Os dias que se seguiram à "coleta" na floricultura foram uma sucessão de testes velados para Leonardo. Tulio, o braço direito e sombra de Don Costello, tornou-se sua companhia constante, um observador silencioso cuja presença era tão reconfortante quanto a de um lobo à espreita. Diferente da brutalidade quase teatral de Rocco, a ameaça de Tulio era mais sutil, mais fria, residindo em seus olhos penetrantes e na economia de seus movimentos, cada um deles carregado de uma eficiência mortal.
A nova tarefa de Leonardo chegou numa manhã chuvosa. Tulio o encontrou no pequeno apartamento nos fundos de uma lavanderia, outro dos negócios de fachada dos Costello, que lhe fora designado como morada temporária.
"Temos um assunto a resolver no Porto," Tulio disse, sem rodeios, enquanto Leonardo terminava um café amargo. "Um dos nossos… inquilinos… parece ter desenvolvido ouvidos seletivos para as nossas instruções sobre o uso do cais."
Leonardo apenas assentiu, terminando o café. Ele entendia a linguagem cifrada. "Inquilino" significava alguém que pagava à famiglia pelo "privilégio" de operar em seu território, e "ouvidos seletivos" era um eufemismo para desobediência ou, pior, traição.
No caminho para o Porto, a chuva batia forte contra o para-brisa do sedan, e Tulio, surpreendentemente, quebrou o silêncio habitual. "O Don ficou… intrigado com sua abordagem ao florista." Não era um elogio, nem uma crítica. Apenas uma constatação, lançada como uma isca.
Leonardo manteve o olhar fixo na paisagem urbana que desfilava molhada pela janela. "Cada situação exige uma ferramenta diferente, Tulio. Às vezes, um bisturi é mais eficaz que um martelo."
Tulio soltou um som que poderia ser uma risada contida. "Veremos se suas ferramentas cirúrgicas funcionam com tubarões, Leonardo."
O "inquilino" era um contrabandista de porte médio chamado Cuca, que usava uma das docas controladas pelos Costello para descarregar mercadorias ilícitas. Recentemente, circularam rumores de que Cuca estava negociando com uma gangue rival, oferecendo-lhes acesso ao cais.
Ao chegarem ao armazém úmido e escuro que servia de escritório para Cuca, a tensão era palpável. Dois capangas do contrabandista, homens grandes com olhares hostis, tentaram barrar a entrada, mas recuaram diante da presença gélida de Tulio e da calma desconcertante de Leonardo.
Cuca, um homem de meia-idade com o rosto marcado pelo sol e pela preocupação, tentou manter uma fachada de normalidade, mas o suor em sua testa o denunciava. "Tulio! Que surpresa desagradável. Se eu soubesse que viriam, teria preparado um café."
"Poupe-nos da sua hospitalidade fajuta, Cuca," a voz de Tulio era cortante. "O Don está ciente de suas… novas amizades. Amizades que podem custar caro."
Cuca empalideceu. "São apenas negócios, Tulio! Uma forma de expandir… de trazer mais… prosperidade para todos."
Enquanto Tulio pressionava Cuca com perguntas incisivas e ameaças veladas, Leonardo circulava discretamente pelo ambiente. Seus olhos absorviam cada detalhe: as caixas empilhadas, as rotas de fuga, o nervosismo crescente dos capangas de Cuca. Ele notou um pequeno caderno sobre a mesa do contrabandista, parcialmente escondido sob uma pilha de papéis. Com um movimento rápido e quase imperceptível, enquanto a atenção de todos estava em Tulio, ele o pegou, folheou brevemente – o suficiente para ver anotações de datas, nomes e valores que confirmavam as suspeitas – e o colocou de volta, ligeiramente mais visível.
Quando Tulio fez uma pausa, Leonardo interveio, a voz calma, mas com um tom de autoridade que fez Cuca estremecer. "A lealdade tem um preço, Signor Cuca. E a traição, um custo ainda maior." Ele gesticulou em direção ao caderno. "Acredito que seus registros podem esclarecer a natureza exata de suas 'expansões'."
Tulio seguiu o gesto, seus olhos se estreitando ao ver o caderno. Ele o pegou, e um sorriso frio surgiu em seus lábios ao folheá-lo. A evidência era inegável.
A "conversa" com Cuca terminou rapidamente depois disso. Não houve violência explícita ali, mas o terror nos olhos do contrabandista quando Tulio lhe deu um ultimato – cortar todos os laços com os rivais e pagar uma "multa" substancial pela sua indiscrição – era mais eloquente do que qualquer agressão física.
No caminho de volta, Tulio permaneceu em silêncio por um longo tempo. "Você tem bons olhos, Leonardo," ele finalmente admitiu, quase a contragosto. "E nervos de aço. O Don vai gostar de saber disso."
Leonardo apenas deu de ombros. "Eu apenas observo o que está à vista." Mas por dentro, sentia o gosto amargo daquele mundo se intensificar. Cada pequena "vitória" dentro da máfia o afastava mais de quem ele fora, ou de quem ele esperava ser. A imagem de um par de olhos cor de mel, gentis e idealistas, surgiu em sua mente por um instante fugaz – Sabrina Rossi, uma lembrança do mundo luminoso que ele agora ameaçava com cada passo que dava nas sombras.
