O dia seguinte amanheceu cinzento, o céu de chumbo sobre a cidade parecendo um espelho do humor sombrio que permeava os cantos onde os Costello teciam suas teias. Leonardo encontrara Tulio na entrada dos fundos de um dos cafés que serviam de fachada para os negócios da famiglia. O braço direito de Don Costello era uma figura que impunha respeito sem proferir uma única palavra desnecessária. Alto, esguio, com olhos que pareciam carregar o peso de segredos inconfessáveis e uma cicatriz fina que lhe atravessava a sobrancelha esquerda, Tulio era a personificação da lealdade silenciosa e da eficiência letal.
Ele não cumprimentou Leonardo. Apenas fez um gesto com a cabeça em direção a um sedan preto, discreto e potente, estacionado junto ao meio-fio. Leonardo entrou no lado do passageiro. O interior do carro cheirava a couro e a algo metálico, quase imperceptível, que fez os instintos de Leonardo se aguçarem.
A viagem foi feita em silêncio. Tulio manobrava o carro com uma precisão calma pelas ruas movimentadas, seus olhos varrendo constantemente os arredores, um hábito tão natural quanto respirar. Leonardo, por sua vez, observava a cidade com uma atenção focada, mapeando rotas de fuga, notando os olhares curiosos de alguns transeuntes, a presença discreta de outros homens que, pela postura e pelo olhar, denunciavam a mesma estirpe dos Costello. Era um balé silencioso de predadores e presas, e ele, agora, era inegavelmente parte dele.
Seu estômago estava revirado, não por medo, mas por uma repulsa antiga, uma sensação familiar que ele lutava para esmagar sob camadas de frieza calculada. Aquela "simples coleta" era mais do que um teste de suas habilidades; era um mergulho forçado de volta a um mundo do qual ele jurara escapar. Mas o passado, como uma sombra persistente, tinha uma maneira cruel de encontrar o caminho de volta, especialmente quando impulsionado por um propósito tão vital quanto o dele. Um propósito que, por enquanto, permanecia trancado a sete chaves em sua alma.
Tulio parou o carro em frente a uma pequena floricultura, cujas cores vibrantes pareciam um oásis de alegria em meio à dureza da rua. "Aqui," disse Tulio, a voz rouca e baixa, quebrando o silêncio pela primeira vez. "Signor Antonelli. Ele está… atrasado."
Atrasado. Outro eufemismo para uma dívida não paga, provavelmente um empréstimo com juros exorbitantes ou uma taxa de "proteção" que mantinha o pequeno negócio funcionando sem "incidentes".
Leonardo desceu do carro, seguindo Tulio, que entrou na loja como se fosse o dono. O tilintar do sino da porta soou quase alegre demais para a tensão que se instalou instantaneamente. Um homem mais velho, de avental manchado de terra e com as mãos trêmulas, surgiu dos fundos. Seus olhos, ao pousarem em Tulio, arregalaram-se em pânico.
"Signor Tulio! Que… surpresa," gaguejou o florista, o suor brotando em sua testa. Ele lançou um olhar assustado para Leonardo, o recém-chegado cuja presença silenciosa parecia amplificar a ameaça.
"Antonelli," Tulio começou, sem rodeios. "O Don envia lembranças. E perguntas sobre sua memória. Parece que você esqueceu nosso último acordo."
O homem engoliu em seco, as mãos apertando o avental. "Eu… eu juro, Signor Tulio, as vendas… foram terríveis este mês. A chuva… ninguém compra flores com este tempo…" Sua voz sumiu num murmúrio desesperado.
Tulio deu um passo à frente, e Antonelli encolheu-se instintivamente. Leonardo permaneceu parado perto da porta, observando. Seus olhos não demonstravam emoção, mas por dentro, a bile da injustiça subia. Ele conhecia aquele medo, aquela impotência. Já estivera do outro lado daquela equação.
"O Don não se interessa pelo clima, Antonelli," a voz de Tulio era fria como o aço. "Ele se interessa por respeito. E por aquilo que lhe é devido." Ele fez um gesto para um vaso de orquídeas raras e caras. "Talvez algumas dessas belezuras possam compensar seu… esquecimento."
Era uma humilhação calculada, tomar os bens mais valiosos do homem. Antonelli olhou para as orquídeas com uma dor palpável. Eram seu orgulho, sua paixão.
Foi então que Leonardo se moveu. Não de forma ameaçadora, mas com uma calma que surpreendeu até mesmo Tulio, que se virou ligeiramente, a mão discretamente perto do coldre sob o paletó.
Leonardo caminhou lentamente até o balcão, seus olhos azuis fixos nos do florista. "Signor Antonelli," ele disse, a voz surpreendentemente suave, contrastando com a de Tulio. "Talvez possamos encontrar uma solução que não envolva privá-lo de suas melhores flores."
Antonelli olhou para ele, uma faísca de esperança misturada ao medo. Tulio estreitou os olhos, a desconfiança evidente.
"O Don Costello valoriza a lealdade acima de tudo," continuou Leonardo, escolhendo as palavras com cuidado. "E um homem que cuida tão bem de suas flores certamente entende o valor do cuidado e da dedicação." Ele pegou uma pequena rosa amarela, quase murcha, de um balde. "Mas mesmo as flores mais belas precisam de tempo para florescer, especialmente após uma tempestade."
Ele olhou para Tulio. "Talvez um prazo adicional, com um pequeno… incentivo… para demonstrar boa-fé, seja mais produtivo a longo prazo. Um devedor arruinado não tem como pagar."
