A noite de Leonardo foi um tormento silencioso. As palavras de Don Costello ecoavam em sua mente, cada sílaba um prego a mais em sua cruz autoimposta: "Nosso próximo grande projeto… envolve o Banco Rossi & Filhos." Rossi. O nome que, até pouco tempo, representava para ele apenas uma família rica e anônima, agora adquirira um rosto, um par de olhos cor de mel que irradiavam uma luz que ele pensava ter se extinguido no mundo. Sabrina.
Ele se levantou antes do amanhecer, o corpo tenso, a mente uma teia de cálculos frios e emoções incandescentes. Como conciliar a missão sombria que o levara até o covil dos Costello com a imagem da jovem que, sem saber, representava tudo o que ele perdera, tudo contra o que ele agora era obrigado a lutar? Seu passado, o verdadeiro motivo de sua infiltração na máfia, exigia que ele seguisse em frente, que usasse qualquer meio para alcançar seu objetivo. Mas o espectro de Sabrina Rossi pairava, um aviso, uma complicação inesperada e perigosa.
Ele engoliu o café amargo, a solidão do pequeno apartamento na lavanderia amplificando o caos em seu peito. Tinha que ser profissional. Tinha que separar as coisas. O Banco Rossi era um alvo estratégico, e ele, Leonardo, era a ferramenta escolhida para dissecar suas defesas. Qualquer outra coisa era uma distração que ele não podia se permitir. Pelo menos, era o que repetia para si mesmo, como um mantra frágil contra uma tempestade iminente.
A primeira fase de seu estudo começou naquela manhã. Disfarçado como um arquiteto interessado na paisagem urbana, com uma prancheta e um olhar analítico, Leonardo passou horas observando o imponente edifício do Banco Rossi & Filhos. Era uma fortaleza de granito e vidro, um símbolo de estabilidade e poder no coração financeiro da cidade. Câmeras de segurança discretas, mas onipresentes, guardas uniformizados com postura militar nas entradas principais, carros blindados chegando e partindo em horários precisos. Tudo exalava ordem e segurança.
Ele anotava ângulos de visão, rotinas de troca de guarda, o fluxo de funcionários e clientes. Seu cérebro trabalhava com a precisão de um relojoeiro, identificando padrões, buscando as inevitáveis falhas humanas ou sistêmicas que toda fortaleza possuía. Viu Lorenzo Rossi chegar, o banqueiro com o semblante carregado, entrando apressado no prédio, falando ao celular com uma urgência que Leonardo não associava apenas aos negócios. O peso do mundo parecia estar sobre os ombros daquele homem. O peso que Leonardo, ironicamente, estava prestes a aumentar.
E então, no meio da tarde, quando o sol lançava longas sombras sobre a praça em frente ao banco, ele a viu.
Sabrina Rossi desceu de um carro elegante, não com a ostentação de uma herdeira fútil, mas com a pressa de quem tinha um propósito. Vestia-se de forma simples, mas elegante, os cabelos castanhos presos num coque displicente, e carregava uma pasta cheia de papéis. Seus passos eram decididos enquanto subia as escadarias do banco. Por um instante, ela parou, olhou para o céu, respirou fundo, como se buscasse forças antes de entrar no território de seu pai.
O coração de Leonardo falhou uma batida. Vé-la ali, tão perto de seu alvo, tão inconsciente da ameaça que ele representava, foi como um soco no estômago. A luz do sol parecia se concentrar nela, destacando sua aura de inocência e determinação em meio à frieza calculista do mundo financeiro e do submundo para o qual ele agora trabalhava. Ela era real, vibrante, e não apenas uma peça num jogo complexo.
Ele se encolheu instintivamente nas sombras de um pórtico, a prancheta servindo mais como escudo do que como ferramenta. Observou-a desaparecer pelas portas imponentes, e uma sensação de náusea o invadiu. Aquilo não era apenas um edifício; era o legado dela, o trabalho de sua família. E ele estava ali para encontrar uma forma de violá-lo. A dualidade de sua missão nunca fora tão dolorosamente clara.
Dentro do banco, Sabrina enfrentava seu próprio tipo de batalha. Conseguira uma reunião de última hora com seu pai, determinada a defender o programa de reforço escolar. Encontrou Lorenzo em sua suntuosa sala de presidência, mas ele parecia mais distraído e tenso do que nunca.
