao seu corpo, ao vestido de noiva ainda vestido, e algo escuro brilhou no olhar dele. — Não subestime o que um homem como eu é capaz, Elena. Ele virou-se e saiu, trancando a porta atrás de si. Elena caiu de joelhos no tapete, o coração batendo como um tambor. Ela estava nas garras do lobo. E a noite mal tinha começado. O som da fechadura girando ecoou como um tiro na suíte silenciosa. Elena levantou-se tão rápido que a cabeça girou, os dedos se agarrando ao vestido de noiva, agora amassado e manchado de lágrimas. A porta se abriu lentamente, revelando não Vittorio, mas uma mulher de meia-idade com um vestido discreto e olhos impassivos. — Don Vittorio mandou que você se arrumasse para o jantar — anunciou, colocando uma bandeja com roupas sobre a cama. Elena olhou para o conteúdo: um vestido vermelho, justo, com um decote que deixaria pouco à imaginação. — Isso é uma piada? — Ela empurrou a bandeja, fazendo o tecido escorregar para o chão. — Diga ao seu chefe que eu não sou um brinquedo para ele vestir. A mulher nem pestanejou. — Ele disse que você tem uma escolha. Veste isso… ou vai nua. O ar saiu dos pulmões de Elena como se ela tivesse levado um soco. Uma hora depois, ela estava sentada à mesa de jantar mais longa que já vira, o vestido vermelho colado ao corpo como uma segunda pele. As velas projetavam sombras dançantes nas paredes, e o silêncio era quebrado apenas pelo tilintar dos talheres de prata. Do outro lado da mesa, Vittorio observava-a enquanto bebia vinho tinto, os olhos escuros percorrendo cada curva exposta pelo vestido. — Você parece… diferente sem o véu de noiva — comentou, a voz rouca. Elena apertou a faca na mão. — Por que estou aqui? Ele inclinou a cabeça, como um tigre estudando sua presa antes do ataque. — Porque o meu filho foi um tolo. E agora, alguém tem que arcar com as consequências. — Eu não tenho nada a ver com a fuga dele! Vittorio colocou o copo devagar sobre a mesa. — Mas tem. Você era a noiva. Sua família prometeu lealdade. E agora? — Ele sorriu, cruel. — Você é tudo o que resta. Elena sentiu o perigo no ar, espesso como o cheiro do vinho. — O que você quer de mim? Ele levantou-se, andando até ela com passos lentos. Quando parou atrás da sua cadeira, suas mãos se fecharam sobre seus ombros, os dedos queimando através do tecido fino. — Quero obediência. O calor do corpo dele contra suas costas fez algo dentro dela estremecer. — E se eu me recusar? Os lábios de Vittorio se aproximaram do seu ouvido, o hálito quente fazendo seus nervos pegarem fogo. — Então eu te quebro. Depois do jantar, ele a levou para o terraço. A noite estava fria, mas o medo mantinha Elena aquecida. — Você sabe por que Luca fugiu? — perguntou Vittorio, olhando para a cidade abaixo. Elena cruzou os braços. — Porque ele é um covarde. Vittorio riu, um som sem humor. — Porque ele sabia que nunca seria digno de herdar o que é meu. — Virou-se para ela. — E você? É digna de ser uma Moretti? Elena sentiu o desafio no ar. — Eu nunca quis ser. Ele se aproximou, até que ela pudesse sentir o cheiro do seu perfume, uma mistura de tabaco e poder. — Talvez você precise de um… incentivo. Antes que ela pudesse reagir, Vittorio a puxou contra ele, uma mão entrelaçando-se em seus cabelos, puxando sua cabeça para trás. — Me beije. Elena paralisou. — Não. Os olhos dele escureceram. — Não foi uma pergunta. E então… ele a beijou. Foi um beijo de posse, de dominação, seus lábios exigindo submissão. Elena tentou resistir, mas seu corpo traiu-a, respondendo contra sua vontade. Quando ele a soltou, os dois estavam sem fôlego. — Você pertence a mim agora — ele sussurrou. — E eu sempre pego o que é meu. Elena recuou, os lábios ainda ardendo. — Nunca. Vittorio sorriu, como se ela tivesse acabado de cair em uma armadilha. — Então lute. — Ele abriu os braços. — Mostre que você é mais do que apenas um peão. Elena hesitou. Mas então, num ato de pura rebeldia, ela levantou a mão e deu um tapa no seu rosto. O som ecoou como um tiro. Por um segundo, o mundo parou. Então, os olhos de Vittorio incendiaram-se. — Erro grave, piccolina. Ele a agarrou pelo braço, arrastando-a de volta para dentro, em direção aos aposentos privados. Elena sabia que tinha acabado de acender um fogo que não poderia controlar. E a noite ainda não tinha acabado.