A fumaça do charuto de Don Vincenzo Costello pairava como uma mortalha sobre a sala suntuosa, um nevoeiro denso que se agarrava às cortinas de veludo carmesim e aos móveis escuros e imponentes. O silêncio era quebrado apenas pelo tilintar discreto do gelo num copo de uísque e pela respiração contida dos homens que ali se encontravam. Os olhos do Don, como fragmentos de obsidiana, estavam cravados no recém-chegado, um homem que se destacava naquele antro de poder e perigo não pela ostentação, mas por uma quietude quase predatória.
Leonardo.
O nome fora sussurrado com uma mistura de curiosidade e desconfiança nos círculos internos da famiglia Costello. Chegara recomendado por um consigliere siciliano de velha data, um homem cuja palavra ainda carregava o peso do respeito e do medo. A missiva fora breve: "Um jovem de recursos singulares e motivos ainda mais singulares para buscar novos ares. Pode ser útil." E para Don Costello, "útil" era a única qualificação que realmente importava.
Leonardo permanecia de pé, no centro da sala, sob o escrutínio implacável de cinco capos, cada um controlando um feudo diferente nos negócios ilícitos da cidade. Seu terno, de corte impecável, mas sombrio e desprovido de qualquer adorno, não revelava nada. Alto, ombros largos que sugeriam uma força reprimida, ele possuía um rosto que a dureza talhara com precisão – um maxilar firme, lábios que pareciam ter desaprendido a sorrir e olhos de um azul profundo, tempestuoso, que absorviam tudo, devolvendo apenas um reflexo gélido de observação.
"Então," a voz de Don Costello, grave e com o sotaque rústico da Calábria, finalmente cortou a tensão, "você é o Leonardo. Aquele que meu velho amigo Carmelo acredita ser um homem de… valor." A palavra "valor" foi dita com uma entonação que deixava claro que tal mérito ainda precisava ser brutalmente comprovado.
Leonardo inclinou a cabeça minimamente. Um gesto que beirava o respeito, mas sem a subserviência bajuladora que o Don tanto apreciava e desprezava. "Don Costello. Agradeço a oportunidade." Sua voz era um barítono calmo, sem qualquer indício de nervosismo, uma anomalia naquele ambiente onde o medo era a moeda corrente.
Rocco, o capo mais corpulento e de nariz quebrado, soltou um grunhido desdenhoso. "Oportunidade? Parece até que estamos contratando para o banco da cidade, não para a famiglia."
Leonardo não se dignou a olhar para Rocco. Seus olhos permaneceram fixos no Don, como se apenas ele existisse naquela sala impregnada pelo cheiro de poder e perigo iminente. Don Costello fez um gesto para uma cadeira isolada. "Sente-se, rapaz. Carmelo raramente envia pacotes vazios. Diga-me, que tipo de 'recursos' você traz para a nossa mesa?"
Enquanto Leonardo começava a tecer sua entrada calculada no submundo, em outra parte da cidade, banhada pela luz dourada da manhã, Sabrina Rossi lutava sua própria batalha, ainda que num campo muito diferente. No coração do bairro operário de Vila Esperança, o Centro Comunitário Novo Amanhã, sua menina dos olhos, o projeto ao qual dedicara os últimos dois anos de sua vida com uma paixão que beirava a obstinação, estava sob ameaça.
A notificação de despejo, fria e impessoal, chegara na semana anterior, cravada na porta de madeira gasta do centro como uma sentença de morte. A Progresso Empreendimentos S.A., uma incorporadora com reputação de tubarão e conexões obscuras nos altos escalões da prefeitura, comprara o terreno e queria tudo demolido para dar lugar a mais um de seus arranha-céus de luxo anônimos.
"Eles não podem fazer isso!" Sabrina exclamara para Dona Lurdes, a líder comunitária de cabelos brancos e olhar cansado, mas ainda faiscante de luta. "Este centro é a alma da Vila Esperança! As crianças têm aulas de reforço aqui, os idosos têm seus encontros, as mães têm cursos profissionalizantes! Para onde irão todas essas pessoas?"
Naquela manhã, Sabrina estava no pequeno escritório improvisado do centro, rodeada por plantas arquitetônicas que ela mesma desenhara para a reforma sonhada, agora inúteis. Seu celular não parava de tocar. Eram os advogados da Fundação Rossi, cautelosos, falando sobre a legalidade do aviso, sobre as poucas chances de reverter a decisão judicial que parecia já ter sido comprada. Eram membros da comunidade, desesperados. Era seu pai, Lorenzo Rossi, presidente do Banco Rossi & Filhos, ligando para expressar, mais uma vez, sua "preocupação".