"Sabrina, querida, agora não é o melhor momento," ele disse, massageando as têmporas, os olhos fixos em relatórios de segurança espalhados sobre a mesa. "Temos… questões urgentes de segurança para tratar."
"Pai, é importante! São crianças, são futuros que podemos moldar!" ela insistiu, a voz carregada da urgência de sua paixão. "O corte nesse programa seria devastador para elas. Sei que os números podem não parecer impressionantes no papel, mas o impacto humano é imensurável!"
Lorenzo a olhou, e pela primeira vez, Sabrina viu um medo genuíno em seus olhos, algo além da habitual preocupação paternal. "Eu sei que você tem um coração de ouro, minha filha. Mas há lobos lá fora, Sabrina. Lobos que cobiçam o que construímos, o que protegemos. Contratei novos consultores de segurança, estamos revendo todos os protocolos. A situação na cidade… não está boa."
"Lobos? Pai, o senhor está sendo dramático. Sempre fomos cuidadosos," ela tentou argumentar, embora a intensidade dele a deixasse desconfortável.
"Desta vez é diferente," ele murmurou, mais para si mesmo. "Sinto isso." Ele desviou o olhar. "Sobre o seu programa… veremos. Deixe-me resolver essas outras questões primeiro. A segurança do banco e da nossa família é a prioridade absoluta."
Sabrina saiu da sala frustrada, mas também com uma nova e incômoda sensação de apreensão. A preocupação de seu pai parecia mais profunda, mais específica do que suas habituais cautelas.
Ao anoitecer, Leonardo se encontrou com Tulio num bar discreto, longe dos territórios habituais dos Costello. O lugar era frequentado por homens de negócios, o tipo de ambiente onde conversas confidenciais podiam ser mascaradas pelo burburinho geral.
"Algum progresso, arquiteto?" Tulio perguntou, um leve sarcasmo na voz, enquanto bebericava um conhaque.
Leonardo entregou-lhe um esboço da fachada do banco, com algumas anotações. "É uma fortaleza, como esperado. Segurança visível é impressionante. Mas toda fortaleza tem seus pontos cegos." Sua voz era profissional, desprovida de emoção. "Preciso de mais tempo para observar as rotinas internas, o transporte de valores, os sistemas eletrônicos."
Rocco, que estava sentado numa mesa próxima com outros dois homens da famiglia e claramente ouvira a conversa, aproximou-se, um sorriso desdenhoso nos lábios. "Um arquiteto, é? Cuidado para não se perder nos seus desenhos, Leonardo. Alguns de nós preferem métodos mais… diretos."
Leonardo encarou Rocco, os olhos azuis frios como gelo. "Métodos diretos costumam deixar rastros, Rocco. E atrair atenção indesejada. Acredito que o Don prefira a discrição e a eficiência."
A tensão entre os dois era palpável. Tulio interveio antes que as coisas esquentassem. "Rocco, cuide da sua bebida. Leonardo está seguindo as ordens do Don." Ele se voltou para Leonardo. "Continue seu trabalho. O Don espera resultados."
Mais tarde, naquela noite, sozinho novamente, Leonardo repassava as imagens do dia. O banco imponente. Lorenzo Rossi, preocupado. E Sabrina. Seu rosto, sua expressão determinada ao entrar no banco. Uma ideia começou a tomar forma em sua mente, uma estratégia arriscada, complexa. Se ele conseguisse acesso aos projetos originais do banco, aos sistemas de segurança internos…
De repente, um detalhe que observara durante sua longa vigília voltou à sua mente com clareza. Uma pequena porta de serviço, nos fundos do edifício, usada por uma empresa de catering que fazia entregas diárias num horário específico. A segurança ali parecia menos rigorosa, mais rotineira. Era uma observação trivial, talvez, mas sua mente, treinada para encontrar a menor rachadura na armadura, registrou-a.
Ele pensou no olhar de Sabrina. Na dedicação dela. E no seu próprio objetivo sombrio. Havia alguma forma de navegar por aquele labirinto de lealdades conflitantes? Alguma forma de atingir seu alvo sem causar a destruição completa de tudo o que ela representava?
Por enquanto, essas perguntas ficariam sem resposta. Ele tinha uma missão. E, por mais que seu coração se rebelasse, sua mente sabia que ele precisava cumpri-la. O primeiro passo era entender cada centímetro da fortaleza Rossi. E talvez, apenas talvez, encontrar uma maneira de usá-la não apenas para os propósitos do Don, mas também para os seus. O que quer que isso custasse.