Na Fundação Rossi, Sabrina enfrentava seus próprios dilemas, embora de natureza muito diferente. Ela acabara de descobrir que um dos projetos que mais prezava – um programa de reforço escolar para crianças carentes – corria o risco de ser cortado devido a uma reavaliação orçamentária no banco. Seu pai, sempre pragmático, argumentava que os retornos eram baixos, que havia "investimentos sociais mais eficientes".
"Pai, não estamos falando de eficiência de mercado, estamos falando de crianças!" Sabrina argumentou, a voz carregada de paixão, durante uma tensa reunião familiar. "Estamos falando de dar a elas uma chance, uma base!"
Lorenzo Rossi suspirou, passando a mão pelos cabelos grisalhos. "Eu entendo seu idealismo, minha filha. E o admiro. Mas o mundo real é feito de números, de resultados. O banco tem responsabilidades para com seus acionistas, para com a estabilidade que garante o bem-estar de tantas outras famílias." Ele parecia cansado, mais do que o habitual. "E os tempos estão… incertos. Há uma instabilidade no ar, uma corrente subterrânea de problemas na cidade que me deixa apreensivo. Precisamos ser prudentes."
Sabrina sentiu a frustração crescer. Como poderia fazê-lo entender que o valor daquelas vidas não podia ser medido em planilhas? Ela decidiu que lutaria por aquele projeto, usaria todos os seus argumentos, toda a sua influência. Mal sabia ela que a "instabilidade no ar" que preocupava seu pai tinha nomes, rostos e planos que estavam sendo meticulosamente traçados não muito longe dali.
Naquela noite, Don Costello convocou Leonardo ao seu escritório. Tulio estava presente, como sempre, uma sombra leal. O velho Don parecia satisfeito.
"Tulio me contou sobre o incidente no porto," disse Don Costello, servindo-se de um cálice de vinho tinto encorpado. Ele não ofereceu a Leonardo. "Você demonstrou iniciativa. E discrição. Qualidades raras."
Leonardo aceitou o "elogio" com um leve inclinar de cabeça.
"Estamos trabalhando em algo grande, Leonardo," continuou o Don, seus olhos brilhando com uma ambição antiga. "Algo que vai redefinir o poder nesta cidade. Um golpe que entrará para a história." Ele fez uma pausa, observando a reação de Leonardo. "E para isso, preciso de homens em quem eu possa confiar. Homens inteligentes, que não têm medo de pensar fora da caixa, mas que entendam a importância da lealdade absoluta."
O coração de Leonardo acelerou minimamente. Era isso. O "grande golpe" sobre o qual ele ouvira sussurros. Seus motivos para estar ali, enterrados sob camadas de disfarce, envolviam desvendar algo do passado, algo que ele suspeitava estar ligado às operações mais secretas dos Costello. Aquele golpe poderia ser a chave.
"Estou aqui para servir aos interesses da famiglia, Don Costello," Leonardo respondeu, a voz firme, escondendo a turbulência interna.
"Bom," disse Don. Ele se levantou e caminhou até um grande mapa da cidade pendurado na parede, suas ruas e edifícios meticulosamente detalhados, apontou para um ponto específico no coração financeiro da cidade. Um edifício imponente, um símbolo de riqueza e estabilidade. "Nosso próximo grande projeto… envolve o Banco Rossi & Filhos."
Leonardo sentiu um calafrio percorrer sua espinha, um choque gelado que ele lutou para não demonstrar. Rossi. O nome da jovem idealista da fundação, a mulher cujos olhos gentis o haviam assombrado brevemente. Sabrina Rossi. O banco de sua família.
O mundo, de repente, pareceu encolher, as teias do destino se apertando ao seu redor de forma implacável. Ele viera buscar respostas, talvez vingança, mas não esperava que seu caminho o colocasse em rota de colisão direta com a única pessoa que, em seu breve e distante contato com a luz, havia despertado nele algo que ele pensava estar morto.
Don Costello sorriu, satisfeito com o silêncio de Leonardo, interpretando-o como respeito ou talvez a devida apreensão diante da magnitude do plano. "Você, Leonardo, com sua mente estratégica, terá um papel fundamental no planejamento. Quero que estude o alvo. Suas defesas, suas vulnerabilidades. Tudo."
Leonardo engoliu em seco, a mente girando. O banco da família de Sabrina. Aquilo mudava tudo. Ou talvez, apenas complicasse terrivelmente o caminho que ele já havia escolhido trilhar.
"Considere uma honra, Don," ele conseguiu dizer, a voz soando mais firme do que ele se sentia por dentro.
Enquanto saía do escritório, deixando Don Costello e Tulio discutindo os próximos passos, Leonardo sentiu o peso de uma nova e terrível ironia. Para alcançar seus objetivos sombrios, ele teria que planejar a ruína da família da única pessoa que representava a inocência e a bondade que ele há muito perdera. O jogo estava ficando perigosamente pessoal.