Tulio permaneceu em silêncio por um momento, o olhar fixo em Leonardo. Era uma jogada arriscada. Questionar, mesmo que sutilmente, uma ordem implícita era perigoso. Mas havia uma lógica fria nas palavras de Leonardo que até mesmo Tulio não podia ignorar completamente. E, mais importante, havia uma autoridade inesperada em sua postura.
Finalmente, Tulio deu de ombros, um movimento quase imperceptível. "O Don aprecia criatividade," ele disse, enigmaticamente, para Leonardo. Então, virou-se para Antonelli. "Você tem sorte. O novo associado do Don parece ter um fraco por… jardinagem." Um tom de escárnio tingiu suas palavras. "Uma semana. E o 'incentivo' será o dobro do que você nos deve de juros. Se falhar, voltaremos para buscar as flores. E talvez algo mais."
O alívio no rosto de Antonelli foi tão intenso que ele quase cambaleou. Ele murmurou agradecimentos apressados, os olhos úmidos.
Leonardo não disse mais nada. Ele e Tulio saíram da floricultura, deixando o sino da porta tilintar atrás deles.
De volta ao carro, o silêncio era ainda mais denso. Leonardo podia sentir o olhar de Salvo sobre ele, avaliador, inquisidor. Ele não se importou. Mantinha o rosto voltado para a janela, observando a cidade passar, mas sua mente estava longe. Aquele pequeno ato de intervenção, aquela tentativa de mitigar a crueldade, fora um impulso perigoso. Um deslize em sua fachada cuidadosamente construída.
Enquanto isso, no mundo ensolarado da Fundação Rossi, Sabrina ria enquanto ajudava uma jovem estudante, beneficiária de uma das bolsas, a escolher livros para seu curso universitário. Ana, a estudante, tinha olhos brilhantes de gratidão e um futuro promissor à sua frente, um futuro que só era possível graças à generosidade da Fundação.
"Eu nunca vou conseguir agradecer o suficiente, Sabrina," disse Ana, abraçando uma pilha de livros. "Minha mãe diz que você e sua família são anjos."
Sabrina sentiu o coração aquecer. Era por momentos como aquele que ela se dedicava tanto. "Nós apenas damos uma pequena ajuda, Ana. O mérito é todo seu, pela sua dedicação."
Mais tarde, durante o almoço em família, seu pai, Lorenzo Rossi, parecia mais preocupado que o normal. "O jornal de hoje só fala de aumento da criminalidade," ele comentou, franzindo a testa para o noticiário na televisão da sala de jantar. "Esses… esses parasitas estão se tornando mais ousados. Precisamos ser cada vez mais cuidadosos. O banco é um símbolo, Sabrina. E símbolos atraem atenção indesejada."
Sabrina sentiu um arrepio, apesar do calor do dia. As palavras de seu pai, geralmente vistas por ela como um excesso de zelo, hoje pareciam carregar um peso diferente, uma premonição sombria que ela não conseguia afastar.
Ao retornarem à base dos Costello, Tulio conduziu Leonardo diretamente à presença de Don Vincenzo. O velho Don estava em seu escritório, uma sala suntuosa, mas sem a ostentação da sala de reuniões. Havia livros, mapas antigos e o cheiro de café forte no ar.
Tulio fez um relato conciso da "coleta", sem omitir a intervenção de Leonardo. Ele narrou os fatos de forma neutra, mas Leonardo sabia que cada palavra, cada entonação, seria dissecada pelo Don.
Quando Tulio terminou, Don Costello permaneceu em silêncio por um longo momento, tamborilando os dedos na mesa de mogno polido. Seus olhos negros como a noite estudavam Leonardo, que permanecia em pé, respeitoso, mas sem subserviência.
"Então," disse o Don, finalmente, a voz baixa e perigosamente calma. "Você tem um coração mole para floristas, Leonardo? Ou apenas uma maneira diferente de garantir que as ovelhas continuem produzindo lã?"
Leonardo encontrou o olhar do Don. "Ovelhas assustadas demais não produzem por muito tempo, Don Costello. Às vezes, um pouco de pasto verde garante mais lealdade – e mais lã – do que o chicote."
Um brilho de interesse, talvez até de respeito relutante, passou pelos olhos do Don. "Diplomacia. Uma ferramenta interessante no nosso… ramo." Ele fez uma pausa. "Mas não confunda diplomacia com fraqueza, rapaz. Neste mundo, a bondade não apreciada é muitas vezes vista como uma oportunidade para o golpe."
"Eu entendo perfeitamente, Don," Leonardo respondeu, a voz firme.
"Veremos," disse o Don, dispensando-os com um aceno. "Tulio, mantenha-o ocupado. Quero ver mais do que esse… 'jardineiro' é capaz."
Quando Leonardo saiu, deixando Tulio e Don a sós, ele sentiu um misto de alívio e apreensão. Passara no primeiro teste, mas de uma forma inesperada. Mostrara uma faceta que não planejara revelar tão cedo. E sabia que os olhos de Don Costello estariam sobre ele com ainda mais intensidade.
Tulio, antes de se retirar também, parou à porta do escritório do Don. "Ele é… diferente," comentou Tulio, mais para si mesmo do que para o chefe. Don Costello sorriu, um sorriso que não alcançou seus olhos. "Diferente pode ser bom, Tulio. Ou pode ser muito perigoso." Ele olhou para um ponto qualquer na parede, como se visse o futuro se desenrolando ali. "Precisamos descobrir se ele realmente tem o talento que me disseram que ele tem."
E enquanto Leonardo caminhava pelas ruas cada vez mais familiares daquele submundo, ele sabia que sua jornada estava apenas começando. E o peso do silêncio sobre seu passado e seus verdadeiros motivos tornava-se cada dia mais opressor, uma bomba-relógio prestes a explodir no coração da família Costello.