"Sabrina, minha filha," a voz de Lorenzo soou no telefone, carregada daquele tom pragmático que tanto a irritava e, ao mesmo tempo, a fazia se sentir como uma criança teimosa. "Eu entendo sua paixão, seu idealismo. Mas esta briga… esta Progresso Empreendimentos… eles são peixes grandes, perigosos. Você está se expondo, e expondo o nome da nossa família, a um desgaste desnecessário."
"Desgaste desnecessário, papai?" Sabrina respondeu, a voz tensa. "Estamos falando de vidas, de uma comunidade que será destruída! O senhor, com toda a sua influência, com o poder do Banco Rossi, não pode simplesmente… fazer algumas ligações? Intervir?"
Houve um suspiro do outro lado da linha. "Não é tão simples, querida. O mundo dos negócios é complexo. E, francamente, a Fundação Rossi tem outras prioridades, projetos menos… conflituosos… que exigem sua atenção." Ele queria que ela se concentrasse nos bailes de caridade, nas doações para hospitais de elite, na filantropia segura e fotogênica que adornava as colunas sociais. Não naquela luta inglória por um pedaço de chão num bairro esquecido.
"Minha prioridade é esta, papai," ela disse, desligando antes que ele pudesse argumentar mais. Sua mãe, Eleonora, entrara na sala, trazendo uma xícara de chá e um olhar compreensivo. "Seu pai se preocupa com você, querida," Eleonora disse, a voz suave. "Ele teme que seu coração tão grande a coloque em apuros." "Mas se não lutarmos pelas coisas certas, mamãe, que valor tem o nosso 'coração grande'?" Sabrina respondeu, os olhos brilhando com uma teimosia que era a marca registrada dos Rossi, ainda que aplicada de forma diferente.
Ela sabia que seu pai não entendia. Ele via o mundo através das lentes frias dos balanços financeiros, dos riscos calculados, das conexões de poder que mantinham o império Rossi intacto. Mas Sabrina via as pessoas, as histórias, a injustiça. E não se curvaria. Naquela mesma tarde, ela tinha uma reunião marcada com um grupo de moradores para organizar um protesto pacífico em frente à sede da Progresso Empreendimentos. Era um tiro no escuro, uma luta de Davi contra Golias, mas ela não desistiria do Novo Amanhã sem lutar.
De volta à sala escura da fortaleza Costello, Leonardo terminava sua breve, mas cuidadosamente elaborada, apresentação de suas "habilidades". Falou de sua experiência em logística, em segurança, em "resolução de problemas complexos", usando eufemismos que os homens ali presentes entendiam perfeitamente. Ele não revelou nada de seu passado, de seus verdadeiros motivos, mantendo um véu de mistério que tanto agradava quanto inquietava Don Costello.
O Don ponderou, o charuto soltando uma fumaça aromática. "Temos um… projeto… em andamento, Leonardo. Um projeto grande, que exige discrição, inteligência e nervos de aço." Seus olhos encontraram os de Leonardo. "Um projeto que, se bem-sucedido, mudará o equilíbrio de poder nesta cidade." Ele não mencionou o Banco Rossi diretamente, mas a forma como seus olhos brilharam com uma cobiça fria fez um arrepio percorrer a espinha de alguns dos presentes. "Mas antes, você precisa provar sua lealdade. Sua total e inquestionável lealdade à famiglia."
O Don fez um sinal para Tulio, seu braço direito silencioso e letal. "Tulio irá lhe designar sua primeira tarefa. Cumpra-a com eficiência, Leonardo, e as portas desta família se abrirão para você. Falhe…" O Don sorriu, um sorriso que não alcançava seus olhos. "Bem, falhas não costumam ser bem toleradas por aqui."
Leonardo apenas assentiu, o rosto impassível. A primeira prova. O primeiro degrau na escuridão. Ele estava pronto. Ou pelo menos, precisava estar.
Enquanto Leonardo saía da sala, acompanhado por Tulio, sentindo os olhares dos outros capos queimando em suas costas, ele não podia imaginar que, do outro lado da cidade, uma jovem idealista chamada Sabrina Rossi, com seu próprio tipo de coragem e seus próprios demônios para enfrentar, estava prestes a cruzar seu caminho de uma forma que mudaria suas vidas para sempre. Duas almas em rota de colisão, uma buscando um lugar nas sombras, a outra lutando desesperadamente para proteger a luz. A cidade, com seus segredos e suas armadilhas, aguardava, indiferente.